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7 Responsabilidade civil dos pais pelos danos causados por seus filhos

7.1 Fundamento da responsabilidade civil dos pais

7.1.4 Poder familiar

Há doutrinadores que defendem que a responsabilidade dos pais pelos danos causados pelos filhos menores tem por fundamento o poder familiar (no texto do codex contido na expressão “autoridade”) que os primeiros detêm em relação aos segundos, que lhes impõe o poder-dever de proteger, educar e vigiar.

Nas palavras de José de Aguiar Dias135:

Essa espécie de responsabilidade, portanto, se relaciona intimamente com o exercício do pátrio poder, e deve ser julgada em função desse dever, que impõe ao seu titular obrigações de conteúdo especial, notadamente no tocante à vigilância.

De referido posicionamento não destoa Sílvio de Salvo Venosa136:

Segundo os dispositivos transcritos, os pais são responsáveis pela reparação civil decorrente de atos ilícitos praticados pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia. O presente Código menciona os filhos que estiverem sob a “autoridade” dos pais, o que não muda o sentido da dicção legal anterior, dando-lhe melhor compreensão. Não se trata de aquilatar se os filhos estavam sob a guarda ou poder material direto dos pais, mas sob sua autoridade, o que nem sempre implica proximidade física. Essa

135 Da responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. 2 v. p. 524-525. 136 Direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 4 v. p. 71.

responsabilidade tem como base o exercício do poder familiar que impõe aos pais um feixe enorme de deveres.

Tão pouco Claudia Stein Vieira137:

Cumpre mencionar que a responsabilidade civil dos pais em relação aos filhos e pelos atos por eles praticados é, verdadeiramente, uma faceta do pátrio poder ou poder familiar como agora nominado no Código Civil recentemente promulgado e cuja vigência se inicia em janeiro de 2003.

E ainda Miguel Maria de Serpa Lopes138, ao afirmar que a responsabilidade dos pais “decorre de um múnus público, ex vi das funções por eles exercidas”.

A respeito do assunto, Gelson Amaro de Souza139 defende que não é o

poder familiar a “fonte de responsabilidade civil, mas a ação ou omissão em relação aos deveres a ele inerentes [...].”

Não nos parece que o poder familiar se apresente como fundamento da responsabilidade dos pais, ou seja, como causa, motivo desta responsabilidade, mas sim como conseqüência do dever dos pais de suportar os ônus decorrentes dos encargos de criar seus filhos e os tornar aptos a viver harmoniosamente em sociedade.

Explica-se.

Na antigüidade, o poder familiar, então designado de pater potestas, era despótico, hierarquizado e desigual.

137 A relação jurídico-afetiva entre pais e filhos e os reflexos na responsabilização civil. In:

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (Coord.). Direito e responsabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 35-49. p. 38.

138 Curso de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996. 5 v. p. 241.

139 Responsabilidade dos pais pelos danos causados pelos filhos. Revista do Instituto de

Pertencia, com exclusivamente, ao paterfamilias, ascendente comum vivo e mais velho de um grupo de pessoas que abrangia seus irmãos, cunhados e sobrinhos, sua esposa, todos os seus descendentes e noras.

A pater potestas conferia ao paterfamilias o poder de vida e de morte sobre seus filhos, autorizando-lhe, ainda, a dá-los ou vendê-los, Também lhe impunha deveres, cujo cumprimento não era exigido, muito menos controlado.

Ainda na antigüidade este poder sofreu limitações, justamente para coibir as arbitrariedades que eram – ou podiam ser – cometidas pelo paterfamilias, que, antes de agir em nome e no interesse do grupo familiar que liderava, agia em seu próprio e exclusivo interesse.

Assim, em relação aos filhos, deixou de ter o poder de vida e de morte e teve limitado o direito de deserdá-los. Por sua vez, no período do Império, os filhos (estrito senso) conquistaram o direito de administrar os seus próprios proventos, oriundos dos serviços prestados e das doações feitas tanto pelo pai quanto por terceiros, o que lhes garantiu independência financeira em face de seu próprio núcleo familiar e, mais especificamente, em face do paterfamilias.

Sobre o tema, esclarece José Cretella Júnior140:

A “patria potestas”, poder quase absoluto do paterfamilias sobre os que dele dependem, atenua-se com o tempo. A princípio o pater tem sobre os filhos poder tão grande como o que tem sobre os escravos, podendo rejeitar os recém- nascidos e abandoná-los, exceto matá-los (o pater não pode matar os filhos pela Lei das XII Tábuas). Tem sobre os filhos o direito de vida e morte (jus vitae necisque), mas a medida extrema depende da consulta dos membros da família mais próximos (concilium propinquorum). Pode vendê-los como escravos para além do Tibre (trans Tiberim), exercer a manus sobre a nora, casar os filhos com quem achar conveniente, exercer a patria potestas sobre os netos, obrigar os filhos ao divórcio, dá-los in cancipio (no máximo duas vezes, porque, depois de três mancipações sucessivas, ficavam “sui juris” desde a Lei das XII Tábuas).

140 Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. 26. ed. Rio de Janeiro:

O paterfamilias dispõe do patrimônio da família como coisa sua, enquanto vivo, deixando-o por testamento a quem quiser, mesmo em prejuízo dos herdeiros.

Posteriormente, com as mudanças ocorridas nas relações interfamiliares, este poder absoluto transformou-se em um conjunto de deveres exercidos por ambos os pais no interesse e benefício dos filhos, para garantir o desenvolvimento físico, emocional, psicológico e intelectual destes, tal como registra Maria Berenice Dias141:

A expressão “poder familiar” é nova. Corresponde ao que antes era chamado de pátrio poder, termo que remonta ao direito romano: direito absoluto e ilimitado conferido ao chefe da organização familiar sobre a pessoa dos filhos.

[...]

As vicissitudes por que passou a família repercutiram no seu conteúdo.

Quanto maiores foram a desigualdade, a hierarquização e a supressão de direitos entre os membros da família, tanto maior foi o pátrio poder e o poder marital. A emancipação da mulher e o tratamento isonômico dos filhos é que restringiram o poder patriarcal.

Paulo Luiz Netto Lôbo142 compartilha a mesma opinião:

A evolução gradativa deu-se no sentido da transformação de um poder sobre os outros em autoridade natural com relação aos filhos como pessoas dotadas de dignidade, no melhor interesse deles e da convivência familiar. Essa é sua atual natureza.

Assim, o poder familiar, sendo menos poder e mais dever, converteu-se em múnus, concebido como encargo legalmente atribuído a alguém, em virtude de certas circunstâncias, a que se não pode fugir. O poder familiar dos pais é ônus que a sociedade organizada a eles atribui, em virtude da circunstância da parentalidade, no interesse dos filhos. O exercício do múnus não é livre, mas necessário no interesse de outrem.

Ratificando o quanto exposto, Caio Mário da Silva Pereira ressalva que a CF88, em seu art. 229, dispôs “o dever genérico imposto aos pais de assistir, criar e educar os filhos menores, e em contrapartida o dever dos filhos de

141 Manual de direito das famílias. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 379. 142 Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito

ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade”143. Dessa forma, de acordo com a letra do art. 229, “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”

Das opiniões expostas não diverge Maria Helena Diniz144, como se

infere da definição por ela dada ao poder familiar:

O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.

Para viabilizar aos pais que cumpram estes deveres, o Estado lhes conferiu o poder familiar, que pode ser assim conceituado:

Segundo o art. 371-1 do Código Civil francês, com a redação da lei de 4 de março de 2002, o poder familiar é um “conjunto de direitos e deveres tendo por finalidade o interesse da criança” (inclui o adolescente), para proteção de sua segurança, saúde, moralidade, para assegurar sua educação e permitir seu desenvolvimento, em respeito a sua pessoa; os pais devem associar o filho nas decisões que lhe digam respeito. Essa norma parece-nos melhor identificar o conceito atual do instituto.145

Nesta toada, o poder familiar se apresenta como um expoente, uma conseqüência dos deveres gerais atribuídos aos pais, por imposição do Estado e no interesse social, em decorrência da parentalidade que os une. Nas palavras de Paulo Luiz Netto Lôbo146:

O poder familiar é compreendido como uma conseqüência da parentalidade e não como efeito particular de determinado tipo de filiação. Os pais são os defensores legais e os protetores

143 Instituições de direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 5 v. p. 425. 144 Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 5. v. p. 447.

145 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da

Cunha (Coord.). Direito de família e o novo Código Civil. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 149.

146 Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito

naturais dos filhos, os titulares e depositários dessa específica autoridade, delegada pela sociedade e pelo Estado.

Maria Berenice Dias147 posiciona-se de igual forma:

De objeto de direito, o filho passou a sujeito de direito. Essa inversão ensejou a modificação do conteúdo do poder familiar, que, dispondo de uma feição mais de dever do que de poder, é, na verdade, um múnus público, em face do interesse social que envolve. Não se trata do exercício de uma autoridade, mas de um encargo imposto por lei aos pais.

Acrescenta-se ao quanto exposto o fato de o CC02 ter desvinculado a responsabilidade dos pais da idéia de violação de qualquer dos deveres inerentes ao poder familiar como causa de tal responsabilidade, na medida em que os responsabiliza independentemente de culpa.

Por mais esta razão, afirma-se que o poder familiar não é o fundamento desta modalidade de responsabilidade.

No documento MESTRADO EM DIREITO CIVIL SÃO PAULO 2009 (páginas 89-94)