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Afetividade e função social da família

No documento MESTRADO EM DIREITO CIVIL SÃO PAULO 2009 (páginas 158-162)

8 Responsabilidade do convivente/cônjuge pelos danos causados por seus

8.2 Afetividade e função social da família

É inegável que o padrasto e a madrasta contribuem para o desenvolvimento dos valores e da personalidade de seus enteados, especialmente os menores, ainda em fase de formação. A contribuição e os laços de afeto serão tanto maiores quanto for o convívio entre eles. Isto é um

249 O Código Civil e as entidades familiares. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas

relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São

fato que deveria ser regulamentado pelo direito civil para além dos impedimentos matrimoniais.

O direito português, por exemplo, conferiu ao padrasto e a madrasta a obrigação de alimentos em relação aos enteados menores que estiverem sob seu encargo no momento da morte do cônjuge:

ARTIGO 2009º

(Pessoas obrigadas a alimentos)

1. Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada:

a) O cônjuge ou o ex-cônjuge; b) Os descendentes;

c) Os ascendentes; d) Os irmãos;

e) Os tios, durante a menoridade do alimentando;

f) O padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste.

2 . Entre as pessoas designadas nas alíneas b) e c) do número anterior, a obrigação defere-se segundo a ordem da sucessão legítima.

3. Se algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subseqüentes.

O direito previdenciário pátrio também equipara o enteado ao filho, viabilizando sua inclusão como dependente do titular do benefício previdenciário, como se infere do v. aresto a seguir transcrito. De referido julgado, flagra-se que a equiparação legal (enteado ao filho), conjugada com a ausência de extinção do vínculo por afinidade, autorizou a manutenção do incapaz como dependente de seu padrasto, mesmo após a morte de sua mãe:

Com efeito, relevante para o desate da lide é o fato de que o autor, que é incapaz, acometido de doenças físicas e psíquicas como demonstram os documentos acostados, era beneficiário de assistência médica prestada pelo IPERGS na condição de dependente do seu padrasto, e após, foi descadastrado, estando atualmente a descoberto.

Não olvido que a questão posta ao crivo judicial, muito mais do que a simples aferição de preenchimento ou não dos requisitos legais para a condição de dependência para fins previdenciários, enseja o exame da situação fática.

O falecimento da genitora do autor gerou a situação de o mesmo passar a morar com parentes, estando sob a curatela

de um deles, e o seu padrasto a condição de “não mais lhe obrigar a prover o seu sustento ou custear o seu tratamento médico”, conforme a decisão concessiva de antecipação de tutela.

Em que pese a distância que naturalmente se verificou após o óbito da genitora do autor, o que ensejou a comunicação por parte do padrasto Luiz Setembrino ao efeito de demiti-lo da condição de dependente junto ao IPERGS, o vínculo de afinidade existente entre ambos não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável, a teor do artigo 1.595, § 2º, do Código Civil, nem se dissolve com mera manifestação de vontade de um deles.

Com efeito, mesmo com o decesso de um dos cônjuges, os efeitos do vínculo de afinidade persistem, não se podendo desconstituir relações perfectibilizadas em razão do vínculo que não é meramente fático, mas jurídico.

Nesse passo, havendo previsão legal para a inclusão do autor como dependente do seu padrasto, no artigo 9º, § 2º, da Lei 7672/82, inclusive no que tange à dependência econômica presumida do § 5º, do mesmo artigo, e sendo o autor doente mental e interdito, como se infere na fl. 14, certo é que faz jus à manutenção da condição de dependente.

Certo é que não poderia a Autarquia cancelar o benefício da assistência de saúde, a teor do que estabelece o artigo 14, “g”, da indigitada Lei, verbis:

“Art. 14. A perda da qualidade de dependente, que é pressuposto da qualidade de pensionista, ocorrerá:

a) por falecimento;

b) pela anulação do casamento; pela separação judicial ou pelo divórcio, quando não haja percepção de pensão alimentícia; c) pelo abandono do lar, na situação do art. 234 do Código Civil, desde que declarada judicialmente;

d) para os filhos e as pessoas a eles equiparadas, por implemento de idade: aos dezoito anos, se do sexo masculino, e aos vinte e um anos se do sexo feminino, salvo se inválidos ou enquadrados no § 3º do art. 9º;

e) pelo casamento ou pelo concubinato; f) pela cessação de invalidez;

g) pela manifestação de vontade do segurado, que não poderá, entretanto, excluir os dependentes de que trata o item I do artigo 9º.”

O inciso I, do artigo 9º e o § 2º, do mesmo artigo assim referem:

“Art. 9º Para os efeitos desta lei, são dependentes do segurado:

I - a esposa; a ex-esposa divorciada; - vetado -; os filhos de qualquer condição enquanto solteiros e menores de dezoito anos, ou inválidos, se do sexo masculino, e enquanto solteiros e menores de vinte e um anos, ou inválidos, se do sexo feminino;

[...]

§ 2º Equipara-se ao filho, para os efeitos do item I deste artigo, o enteado.”

Não fosse isso bastante, a condição física do autor, debilitado pela doença degenerativa como Diabete tipo II que o acomete,

que o sujeita a internações hospitalares e a amputações como referido no documento da fl. 160, indica a real necessidade de permanência na condição de dependente de segurado, de modo a evitar danos ainda maiores a sua saúde.

Não poderia, portanto, nem o réu Luiz Setembrino, muito menos o IPERGS, proceder ao descadastramento do autor da qualidade de dependente, sendo que para o referido fato ambos contribuíram, daí a procedência da demanda em relação a ambos250.

Nossos tribunais, ainda que timidamente, vêm reconhecendo direitos entre padrasto/madrasta e enteados, se demonstrado o vínculo de afetividade entre eles, consoante se depreende da decisão judicial proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, reconhecendo o direito de o padrasto/madrasta ser indenizado, por danos morais, pela morte do enteado:

Inicialmente analiso a preliminar de ilegitimidade ativa de Jesus Natalício Gomes, suscitada pelo Município réu, em razão de não ser Darvisson Francisco Fernandes seu filho biológico. Conforme se depreende da certidão de nascimento da vítima (fl.19), de fato, não consta como sendo pai de Darvisson o demandante.

Todavia, com base no depoimento pessoal dos autores (fls. 105/109), verifica-se que Darvisson possuía apenas três anos quando sua mãe, Fiorinda Fernandes, conheceu Jesus Natalício, sendo que a partir desse momento passou a criá-lo como filho.

Assim, mesmo sendo enteado do autor e não seu filho biológico, é razoável concluir que durante mais de duas décadas de convivência, de criação, desenvolveu-se um vínculo afetivo entre a vítima e Jesus Natalício, caracterizando a posse do estado de filho, de modo que possui este legitimidade ativa para postular reparação por danos.

É que não se pode negar que a dor sofrida por aquele que perde um ente querido não está necessariamente ligada ao parentesco de sangue, consangüíneo. No caso em comento, o enteado faleceu com 25 anos, após uma convivência de aproximadamente 22 anos, o que reforça os vínculos de amizade, companheirismo, respeito, gratidão e amor, como se filho de um mesmo ancestral se tratasse. Portanto, julgo que a perda também atinge o padrasto que perde o enteado, legitimando-o a postular compensação pela dor sofrida251.

250 Apelação Cível n. 70006761720, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel.

Cláudio Luís Martinewski, julgado em 26 nov. 2003.

251 Apelação n. 70020007852, Rel. Paulo Antônio Kretzmann, Tribunal de Justiça do RS, DJ 08

Do exposto é possível aferir que o ordenamento jurídico, paulatinamente, está procurando tutelar estes vínculos, notadamente se restar demonstrada a ligação afetiva ou de dependência entre eles.

Se o ordenamento jurídico está caminhando, ainda que vagarosamente, para o reconhecimento da existência de direitos entre padrasto/madrasta e seus enteados, deverá analisar as obrigações daí decorrentes e suas conseqüências, incluindo a responsabilidade dos primeiros pelos danos

No documento MESTRADO EM DIREITO CIVIL SÃO PAULO 2009 (páginas 158-162)