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PARTE II: ESTREMEÇO

2. ESTREMEÇO POR STRAVAGANZA

2.3 O TEXTO ESPETACULAR (OU) A ENCENAÇÃO (2012)

2.3.1. Sobreposição de camadas de significação

Além dos fragmentos de depoimentos dos principais envolvidos, utilizarei imagens do espetáculo, captadas por dois diferentes fotógrafos, para reforçar a visualização dos pontos que são levantados. A diretora Camila Bauer, em uma de suas afirmações, deixa clara a sua objetividade em transpor este texto para a linguagem cênica, quando afirma:

CAMILA: Porque o texto, Estremeço, você pode ler em casa. E é lindo e é fácil. Porque são fragmentos e nós vamos lendo como fragmentos. Mas, quando você coloca em cena, entre um fragmento e outro, que no papel tem um espaço vazio e só, como é que você faz este espaço vazio na cena? [Como se faz] para manter este caráter de espaço vazio, para a gente não criar relações, onde não precisa ter relações? [E] deixar que as pessoas criem as suas próprias relações?120

A sua intenção torna-se visível em cena. Os espaços em branco no texto, entre os fragmentos, são evidentes no desenvolvimento da

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encenação. Para Bauer, estes espaços em branco significavam a falta de relações entre os personagens. Esta supressão “de algo” não seria propositalmente preenchida, reforçando a falta de interação entre um fragmento e outro, ou melhor, entre os acontecimentos que permeavam o primeiro fragmento do segundo e assim sucessivamente. Caberia, mais uma vez, ao público dar conta do recado e buscar as significações pertinentes a cada caso.

O que se vê em substituição a estes espaços em branco existentes na escritura textual, ou seja, nas transições de cena, é a utilização de recursos que potencializam o isolamento da figura. São utilizados recursos de luz, como o blecaute (escuridão total) e corredores de luz, indicando caminhos, projeções de vídeos e até alguns truques de ilusionismo. As marcações também são determinantes para a criação destas lacunas. As entradas e saídas de cena foram elaboradas para que o público seguisse determinado personagem até um ponto e para que outra figura, do lado oposto ao palco, faça inesperadamente a sua entrada. Sem que um perceba o outro, ou seja, sem que um crie relação com o outro. A dramaturgia de Pommerat, literalmente, sobe ao palco.

Mesmo com algumas modificações, as rubricas que constam no texto original, de certa forma, foram obedecidas. Onde há indicação de música no texto, há música na encenação.121 Mas não as mesmas sugeridas pelo dramaturgo. A sonoplastia do espetáculo foi idealizada especialmente para esta montagem pelo músico Nico Nikolaiewsky, com base em sua pesquisa musical, mas com inspirações no texto de Pommerat:

CAMILA: Tudo da composição do espetáculo mesmo, que o Nico fez. O Jöel Pommerat coloca algumas indicações de músicas conhecidas, que ele utilizaria nesta cena, por exemplo: Sex bomb. E a gente usa: Quero não, posso não122. A gente puxa pra uma coisa mais brasileira. Não tão brasileira, mas a coisa do Nico mesmo, do

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Há a inserção de um número musical na encenação, entre os fragmentos 04 e 05, que não consta na escritura textual de Pommerat.

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Letras retiradas do próprio texto de Pommerat e musicadas por Nicolaiewsky.

acordeom e do piano, que ele tem nas músicas dele. Então vai permeando.123

Toda a encenação é pontuada por esta trilha que auxilia na construção e desconstrução do clima onírico do espetáculo. Em muitos momentos, o piano e o acordeom marcam a movimentação dos atores no espaço e dão o tom aos acontecimentos representados. Em outros, a música torna-se autônoma e parece conduzir a ação dos personagens. Ruídos, variedades de timbres, diversidade de sons podem significar diferentes elementos dependendo do contexto em que estão inseridos. Este recurso é apontado por Hans-Thies Lehmann, em seu livro Teatro pós-dramático (2007), como musicalização e tem se alastrado de forma cada vez mais abrangente nas encenações dos espetáculos teatrais contemporâneos, a ponto de desenvolver uma semiótica auditiva própria.

Segundo Richard Demarcy, em seu artigo “A leitura transversal”, pode-se definir o teatro como um universo de signos. “O teatro é uma arte do código, da convenção, mais do que todas as outras, arte que depende de uma codificação muito forte (mesmo quando procura escapar dessa decodificação em proveito de uma mimese: caso do naturalismo)” (DEMARCY, 2006, p. 25 e 26). No teatro, diferentemente de outras artes como o cinema, por exemplo, há uma tentativa de modificação nos hábitos do espectador.

Lehmann propõe a adoção de critérios que busquem uma orientação do olhar para o crítico especializado e do próprio espectador para o devido reconhecimento dos signos teatrais. Estes signos devem abranger inúmeras dimensões de significação: “não apenas a dos signos que comportam uma informação compreensível, portanto a de significantes que denotam ou um significado identificável ou o conotam de modo inequívoco, mas virtualmente de todos os elementos do teatro” (2007, p.137).

Estas características, as quais Lehmann menciona, devem ser utilizadas para a análise de espetáculos ditos pós-dramáticos. Pode-se afirmar que, a partir de uma das perspectivas de análise, o espetáculo Estremeço pode ser encaixado nesta categoria. O termo pós-dramático “designa um teatro que se vê impelido a operar para além do drama, em

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um tempo após a configuração do paradigma drama no teatro” (LEHMANN, 2007, p. 33). O drama ainda está ali, como um dos componentes da encenação, mas existem outros recursos cênicos que podem se sobressair em determinados momentos. A aposta neste tipo de espetáculo é arriscada, pois deixa de lado inúmeras convenções comumente utilizadas na arte teatral e, mesmo os textos, não suprem as expectativas do efeito alcançado pela dramaturgia convencional. Os textos, assim, são obscuros em relação à sua significação aparente.

Podemos destacar algumas características ou traços estilísticos que são implícitas destas encenações. A primeira delas, já esboçada nos parágrafos acima, é nomeada como parataxe. Este princípio busca uma des-hierarquização dos recursos teatrais. O texto, a luz, a sonoplastia, as projeções, os corpos dos atores, quaisquer um destes elementos podem agir juntos ou isoladamente. E, caso sejam utilizados juntos, podem compor uma nova significação. Este primeiro princípio vem a ser um efeito contrário à tradição “[...] que para evitar a confusão e produzir a harmonia e a compreensibilidade privilegiava um modo de concatenação por hipotaxe, normatizando a sobreposição e a subordinação dos elementos” (LEHAMNN, 2007, p.143).

Lehmann destaca ainda outros princípios de análise, como a simultaneidade, quando inúmeras ações acontecem em cena ao mesmo tempo e o jogo de densidade de signos, quando há a utilização exacerbada de determinados recursos em detrimento de outros.

Tomemos alguns elementos da encenação analisada neste trabalho. O palco está praticamente vazio. Há apenas uma cortina azul ao fundo124, com algumas proeminências que dão volumes em determinadas partes e uma escada à sua frente. Conforme figura abaixo:

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Uma das curiosidades da cenografia é que a cortina é formada por inúmeras tiras de veludo duplas e costuradas formando longos sacos. Dentro destes “sacos”, são inseridas bexigas desordenadamente dando um aspecto volumoso a esta cortina.

Um ambiente que me remeteu diretamente a um clima onírico retirado de um dos filmes do cineasta norte-americano David Lynch. Adriane Mottola cita uma das influências reais do dramaturgo, já citadas por ele mesmo em entrevistas:

ADRIANE: Esta peça é meio em cima do David Lynch – [...] daquele [filme]... Cidade dos sonhos [2001]. É muito em cima daquilo que tem um apresentador [...] que tem figuras estranhas, que tem o anão, daqui a pouco, uma não sei o que, um apresentador de circo... Mas, eu também vejo um pouco como Fellini. [Por] que eu sou de outra época, e, o Fellini tem estas coisas loucas, personagens muito gordos...125

125

Cf. a nota 30.

Estas figuras estranhas estão presentes na encenação, tanto nas imagens projetadas, quanto fisicamente no palco. Membros de manequins que aparecem nas frestas das cortinas, corpos sem cabeça que dançam entubados em sacos, homens com asas negras ou máscaras de personagens famosos, mulheres grávidas com barrigas enormes e bonecas humanas destroçadas por uma serra circular, entre outros. Uma dessas figuras é caracterizada no palco pela atriz Janaína Pelizzon e pode ser conferida na figura abaixo:

Na abertura do espetáculo, já podemos perceber uma grande mudança proposta pela direção em relação ao texto. Após o discurso inicial, no qual o apresentador antecipa seu final, afirmando que morrerá aos olhos de todos, há um disparo. E, neste disparo, quatro

Figura 2 - Uma das figuras estranhas presentes na encenação. Foto: Adriana Marchiori.

figuras caem no chão. Este recurso delineia uma das propostas da direção que será levada até o final. O personagem do apresentador será fragmentado e encenado por quatro atores distintos. Todos vestidos elegantemente, e um deles, mais jovem, utilizando um traje de gala juvenil, com bermudas, representando-o quando menino.

Sobre esta escolha para o espetáculo, Adriane Mottola pontua:

ADRIANE: Ela [Camila Bauer] tinha um elenco de mais atores do que precisava. Porque a gente iria fazer os dois atos e acabou fazendo um. [...] Ela teve que colocar todos os atores da companhia ali. Claro que era mais interessante se tivesse só

Figura 3 - Percebe-se a diferença de figurino dos quatro atores que representarão o

um apresentador... Iria ser um espetáculo mais compreensível, mas se é um grupo...126

Pela observação de Mottola, podemos perceber que a resolução do grupo em encenar apenas a primeira parte do texto, diferentemente do que haviam acordado, contribuiu para a tomada de uma das decisões que poderiam embaralhar ainda mais o raciocínio do público. A direção teve que se adaptar ao número de atores que tinha e decidiu manter os quatro atores distintos para encenar o mesmo personagem. Este trabalho do grupo em equipe pode também ter norteado a escolha pela substituição da performance solitária do apresentador, indicada na dramaturgia no final do primeiro fragmento, pelo evento coletivo que se instaurou em cena. Na visão da Companhia, todo o elenco participa da cena de abertura da noite, entoando uma das canções musicadas por Nicolaievisky, a partir da estrutura textual de Pommerat.

A inserção constante de outros atores em cena vai acompanhar o desenvolvimento do espetáculo até o final. Outra alteração que pontuo é a divisão do texto proferido pela mulher elegantemente vestida, presente no fragmento 2. No texto de Pommerat, a indicação é que o texto seja dito apenas por uma atriz. Ao contrário do que acontece no palco, a mulher do futuro127 inicia seu manifesto e depois se cala, para que uma boneca com uma voz metalizada entre em cena e dê parte de seu recado. A boneca representada por uma atriz e que aparece no fundo do palco move-se como se estivesse dentro de uma caixinha de música, girando em torno do próprio eixo.

Sobre esta escolha, Camila Bauer afirma:

CAMILA: Por exemplo, a Jana como uma boneca que fala com a voz de robô e parece que dá um recado para as pessoas. O que vocês estão fazendo? Coçando a cabeça? E é uma boneca que traz algo da infância e da memória, mas, ao mesmo tempo, ela traz esta voz robotizada, uma coisa bem mecânica. Na vida, o que vocês estão

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Ibidem.

127

O personagem da mulher elegantemente vestida ficou conhecido pelos integrantes da Companhia como mulher do futuro, pelo conteúdo do discurso que proferia em cena.

fazendo? E ela vem do além, meio fora do contexto. Para mim tem um pouco este caráter. Não sei como soa pras pessoas. Pra cada um, vai bater diferente.128

Todos os elementos colocados em cena possuem um significado. Podem ser significados bem abrangentes e surtir inúmeros efeitos em cada um dos espectadores. Através de todas estas características, da performance da atriz como um todo, identificando a movimentação, os

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Cf. a nota 108.

gestos e a forma de falar é que conseguimos perceber que a atriz Janaína Pelizzon mimetiza uma boneca rodando numa caixinha de música. Além disso, podemos também perceber que a crítica deste construto idealizado pelo homem pode servir como metáfora para reforçar no que este homem contemporâneo está se tornando: uma máquina de repetições que realiza ações sem pensar.

No terceiro fragmento, há a primeira alteração do ator que representa o apresentador. A partir de uma movimentação em dupla, mesclando algumas movimentações características do tango, o ator que iniciou o papel de apresentador deixa a cena para a entrada do subsequente. A presença dos corpos dos atores torna-se determinante, abrindo um leque de possibilidades de significações, mostrando uma das modalidades do teatro dito pós-dramático. Neste momento, há uma “persistente conjuntura de um teatro dançado, baseado no ritmo, na música e na corporeidade erótica, mas marcado pela semântica do teatro falado [...]” (LEHMANN, 2007, p.159). Mesmo com todas estas intervenções espaciais contidas na encenação, não podemos esquecer que Estremeço é uma peça de monólogos e que, pela visão da direção, a palavra proferida pelos atores tem um caráter imprescindível para o desenvolvimento da reflexão da plateia. Essa corporeidade é reforçada pela entrada da figura da mulher que está muito mal. Que entra em cena cambaleante. A sua fisicalidade é debilitada, tanto por seus trajes e aparência como por sua maneira de se locomover e falar. Esta caracterização e seu estado debilitado podem ser conferidos na Figura 5.

A corporeidade da atriz, por si só, já nos daria a sensação degradante de seu estado, mas as palavras por ela ditas evidenciam ainda mais esta condição, extrapolando a sensatez e atingindo uma superabundância. Esta superabundância, também é indicada por Lehmann. O autor aponta para este recurso como uma quantidade exacerbada de elementos em cena, como objetos e móveis. No entanto, amplio esta concepção para a quantidade de recursos utilizados na figura da mulher que está muito mal, “[...] cuja inquietante abundância comunica um sentimento de caos, insuficiência, desorientação, luto e horror vacui [horror ao vazio]” (LEHMANN, 2007, p.150). Esta é uma das figuras que permeará a encenação até o seu desfecho. A mulher que está muito mal voltará à cena num momento mais íntimo e familiar,

descrito no capítulo anterior. A intensidade com que a cena nos é apresentada segue sendo desenvolvida no fragmento posterior, que traz a mulher de camiseta rememorando a história de sua mãe, trabalhadora fabril, também já citada no capítulo anterior.

Figura 5 - A figura debilitada da mulher que está muito mal. Foto: Adriana Machiori.

A sequência de solilóquios apresentados em cena nos leva a pensar sobre uma forte influência épica, tanto no texto quanto na encenação. Podemos iniciar algumas reflexões acerca do teatro épico, idealizado por Bertolt Brecht, a partir das palavras de Walter Benjamin.129

O filósofo inicia seu estudo com um questionamento sobre o teatro atual. Um teatro que separa os atores do público e cria um jogo de ilusões, com o qual os espectadores não sabem lidar. Brecht propõe então uma subversão deste fazer teatral. “O palco ainda ocupa na sala uma posição elevada, mas não é mais uma elevação a partir de profundidades insondáveis: ele transformou-se em tribuna” (BENJAMIN, 1994, p. 78). Esta tribuna deve escancarar as inquietudes dos autores na voz dos personagens a serviço de uma modificação social. Há uma real tentativa de fazer com que o público reflita sobre os discursos proferidos e não apenas os engula como dogmas. O aparelho teatral da sala italiana, idealizado para o deleite da classe burguesa, e o consequente engessamento do espectador devem acentuar as dicotomias entre texto e representação, diretores e atores, peça e público. As relações se modificam. O texto não funciona apenas como um fundamento, mas como um roteiro a ser desenvolvido, e a representação, não apenas uma interpretação ilusionista. A relação dos atores com a direção torna-se mais abrangente, abarcando também as posições individuais em relação aos assuntos tratados em cena. Assim, a peça adere um status de sala de exposição para um público politizado, que deixa de ser apenas “um agregado de cobaias hipnotizadas” (ibidem, p. 79).

Benjamin reforça também a característica gestual do teatro épico. “O gesto é seu material, e a aplicação adequada desse material é a sua tarefa” (ibidem, p.80). Um gesto que é constantemente interrompido. Interrompido para que os espectadores possam refletir e até invocar questionamentos contraditórios. Brecht queria excluir a quarta parede e aproximar cada vez mais o discurso proferido no palco ao discurso do espectador.

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Que é o teatro épico? Um estudo sobre Brecht. In: BENJAMIN, Walter.

Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora

Diz-se claramente que se organiza uma representação teatral, que são mostrados acontecimentos destinados a fazer pensar.130 [...] Ele quer manter em estado de alerta o senso crítico do espectador. Estando a vida a teatralizar- se tragicamente, Brecht desteatraliza o teatro (ASLAN, 2005, p. 161).

Todas estas características conferem ao teatro épico o efeito do distanciamento131. Este distanciamento não deve ser confundido com um não-envolvimento, mas como um período para analisar o objeto em questão, levando em conta as inúmeras características que podem influenciá-lo. “O efeito do distanciamento transforma a atitude aprovadora do espectador, baseada na identificação, numa atitude crítica” (PAVIS, 2005, p. 106).

Ao retornar às duas cenas que suscitaram esta reflexão, o depoimento da mulher que está muito mal e da mulher de camiseta, encontro algumas reminiscências deste efeito de distanciamento. Posso destacar algumas delas: a maneira como são narrados os fatos e sua ironia ao criticá-los; a utilização do microfone para potencializar o discurso proferido e a posterior brincadeira de mostrar que a voz das atrizes é tão audível quanto, ou até mesmo superior, ao abster-se do uso do recurso amplificador; e principalmente a utilização da movimentação como gestus132. “Para além do sentido da frase, o ator desvenda um gestus fundamental, preciso, que não pode „dispensar completamente o sentido das frases, mas que só o utiliza como meio.” (ASLAN, 2005, p. 169).

Outro aspecto que aproxima a concepção da encenação da Cia. Stravaganza à estética brechtiana são as canções que funcionam como uma intromissão no desenvolvimento da trama, a fim de se constituir numa quebra da ilusão, como no exemplo da foto abaixo:

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Acentua-se o contexto de uma Alemanha pré-nazista, na qual Hitler utilizava o “teatro” para hipnotizar as multidões.

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Efeito V (Verfremdungseffekt)

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É noção primordial no jogo brechtiano. [...] Exige que o ator selecione gestos capazes de exprimir uma atitude global, uma característica social. O gestus é a tomada de posição em relação aos outros. (ASLAN, 2005, p.169).

O comediante133 passa da prosa ao verso, do falado ao cantado. Há numerosas canções nas peças de Brecht, sem que jamais ocorra uma efusão lírica” (ASLAN, 2005, p.169). Um destes exemplos é a inserção musical na figura de uma atriz que entoa uma música, enquanto é levada a atravessar o palco em cima da escada.

Além das músicas cantadas, há a inserção de momentos em que é percebido um cantarolar, ao mesmo tempo em que o texto é dado. Isso é

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O termo comediante era comumente utilizado pelo ator e diretor Louis Jouvet, para aquele indivíduo que ao tentar adaptar-se a um novo personagem, esquecia-se de sua personalidade, fazendo uma distinção com o termo ator que adaptava sua personalidade à do personagem. Nos dias de hoje, este detalhe não é mais utilizado e a palavra comediante é utilizada para caracterizar atores que se dediquem à comédia. (ASLAN, 2005, p. XX - Prefácio).

Figura 6 - Quebra no desenvolvimento do espetáculo, a partir de um número musical. Foto: Adriana Marchiori.

exemplificado na cena da mulher da camiseta. Enquanto narra os acontecimentos relativos à sua mãe, uma das atrizes entoa uma melodia que se sobrepõe ao texto, como se fosse uma súplica. Uma súplica da mãe, durante aqueles momentos de sofrimento e conformidade, ante o mundo em que está inserida. Como um efeito da estética brechtiana, este recurso é evidenciado em cena, pela presença da atriz que suplica aos olhos e ouvidos do público, mesmo estando de costas para a plateia, encontrando aqui mais um momento em que há uma forte utilização do recurso da musicalidade, já descrito neste trabalho. O jogo de aparências, explicitado em cena, pode induzir ao espectador desavisado, à acreditar num efeito de ilusionismo que Brecht combatia, mas acredito que este não tenha sido o propósito da direção em alguns momentos da encenação, nos quais detenho-me no subcapítulo a seguir.