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Responsabilidade do padrasto/madrasta pelos danos causados por

No documento MESTRADO EM DIREITO CIVIL SÃO PAULO 2009 (páginas 162-169)

8 Responsabilidade do convivente/cônjuge pelos danos causados por seus

8.3 Responsabilidade do padrasto/madrasta pelos danos causados por

8.3 RESPONSABILIDADE DO PADRASTO/MADRASTA PELOS DANOS CAUSADOS POR SEUS ENTEADOS MENORES

Maria Berenice Dias252 afirma que a família constituída pelo casal e o filho de um deles é uma família monoparental porque não há divisão do poder familiar entre o progenitor do menor e seu cônjuge/convivente (padrasto/madrasta):

Com a nova união, seja através de novo casamento ou da formação de união estável, forma-se a chamada família reconstituída, infeliz expressão para nominar um novo vínculo afetivo. Mas essa nova estrutura familiar, ainda que formada por um casal e o filho de um deles, persiste sendo uma família monoparental. O poder familiar (sic) permanece com os pais. Nem o casamento, nem a constituição de união estável com o genitor que está com a guarda gera qualquer vínculo do filho com o seu cônjuge ou companheiro. Modo expresso, o poder familiar é exercido sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro (a.636).

Ante a ausência de titularidade do poder familiar, a doutrina sedimentou a “irresponsabilidade” do padrasto ou da madrasta pelos danos provocados pelos enteados menores, como esclarece Caio Mário da Silva Pereira253:

252 Manual de direito das famílias. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 200. 253 Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 90.

A responsabilidade civil cabe ao pai ou mãe natural em relação aos filhos reconhecidos [...]. Mas não se estende ao padrasto ou madrasta, mesmo se tiverem recolhido os menores em tenra idade [...].

Alvino Lima254 ressalta a importância da titularidade do poder familiar para justificar tal responsabilidade ao afirmar que os “demais parentes, como tios, avós, ainda que tenham em sua companhia os aludidos menores, não assumem a responsabilidade pelos atos dos mesmos; a responsabilidade continua a ser do titular do pátrio poder”.

Nesta mesma linha, segue António Pais de Souza255:

A repetir-se um caso idêntico na actualidade, a solução deve ser a mesma do acórdão em referência. As madrastas não são obrigadas por lei a vigiar os enteados pelo simples facto de casarem com os seus pais. Elas só poderão ser responsáveis, por “culpa in vigilando” se assumirem o compromisso de vigilância, mediante negócio jurídico, o que não se afigura natural. Em contrário poderá argumentar-se que o pai de um menor de 9 anos, ao sair de casa para o seu trabalho, confia normalmente à esposa a vigilância do enteado, não se vendo motivo válido pra esta alijar essa incumbência. É lógico que assim aconteça na generalidade dos casos, mas isso não importa para a madrasta um dever contratual de vigilância. Pensamos que a esta se situação se adaptam os seguintes ensinamentos do Prof. Vaz Serra: “com efeito, se alguém, não tendo o dever legal de vigilância, se presta, por mero favor, a vigiar, mas sem se obrigar a vigiar, seria excessivo, ao que parece, presumi-lo culpado pelos actos das pessoas em questão. Afigura-se de exigir, como no Código alemão, um dever legal ou contratual de vigilância”. Conforme vimos esta exigência ficou consagrada no artigo 491º do Código Civil. Waldyr Grisard Filho256 afirma que existem deveres entre padrasto/madrasta em relação aos enteados equivalentes ao da guarda de fato, mas nunca iguais àqueles fixados aos pais do menor:

254 A responsabilidade civil pelo fato de outrem. Rio de Janeiro: Forense, 1973. p. 35.

255 Da incapacidade jurídica dos menores interditos e inabilitados no âmbito do Código Civil.

Coimbra: Almedina, 1971. p. 203-204.

256 Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 3. ed. São Paulo: RT,

Sem nos determos no exame de suas características, interessa fixar que entre um cônjuge (padrasto/madrasta) e os filhos do outro (enteado/enteada), sejam matrimoniais ou não, se estabelece um parentesco por afinidade em linha reta e em primeiro grau, que os vincula e faz decorrer direitos e deveres recíprocos, limitados, entretanto, à vida cotidiana. Quando menos, assume o cônjuge, ou companheiro, do genitor guardião, que tomou a seu cargo e por autoridade própria o menor, os deveres e as atribuições necessárias para cumprir suas responsabilidades tal como na guarda de fato. Sua atuação é de integração com o pai biológico do menor.

Sobre a responsabilidade civil, especificamente, José Fernando Simão257 sustenta que a responsabilidade do padrasto/madrasta não pode ser igual a dos pais, pelo fato de tal responsabilidade ser indireta, devendo estar expressamente prevista em lei.

Não se deve confundir a parentalidade socioafetiva com o vínculo de afinidade que se estabelece entre madrastas e padrastos e seus enteados.

A relação jurídica, nessa hipótese, não é de filiação, mas, sim, de parentesco por afinidade que é aquele que se estabelece entre um dos cônjuges ou companheiros e os parentes consangüíneos do outro. Nesse sentido, as madrastas não são obrigadas por lei a vigiar seus enteados, pelo simples fato de se casarem com os seus pais. Como a responsabilidade por fato de terceiro é excepcional, e não regra, não comportará interpretação extensiva.

Já com relação à parentalidade socioafetiva a questão é bem diferente. Se conflito houver entre a verdade biológica e a socioafetiva é a segunda que tem prevalecido nos nossos tribunais. O pai socioafetivo é pai e não apenas padrasto. Concorda-se com o fundamento adotado por José Fernando Simão, considerando a legislação em vigor. No entanto, acredita-se ser possível ao legislador infraconstitucional fixar a responsabilidade do padrasto/madrasta pelos danos causados por seus enteados.

É fato que a Constituição Federal impõe aos pais a criação, educação e assistência de seus filhos menores:

257 Responsabilidade civil do incapaz – busca pela interpretação do sistema. Tese (Doutorado)

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...].

Mas também é cediço que atribui à família – sem especificar o tipo – deveres em relação às crianças e adolescentes que dela participem:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão.

E a família formada pelo casal e o filho de um deles, ainda que monoparental, é uma família e deve obediência ao disposto constitucional, o que permite concluir que os deveres estabelecidos no art. 227 da CF88 devem ser cumpridos, também, pela madrasta ou padrasto, na condição de integrante desta família, instrumento de desenvolvimento do menor, como já dito anteriormente.

O ECA reforça este posicionamento.

Os arts. 4º e 5º, em suma, reproduzem o conteúdo do art. 227 da CF88 supratranscrito, reforçando o dever da família em garantir à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, proibindo toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão.

O art. 18 fixa o DEVER DE TODOS de “velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

No art. 70, por sua vez, fixa o DEVER DE TODOS de “prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”.

Com base nos dispositivos constitucionais e do ECA, pode o legislador infraconstitucional fixar a responsabilidade do padrasto/madrasta pelo dano causado pelo enteado menor.

Acredita-se que a fixação de tal responsabilidade deveria ser lastreada na culpa, porque as situações de fato destes agrupamentos são tão diversas, que exigem sua análise cuidadosa, pois não se pode esquecer que os deveres de educação, criação e assistência são impostos a quem deu causa aos filhos menores, tão pouco perder de vista a influência que o padrasto/madrasta exerce na educação a criação e assistência, seja pelos laços de afeto, seja pelo convívio, além dos deveres que assumem como integrantes da família da qual o menor pertence, decorrentes do disposto no art. 227 da Constituição Federal.

Assim, por exemplo, o padrasto que deixa ao alcance do menor uma arma que guarda em casa e, por conta disto, o menor tem acesso a ela e a manuseia, atirando contra um empregado.

Neste caso, a conduta do padrasto foi determinante para a ocorrência do dano. Embora não tenha sido ele a atirar, facilitou e possibilitou o acesso do menor à arma, por falta própria. Com tal proceder, violou o disposto no art. 227 da CF88, pois negligenciou ao menor os cuidados necessários, na condição de integrante da família por eles constituída.

Seria justo que respondesse pelos danos provocados em conjunto com os pais. Acredita-se em solidariedade nesta responsabilidade em face da vítima: os pais, por força do disposto no art. 932, I do CC02 e o padrasto/madrasta, por força da violação dos deveres impostos na Magna Carta.

Por outro lado, imagine uma família constituída há 1 (um) ano, integrada por um adolescente de 16 anos, filho de apenas um deles. Se ele praticar furto e a vítima pretender obter sua reparação, não há como responsabilizar este

padrasto/madrasta pelo evento danoso, ao menos a princípio, exceto se tenha dele participado, ainda que por meio de incitação.

Este evento está intimamente vinculado à formação, orientação, educação do menor, dos quais o padrasto/madrasta, a priori, não participou ou teve pouca participação, considerando o tempo de constituição do novo grupo familiar.

Como se vê, trata-se de um terreno ainda desconhecido, que provoca inúmeras indagações e até mesmo rejeições, ante o papel que a família possui hoje em face de seus integrantes e da própria sociedade, e o papel que os pais, como figuras principais, devem desenvolver em face dos filhos.

A única certeza que se tem sobre o ponto é que interessa à sociedade e ao Estado que haja o comprometimento positivo de pais e respectivos cônjuges e conviventes em relação à educação e formação do menor, independentemente dos laços de consangüinidade, o que poderia e deveria originar a previsão de deveres e direitos infraconstitucionais, inclusive no âmbito da responsabilidade civil, mediante a previsão da responsabilidade do padrasto e da madrasta pelos danos causados pelos enteados menores, ainda que baseada na teoria da culpa.

Pontes de Miranda258 parece defender a possibilidade de responsabilizar o padrasto/madrasta pelo dano causado pelo menor, desde que comprovada sua culpa, in verbis:

[...] a responsabilidade conforme o art. 1.521, I, independe da titularidade do pátrio poder. A mãe que não tem pátrio poder e exerce a guarda do filho (o que ocorre, por exemplo, nas espécies dos arts. 381, 325-329 do Código Civil) responde conforme o art. 1.521, I. Se a mãe tem o pátrio poder e a guarda, e vive em companhia, maritalmente, de alguém, o demandante tem o ônus de alegar e provar que tal convivência ocorre e houve culpa do companheiro. Se a mãe que casou com outrem tem a guarda, o padrasto tem o mesmo dever de

258 Tratado de direito privado: parte especial. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. Tomo LIII. p. 134-

vigilância, atendendo-se a que a culpa in vigilando se aprecia conforme a idade, aptidões, qualidades e grau de desenvolvimento do menor.

Ratificando essa assertiva, o autor em apreço, em outra passagem, torna a defender a responsabilidade do padrasto ou da madrasta:

O padrasto, se o enteado está em companhia, da mãe, e, pois, dele, ou a madrasta, se em sua companhia está o enteado, é responsável.259

Para o instituto da responsabilidade civil, a previsão dessa responsabilidade significaria um avanço positivo, pois permitiria obrigar uma gama maior de pessoas pelo pagamento da indenização fixada, aumentando, substancialmente, as chances de a vítima recebê-la, emprestando maior efetividade à função do próprio instituto, que é a reparação do dano sofrido pela vítima.

259 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte especial. Rio de Janeiro: Borsoi,

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CIRCUNSTÂNCIAS

QUE

PODEM

AFASTAR

A

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