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Agências Reguladoras: proposta originária e confronto com a realidade

CAPÍTULO 2 – DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

2.2 Agências Reguladoras: proposta originária e confronto com a realidade

As Agências Reguladoras foram concebidas para expedir atos normativos, fiscalizar e punir os agentes econômicos que infrinjam as normas, com vistas a garantir, no caso dos serviços concedidos, a qualidade da prestação dos mesmos aos consumidores, dentro do movimento histórico da desestatização e das privatizações ocorridas no Brasil, com mais ênfase, a partir da década de 1990.

Esta pesquisa, por possuir um viés crítico e voltado à realidade dos efeitos dos fatos jurídicos, confronta a teoria acerca da regulação realizada pelas Agências Reguladoras com a realidade decorrente dessa inserção institucional no ordenamento jurídico pátrio, com repercussões práticas inegáveis na seara econômica. A análise proposta e realizada abarcou, além do aspecto teórico, a análise prática da atividade jurídica regulatória desenvolvida pelas Agências Reguladoras Independentes, sofrendo certa influência do pragmatismo filosófico e jurídico, mesmo estes não sendo o objeto central da pesquisa, pois apresenta, o pragmatismo jurídico, um “eixo essencialmente prático para a atividade jurídica”, como lembrado por Freitas (2009, p. 31), quando destaca o aspecto da experiência do pragmatismo no direito. Além disso, este trabalho também sofreu influência do pragmatismo filosófico e jurídico para o enfrentamento de um dos “problemas chaves do direito e da teoria do conhecimento: a interpretação dos fatos” (FREITAS; FEITOSA, 2007, p.2), fatos esses coletados, em especial, dos dados fornecidos pelas Agências Reguladoras.

Os dados coletados sugerem que as autarquias especiais, conhecidas como Agências Reguladoras independentes, não conseguiram alcançar esse intento no Brasil. Também há diversas críticas sobre o não cumprimento dos objetivos originários pelas Agências Reguladoras nos EUA e no continente europeu.

Dentro da doutrina administrativa, interessante, antes da análise de alguns fatos, fixar os objetivos originários das agências reguladoras. As agências reguladoras independentes foram concebidas, diante da desestatização imposta pelo modelo de Estado regulador adotado pelo Brasil na Constituição Federal de 1988, implementado a partir da década de 1990, como um órgão dotado de independência, ou de autonomia qualificada, em face do chefe do Poder Executivo, com dirigentes nomeados após a sabatina pelo Poder Legislativo, com mandato definido em lei, não podendo esses dirigentes serem exonerados ad nutum, pois, para tanto, há previsão de processo administrativo ou judicial, com a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, autonomia orçamentária, quadro próprio de pessoal e decisões colegiadas, com o objetivo de regular as atividades econômicas, em especial os serviços públicos delegados à iniciativa privada, que antes eram prestados pelo Estado. Os objetivos originários são bastante claros na teoria: exercer, de forma independente, as atividades de expedição de atos normativos, de fiscalização do cumprimento das normas regulatórias e, em caso de descumprimento, a punição dos infratores dentro do procedimento administrativo legal e previamente estabelecido, em prol do bem-estar da coletividade. A regulação, através das Agências Reguladoras, foi apresentada à população e aos diversos setores da sociedade como uma solução moderna para evitar a captura do regulador pelos grupos econômicos que desenvolvem as atividades antes desempenhadas diretamente pelo Estado, visando, sempre, o bem comum.

O bem-estar da coletividade está sendo garantido pela atuação das agências reguladoras que fiscalizam os serviços públicos prestados à sociedade pelas empresas reguladas? Não há uma resposta simples e direta para a pergunta acima formulada. É inegável que em alguns setores houve a ampliação do número de usuários, como é o caso do setor de telecomunicações, em especial em relação à telefonia móvel, tendo hoje o Brasil a estatística de mais de um celular por habitante (ANATEL, 2015a). Assim, se for adotado o critério quantitativo, houve uma melhora inegável com a ampliação da base de usuários da telefonia móvel, mesmo que de forma desigual entre as regiões brasileiras. Porém, se o critério adotado for o qualitativo, há uma insatisfação enorme nos usuários da telefonia celular, com o serviço sendo prestado com baixa qualidade e preço elevado para os usuários.

A ANATEL mantém em seu sítio eletrônico informações sobre as ferramentas de análise utilizadas por ela para a aferição da qualidade dos serviços de telecomunicações ofertados no país. Com esse objetivo, a referida agência reguladora instituiu a Pesquisa para Aferição da Qualidade Percebida dos Serviços de banda larga fixa e de telefonia celular através, respectivamente, das Resoluções n.º 574/2011 (ANATEL, 2011a) e n.º 575/2011 (ANATEL, 2011b). Em 2012 for editada a Resolução 605/2012 para a realização da aferição da percepção

de qualidade da telefonia fixa. Em julho de 2015 houve a expedição da Resolução 654, que revogou vários dispositivos das Resoluções 574/2011 e 575/2011, no que concerne à contratação da empresa especializada para a realização das pesquisas de percepção da qualidade dos serviços prestados pelas empresas reguladas aos consumidores. De acordo com o art. 11, caput, e § 1º, da Resolução 654/2015 (ANATEL, 2015d), as prestadoras devem contratar, de forma conjunta, empresa especializada para a realização das pesquisas relativas aos serviços por elas prestados, arcando pelo ônus da contratação da empresa de pesquisa.

Interessante observar, para posterior análise acerca de possível captura da ANATEL pelos entes regulados, que as pesquisas de qualidade percebida serão realizadas por empresa especializada escolhida e contratada pelas prestadoras, consoante estabelecido nas Resoluções da própria Agência Reguladora. As empresas que realizarão as pesquisas serão escolhidas e contratadas pelas prestadoras, ou seja, as empresas reguladas serão as contratantes da pesquisa de qualidade dos serviços prestados por elas mesmas. Diante disso, algumas perguntas são imprescindíveis: a) As empresas de pesquisa terão independência na coleta e análise dos dados, já que foram contratadas e pagas pelas empresas de telefonia móvel?; b) Uma decorrência da primeira questão, será que as empresas contratadas pelas prestadoras de serviços de telefonia fixa e móvel mostrarão em suas pesquisas a realidade da qualidade percebida pelos consumidores, mesmo correndo o risco de não terem seus contratos renovados para a realização da pesquisa em períodos futuros?; c) Por que não a própria ANATEL escolher, contratar e pagar as empresas responsáveis pelas pesquisas de qualidade, utilizando para isso recursos da própria agência? Isso não garantiria maior independência no resultado das pesquisas?; d) Será que a ANATEL quer mesmo aferir a qualidade dos serviços prestados pelas empresas reguladas?

A forma da escolha e da contratação da empresa responsável pelas pesquisas pelas próprias prestadoras do serviço de telefonia é questionável, o que coloca em dúvida os resultados das pesquisas, mormente quando praticamente todo usuário de telefonia móvel tem alguma reclamação acerca da qualidade. Não obstante a propaganda feita pelas empresas de telefonia móvel no Brasil sobre a melhoria na qualidade dos serviços, essa melhora, se existente, não é sentida pelo consumidor, não gerando melhora no bem-estar da coletividade de forma concreta, ou percebida.

Algo semelhante acontece na regulação realizada pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC (2015, p.1), que prevê, no art. 3º, caput, da Resolução n.º 372, de 15 de dezembro de 2015, a responsabilidade da concessionária de selecionar, contratar e remunerar a empresa especializada em realizar os estudos relativos ao cálculo dos Indicadores de Qualidade de Serviço – IQS. A mencionada resolução da ANAC vai ainda mais longe do que a previsão da

ANATEL supramencionada. A concessionária poderá, mediante comunicação prévia à ANAC, medir diretamente os IQS não relacionados à Pesquisa de Satisfação dos Passageiros – PSP (art. 3º, §2º), bem como, no art. 3º, §2º, prevê que a concessionária responsável pelo aeroporto de São Gonçalo do Amarante poderá aferir diretamente todos os IQS. Nessas hipóteses, a concessionária do serviço público, que administra os aeroportos, poderá, nos casos previstos na Resolução 372/2015, medir os indicadores de pesquisa do serviço, podendo, em regra, a pesquisa de satisfação dos passageiros ser feita por empresa especializada que será contratada e remunerada pela concessionária, com exceção da concessionária responsável pelo aeroporto de São Gonçalo do Amarante, que poderá aferir diretamente todos os indicadores.

Seja a pesquisa dos Indicadores de Qualidade de Serviço, seja a dos indicadores da Pesquisa de Satisfação dos Passageiros, há uma grande chance de comprometimento dos resultados das pesquisas anuais, pois, a exemplo do que pode acontecer no caso das empresas de telefonia móvel, as concessionárias que administram os aeroportos, quando realizam diretamente a pesquisa, não têm o interesse de divulgar resultados adversos que possam comprometer a sua imagem e correr o risco de punições por parte da ANAC, ou, as empresas contratadas pelas concessionárias para a realização das pesquisas mencionadas, tem o interesse em manter o cliente (concessionárias) na sua carteira de clientela, e, desta forma, tudo indica que não divulgarão o resultado real de insatisfação para não contrariar os interesses dos seus clientes e, por conseguinte, não serem contratadas para a realização da pesquisa nos anos posteriores. Desta forma, seria mais razoável e consentâneo com a lógica da boa regulação, se as pesquisas fossem realizadas por empresas contratadas e remuneradas pela ANAC, com os recursos da agência, e não pelas concessionárias.

Diante disso, parece haver uma estruturação na forma de realizar a pesquisa de satisfação do cliente que pode mascarar a realidade, isto é, a contratação e pagamento de empresa especializada em pesquisas de percepção da qualidade pelas empresas reguladas, pode redundar em resultados tendenciosos, que acobertem a real qualidade na prestação dos serviços, pelos fatos acima apontados.