• Nenhum resultado encontrado

PARTE III: O PROCESSO

3. O PROCESSO CRIATIVO CRIATIVO DO ESPETÁCULO

3.1. MATÉRIA-PRIMA PARA O TEATRO

3.1.1. Afinal, o que é um processo criativo?

Por processos criativos, normalmente, são entendidos os períodos de prática e procedimentos de construção que antecedem uma obra artística. Esses períodos podem ser norteados por inúmeros fatores, estímulos e não possuem duração nem extensão definidas. No teatro, iniciam-se quando um artista solitário, ou um grupo, define um objetivo artístico comum e são finalizados quando postos em cena. É durante este processo de criação que os artistas podem expor suas dúvidas e refletir sobre quais inquietações os movem. Podem perguntar-se: “para que e para quem estamos realizando esta obra?” Pensadores contemporâneos acreditam que o processo é contínuo e que este não é finalizado na estreia do espetáculo. A cada experiência com um novo público e novas apresentações, ele se modifica, agregando valores, seja a partir da recepção do público, resenhas públicas, críticas ou até inspirações no decorrer das apresentações de membros da mesma equipe.

146

Utilizo, para a conclusão desta análise, as nomenclaturas cunhadas por David Riesman já abordadas no capítulo anterior desta dissertação.

As ações ou acontecimentos encenados são processos quando se mostra seu caráter dialético, o perpétuo movimento e a dependência de fatos anteriores ou exteriores. Processo opõe-se a estado ou a situação fixada [...] (PAVIS, 2005, p.306).

Os processos criativos são comumente realizados no teatro como parte de treinamentos e ensaios ou pesquisa coletiva, que busquem soluções ou suscitem questões que necessitem serem postas em cena. Existem diversos tipos de processos criativos no âmbito teatral. No entanto, os procedimentos mais utilizados são: o processo do encenador e o processo colaborativo. O primeiro é marcado por uma escritura teatral autônoma, onde apenas um artista detém a concepção, direção e roteiro do espetáculo. No segundo, a operação altera um pouco de sentido. Por ser este último o tipo de processo desenvolvido pela Cia. Stravaganza, detenho-me a ele mais extensamente.

Segundo o professor e dramaturgo Luís Alberto de Abreu, o processo colaborativo caracteriza-se por “[...] um processo de criação que busca a horizontalidade nas relações entre os criadores do espetáculo teatral [...]” (ABREU, 2002, p.1), desestabilizando-se assim as hierarquias entre os diversos profissionais envolvidos e tornando mais difícil a delimitação de fronteiras, e consequentemente, a identificação entre quais elementos foram criados por quais artistas. Os afazeres que demandam a produção do espetáculo não mais se limitam a determinados papéis designados de acordo com suas funções. Todos os artistas, independentemente de seu ofício – atores, diretores, cenógrafos, dramaturgos - opinam sobre as diversas instâncias da criação cênica.

Para Abreu, este processo fortaleceu-se no decorrer de sua prática, a partir das necessidades e potencialidades que surgiam com o próprio fazer teatral, a fim de suprir demandas levantadas durante o seu desenvolvimento. Não há um método ou um conjunto de regras preestabelecidas, mas existem norteadores que possibilitam que esta prática conquiste alguns resultados positivos.

O processo colaborativo provém diretamente da criação coletiva, sistema de criação artístico muito difundido e utilizado pelos grupos de teatro na década de setenta, onde também havia a forte marca da participação coletiva e horizontalidade nas decisões de montagens do

espetáculo. Por ser extremamente experimental, percebem-se alguns problemas em seu desenvolvimento, principalmente decorrentes de sua excessiva informalidade: falta de planejamento, controle de prazos, objetivos e organização de todos os materiais que resultavam desta prática. “Era, ainda, uma abordagem da criação totalmente empírica que se resumia, muitas vezes, em experimentação sobre experimentação.” (ibidem. p.1). Comumente, nesta época, encontravam-se processos como estes, que talvez nunca conseguissem sair das salas de ensaio para chegar aos olhos do público ou processos onde o diretor tomava as rédeas da situação e amarrava todos estes elementos, criados na sala de ensaio, selecionando alguns e descartando outros, para que se criasse uma unidade ao futuro espetáculo.

Foi a partir de meados dos anos noventa que, segundo Abreu, iniciou-se um aprofundamento dos ditos processos colaborativos, com os trabalhos desenvolvidos por Antônio Araújo147 e seu Teatro da Vertigem148 e pela Escola Livre de Teatro de Santo André149. Neste aprofundamento, houve a necessidade de lançar um novo olhar sobre a maneira com que se encarava a arte teatral. No processo colaborativo, não há lugar para subjetividades individuais acentuadas. “Tudo é jogado numa arena comum e examinado, confrontado e debatido até o estabelecimento de um „acordo‟ entre os criadores.” (ibidem. p. 4). Como frisa o próprio autor, isto não significa que podemos resumir esta resolução a uma discussão que chega a um senso comum e sim, a um tenso debate, onde cada um dos participantes expõe seus pontos de vista

147

Professor de Direção Teatral na ECA/USP (Universidade de São Paulo) e diretor do Teatro da Vertigem.

148

Grupo de teatro que inicia sua trajetória em São Paulo, no início da década de 1990 e tem em seu percurso algumas características marcantes na elaboração de seus espetáculos, tais como: utilização de espaços teatrais não convencionais, dramaturgia construída sobre o depoimento de seus integrantes e forte eixo investigativo e questionador. Dentre seus trabalhos figuram: A Trilogia Bíblica (O Paraíso perdido, Livro de Jó e Apocalipse 1,11) finalizada em 2002 e BR-3, de 2006.

149

Escola criada em 1990 e sediada em Santo André/SP, que tinha como objetivo principal aliar dois conceitos de difícil conjunção: a escola (como prática de ensino) e o teatro (como prática da arte). Mantém suas atividades ainda hoje, mesmo com o declínio do apoio governamental na manutenção de suas instalações.

e o próprio processo é alvo de críticas constantes em seu desenvolvimento.

Não podemos deixar de lembrar que os primeiros espetáculos da Cia. Stravaganza, descritos na Primeira Jornada, já exerciam estes processos de cunho colaborativo, onde a discussão e o posicionamento do discurso defendido por cada um de seus integrantes era levado em conta. Esta tensão entre direção e atores, se bem conduzida, pode vir a tornar-se potência criativa e, deste friccionamento, surgem propostas inovadoras que poderão ser utilizadas ou não no espetáculo que chegará aos olhos do público. Detenho-me, a partir de agora, a estes dois universos distintos e ao mesmo tempo indissolúveis: a visão dos atores e a visão da direção, frente ao processo, que ambos puderam experienciar.