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Agências Reguladoras como instituto básico americano

O Estado brasileiro incorporou as Agências Reguladoras independentes ao seu ordenamento jurídico a partir da década de 1990, conforme acima mencionado, atendendo a uma demanda global, e, assim, substituiu o seu formato anterior, de intervenção direta na economia através de empresas estatais, pelo modelo regulador, saindo, desta forma, da exploração direta das atividades econômicas e passando apenas a regulá-las, em regra.

Afirma-se que o modelo de Agências Reguladoras adotado no Brasil sofreu influência direta do direito norte-americano, não obstante os dois países serem de tradições jurídicas diversas, esse do ramo do direito consuetudinário e aquele do Civil Law.

O direito norte-americano conhece a figura da Agência Reguladora desde o final do Século XIX. A primeira agência criada e instalada nos EUA foi a Interstate Commerce Commission – ICC, em 1887, para regular os serviços interestaduais de transporte ferroviário. Interessante notar que a referida agência foi criada não apenas para proteger os usuários do transporte ferroviário, mas também para planejar e racionalizar a construção das linhas férreas de modo a se evitar prejuízos com construção de trechos em local sem demanda, ou a construção de várias linhas no mesmo local.

Conforme visto, nos EUA a figura da Agência Reguladora não é recente, passando o seu formato e características por reformulações no decorrer do tempo, sofrendo as influências históricas decorrentes da evolução da política econômica nos EUA e no mundo globalizado.

Os EUA viviam sob a égide do pensamento liberal clássico, que vigia em toda a sua ortodoxia, até, de acordo com Aragão (2013, p. 229), 1887, ano da criação da ICC. Desse Estado no qual vigoravam as regras do liberalismo, passou gradualmente para um Estado altamente interventor, com uma forte regulação estatal com o advento do New Deal, sofrendo atenuação gradativa após a II Guerra mundial até a década de 1970. Na década de 1980 tomou força o movimento da desregulação, que tinha o objetivo de extinguir, ou ao menos, de diminuir a regulação estatal. Mesmo na economia tida como a mais liberal do ocidente, o movimento da desregulation não conseguiu alcançar o seu ápice com a extinção da regulação estatal.

Em um mundo globalizado, os movimentos de política econômica geralmente não são isolados, ou seja, geralmente não se instalam e se desenvolvem em apenas um país. A América Latina e a Europa, guardadas as suas peculiaridades culturais e históricas, também transitaram de um liberalismo ortodoxo, entre os Séculos XVIII e XIX, passando por um período relativamente curto de regulação da economia, passando para um estágio de estatização da

economia após a II Guerra Mundial. Esse movimento de estatização só foi interrompido na América Latina e na Europa a partir da década de 1980, com a desestatização e, por conseguinte, a implantação da regulação dos setores repassados à iniciativa privada (ARAGÃO, 2013, p. 230). No Brasil o movimento de desestatização ocorreu a partir de 1990, para ser mais preciso, a partir da publicação do Plano Nacional de Desestatização, ainda no governo do presidente Collor.

Foi visto que o primeiro país a adotar as Agências Reguladoras foram os Estados Unidos da América. Não obstante ter sido o primeiro país a adotar o referido modelo, é possível afirmar que os EUA conseguiram “exportar” tal modelo para o resto do mundo? Para responder a tal pergunta, necessário verificar as características das agências estadunidenses.

Antes, é válido informar que existem dois tipos de agências nos EUA. Há as agências executivas, que não detém independência frente ao poder executivo, estando, na verdade, subordinadas a este poder. Não se confundindo com essas existe a figura da Agência Reguladora, essa sim detentora de independência frente ao executivo e detentoras de algumas garantias para os seus dirigentes, como a impossibilidade de exoneração ad nutum pelo presidente da república, pois, para tanto, exige um devido processo legal, com a exigência de um processo com a garantia de defesa e a existência de uma justa causa (good cause) autorizadora do ato de exoneração.

Tanto nos EUA quanto no Brasil, o controle judicial das decisões das agências sofre uma autolimitação, com pouca interferência material nas decisões das agências, aplicando para tanto o princípio da razoabilidade, “limitando-se, na maioria das vezes, aos aspectos procedimentais assecuratórios do devido processo legal e da participação dos direta ou indiretamente interessados no objeto da regulação” (ARAGÃO, 2013, p. 238).

Pelos diversos pontos de intersecção entre o modelo norte-americano e o brasileiro, percebe-se claramente a origem de várias características introduzidas no direito administrativo brasileiro oriundas do direito estadunidense. Ademais, assim como o brasileiro, o direito constitucional norte-americano adotou a doutrina da separação dos poderes, o que gerou lá, cerca de um século antes da introdução das agências no sistema jurídico brasileiro, vários questionamentos acerca da constitucionalidade das agências reguladoras, que foram superadas pela Corte Suprema de lá com a interpretação de que as normas expedidas pelas agências, mesmo abstratas e gerais, não invadia a competência do Poder Legislativo, pois eram exercidas dentro da competência da agência estabelecida legalmente, sendo, portanto, na nomenclatura lá adotada, de função “quase legislativa”. O mesmo se deu em relação à possibilidade de composição dos litígios entre as empresas reguladas e os usuários, ou entre empresas,

considerando a Suprema Corte essa competência constitucional e legal, sendo parte integrante da função “quase judicial” das agências reguladoras. Aqui no Brasil, praticamente um século depois, as discussões acerca das agências reguladoras foram bem parecidas, guardando uma certa homogeneidade nos conteúdos, conforme assinalado por Aragão (2013, p. 232). Interessante essa homogeneidade nas discussões judiciais sobre as agências reguladoras, mesmo o Brasil tendo sido influenciado, em matéria de direito administrativo, pela escola francesa, que preza pela unidade e organização hierárquica da Administração Pública (ARAGÃO, 2013, p. 239).