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Responsabilidade subsidiária do menor

No documento MESTRADO EM DIREITO CIVIL SÃO PAULO 2009 (páginas 148-155)

7 Responsabilidade civil dos pais pelos danos causados por seus filhos

7.5 Responsabilidade dos pais: solidária ou principal?

7.5.1 Responsabilidade subsidiária do menor

Como dito anteriormente, o CC em vigor inovou no campo da responsabilidade civil ao admitir, sob certas condições, que a obrigação de indenizar seja satisfeita com o patrimônio do incapaz causador do dano.

Trata-se de inovação positiva que atende à função principal da responsabilidade civil, que é a reparação da vítima.

Esta, no entanto, não é a posição de Rui Stoco234, para quem tal previsão subverte todo o sistema jurídico e seus princípios:

Não importa que se tenha criado a responsabilidade subsidiária e mitigada dos incapazes ao incluir no parágrafo único do art. 928 a ressalva no sentido de que a indenização será eqüitativa e “não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependam”.

Importa, sim, o fato de que os princípios que norteiam a responsabilidade civil e o Direito, como um todo, foram desprezados ou feridos.

[...]

Responsabilizar os menores de dezesseis anos, os enfermos, os deficientes mentais, os que não têm discernimento, e os que não podem exprimir sua vontade, tal como enumera o art. 3º do

234 Responsabilidade civil no Código Civil francês e no Código Civil brasileiro. Estudos em

homenagem ao bicentenário do Código Civil francês. Disponível em:

<http://aplicaext.cjf.gov.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducacao/textos_fotos/bicentenario/textos /rui_stoco.doc>. Acesso em: 18 nov. 2008. p. 22 e 24.

Código Civil, é não só causar uma incoerência intrínseca, ou seja, estabelecer confronto entre esta regra do art. 3º com aquela do art. 928, que os responsabiliza, como, também, instituir a quebra da harmonia que um estatuto deve preservar. Mais ainda, esta última norma aparta-se do bom direito e da boa doutrina e revela a incoerência do legislador, que não poderia olvidar que a pessoa que não pode orientar-se, nem ter noção do que é conforme ou contrário ao Direito, nem determinar-se ou expressar validamente a sua vontade e querer, ipso facto, não pode ficar sujeita às sanções de qualquer natureza, seja com supedâneo na lei penal ou com suporte no Código Civil, máxime considerando que os arts. 928 e 932 do Estatuto Civil já haviam eleito, embora com falha gritante, um responsável principal pelos atos dos incapazes. Lamenta-se, pois, a posição assumida no novo Estatuto, não obstante recebida com aplausos por alguns.

Pela teoria clássica da culpa, os incapazes jamais poderiam ser responsabilizados pelos danos por eles provocados porque desprovidos do discernimento necessário para se estabelecer a culpa. Os danos por eles provocados equiparam-se aos danos causados por caso fortuito ou força maior, excludentes de responsabilidade.

Contrariando este posicionamento, Wilson Melo da Silva235, já em 1974, defendia a responsabilização dos incapazes pelos danos por eles produzidos, respaldado pelo princípio da eqüidade:

A nós mesmos, muitas vezes, nos perguntamos: que teria levado tantos D.D. em seus ensinamentos; tantos legisladores em algumas e suas disposições e tantos juízes e tribunais em seus decisórios [...] a consagrar o princípio da responsabilidade civil dos indivíduos privados de discernimento, notadamente dos loucos?

A eqüidade, sem dúvida, já que a consagração de uma tal responsabilidade sem culpa, em muitas das vezes, tem se verificado por parte de doutrinistas conservadores e legislações onde a pedra de toque da teoria da responsabilidade civil ainda é a culpa clássica, a da imputabilidade moral, com vistas ao livre-arbítrio, ao querer não viciado ou lacunoso.

[...]

Do que ora tratamos é, não da eqüidade como expediente técnico de exegese, mas da eqüidade em sentido amplo, da eqüidade aplainadora de dúvidas doutrinárias, da eqüidade traduzidora de anseios coletivos de melhor justiça, da eqüidade com capacidade para ditar as reformas substanciais

reclamadas pelas situações novas em face de leis herméticas, da eqüidade como princípio enformador.

Foi tal tipo de eqüidade que inspirou, sem dúvida, Orozimbo Nonato, no seu magnífico estudo, a respeito da responsabilidade civil dos insanos mentais, como inspirou também a respeito do mesmo assunto, em França, Roger, Pascaud [...].

E não era outra a opinião defendida por Pontes de Miranda236, para quem tal responsabilidade seria subsidiária e se basearia nos princípios de eqüidade, tal como estabelecido no art. 928 do CC02:

Às vezes, apresentam-se casos em que a incapacidade para responder por ato ilícito cria situações chocantes; e.g., o louco de muitos haveres quebra a vitrina do droguista pobre, ou o menor, absolutamente incapaz, rico, fere a alguém, que não tem recursos para o tratamento e o sustento, seu e da família, nos dias ou meses em que não trabalha.

[...]

A reparação ter-se-ia de fundar em razões de eqüidade. [...]

A responsabilidade é subsidiária. Se não há responsável pela vigilância, cabe a ação. Se há, mas os seus meios são insuficientes, responde o autor do dano.

[...]

Qualquer que seja a idade ou o estado mental se o ato proveio do incapaz, tem-se de considerar existente o direito à reparação se se compõe de suporte fáctico da regra jurídica não escrita. Tal regra jurídica pode ser expressa nos seguintes termos: Se o ato do incapaz não deu ensejo à responsabilidade de outrem, como o pai, a mãe, o tutor, curador, ou a empresa de hospital ou hospício, ou se tal responsável não tem meios para pagar a indenização, e o incapaz que a tivesse de prestar não ficaria sem meios para viver no mesmo nível do lesado antes do dano, é legitimado passivo na ação de ressarcimento pelo ato-fato ilícito.

Humberto Theodoro Júnior237 aduz que a responsabilização do incapaz, em plena observância ao princípio da solidariedade, adquire característica de responsabilidade objetiva, livrando-se da culpa como elemento essencial, para ensejar o dever de reparar:

236 Tratado de direito privado: parte especial. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. Tomo LIII. p. 167 e

173-174.

237 Dos atos ilícitos (art. 186). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao

novo Código Civil. Dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 3 v. Tomo II (arts. 185 a 232). p. 100.

A medida, porém, é de pura solidariedade social. Escapa do âmbito do ato ilícito civil stricto sensu, para agasalhar-se na roupagem da responsabilidade objetiva, como modalidade de simples fato ilícito, que prescinde de imputabilidade e culpabilidade.

Para Alvino Lima238, a responsabilidade do incapaz seria uma responsabilidade sem culpa:

Rebusque-se onde se quiser o fundamento da obrigação do demente na reparação dos danos que causar; seja na eqüidade, seja no dever de assistência, a verdade, porém, é que estamos, inelutavelmente, aplicando a teoria da responsabilidade sem culpa, quando criamos uma obrigação a cargo de quem jamais cometeu um erro de conduta. Toda a responsabilidade civil, para a teoria objetiva, se funda na idéia de reparação de um prejuízo sofrido pela vítima injustamente, estabelecendo o equilíbrio dos patrimônios, atendendo-se à segurança da vítima; ora, desde que se impõe ao alienado o ressarcimento do dano causado, a satisfação de um prejuízo que se reputa injusto, satisfazendo-se o equilíbrio dos patrimônios, cria-se uma obrigação civil, que outra coisa não é, na técnica jurídica, senão a responsabilidade civil extracontratual. Pouco importa que se condicione esta reparação, limitando-a e protegendo também os interesses do demente; trata-se de se defender outros postulados da justiça e da eqüidade, mas o princípio em si mesmo, obrigando a uma reparação maior ou menor, o que constitui uma simples questão aritmética ou de quantidade, não sofre delimitação, nem muda de natureza; trata-se sempre de obrigação de reparar um dano, sem culpa.

Na verdade, a “culpa” do menor integra esta modalidade de responsabilidade.

Conforme já mencionado (subitem 7.2.2 supra), a responsabilidade civil dos pais conjuga dois esquemas diferentes: aquele inerente à responsabilidade subjetiva e outro à objetiva.

É subjetiva em relação à análise da culpabilidade do menor quanto ao evento danoso. Mesmo sendo inimputável, a conduta do menor é analisada de forma objetiva. Se concluir que, se fosse uma pessoa capaz, sua conduta configuraria culpa, em qualquer de suas modalidades, então emerge o dever

de reparar, cuja obrigação, por fixação legal, é confiada aos pais sem analisar se o progenitor teve culpa, ou não, em relação ao evento danoso.

Frisa-se que o art. 928 do CC em vigor não responsabiliza o menor pelo evento danoso, mas sim pela obrigação de reparar.

Ou seja, o diploma civil não o elegeu como “responsável”, apenas como “devedor”, como observa Marcelo Abelha239:

Aspecto bastante interessante, que serve inclusive para demonstrar a autonomia do “débito” em relação à “responsabilidade patrimonial”, é o fato de que nem sempre os dois fenômenos (“débito” e “responsabilidade”) recaem sobre o mesmo sujeito, ainda que se trate de uma mesma obrigação. Isso quer dizer que, em regra, o devedor é ao mesmo tempo o sujeito que deve e o sujeito responsável; mais isso comporta exceções, pois o direito, aprimorando as relações de crédito, permite que a responsabilidade patrimonial seja suportada por um garantidor da prestação inadimplida.

Sob este prisma e como já dito anteriormente, a responsabilização do menor pela obrigação de indenizar atende ao princípio da dignidade da pessoa humana e aos princípios nele incluídos, da solidariedade, da igualdade, da liberdade e da integridade psicofísica. Trata-se de responsabilidade subsidiária e mitigada.

Em outras palavras, o legislador admitiu que o menor responda com seus próprios bens pela obrigação de indenizar se “as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes”240.

Portanto, os responsáveis pelo menor se mantêm como principais devedores do cumprimento da obrigação de reparar.

Além disto, o menor só responderá com seu patrimônio se não for atingido em sua subsistência.

239 Manual de execução civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 66. 240 Trecho do artigo 928 do Código Civil de 2002.

Ou seja, se o menor não tiver patrimônio, a vítima permanecerá sem reparação. Tendo patrimônio, a indenização será fixada de forma eqüitativa, visando manter e garantir plenas condições de subsistência ao menor.

Neste exato sentido opina Maria Helena Diniz241:

Primeiro responderá o representante do incapaz com seus bens, por ser seu responsável, e o lesante, apesar de incapaz, apenas subsidiariamente perante terceiro, para garantir, em certa medida, a reparação do dano causado.

Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes242 compartilham do mesmo entendimento:

Por força do dispositivo em análise, o patrimônio do incapaz responde subsidiariamente pelo dever de reparar, ampliando consideravelmente a possibilidade de reparação das vítimas dos danos por eles causados. Ou seja, de ordinário, só quando o patrimônio do responsável é insuficiente para arcar com a indenização, executam-se os bens do próprio incapaz.

Igualmente sustenta José Fernando Simão243:

Deve-se frisar que, com o advento do novo Código, todo o sistema muda de uma situação de total irresponsabilidade do incapaz para a possibilidade de responsabilização subsidiária e mitigada. Essa é a tônica do novo sistema. Primeiro arcam os responsáveis (como já ocorre na Alemanha, Portugal e Itália) e, somente em casos excepcionais, o próprio incapaz.

Sobre a mitigação da indenização suportada pelo incapaz, que pode ser reduzida eqüitativamente pelo magistrado, reporta-se ao quanto exposto no item 5.2 supra, que tratou do princípio da reparação integral do dano e suas exceções, dentre elas, a fixação por eqüidade nos casos em que o menor responder com seu patrimônio pelo dano causado.

241 Código Civil anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 717.

242 Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,

2004-2006. 2 v. p. 820.

243 Responsabilidade civil pelos atos de terceiros e pelo fato de coisas. Responsabilidade civil.

Em relação à redução eqüitativa da indenização na hipótese em comento, acrescenta-se que a eqüidade na fixação do dano só se justificará se o incapaz não tiver bens suficientes para reparar integralmente o dano causado. Neste caso, autorizada estará a redução do quantum, de forma eqüitativa, tal como já observado anteriormente, no item 5.2.

8 RESPONSABILIDADE DO CONVIVENTE/CÔNJUGE PELOS

No documento MESTRADO EM DIREITO CIVIL SÃO PAULO 2009 (páginas 148-155)