• Nenhum resultado encontrado

Agências Reguladoras como instrumento para garantir reserva/controle de mercado

CAPÍTULO 2 – DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

2.3 Agências Reguladoras como instrumento para garantir reserva/controle de mercado

Conforme visto acima, há uma não correspondência entre os objetivos originários e os objetivos práticos das agências reguladoras. Constatou-se que existe uma distância entre os objetivos teóricos e os resultados fáticos e jurídicos das Agências Reguladoras. Os objetivos teóricos iniciais, propalados na propaganda contida na reforma do Estado, eram, em suma, a expedição de normas reguladoras das atividades desenvolvidas pela atividade privada com vistas a garantir o bem comum e o bem-estar coletivo através da expedição de um repertório normativo que desse suporte às atividades de controle, fiscalização e de punição das condutas que desviassem dos nortes estabelecidos na norma reguladora pró coletividade. Porém, desde a implantação das Agências Reguladoras no Brasil, a partir da década de 1990, até os dias atuais, os fatos parecem apontar para resultados diversos dos inicialmente previstos e desejados.

Os mercados regulados pelas Agências Reguladoras parecem não serem propícios para o ingresso de novas empresas com vistas ao incremento da competição entre os fornecedores de serviços, o que seria benéfico para os consumidores, já que a competição em um mercado que fomente a livre concorrência e a livre iniciativa costuma resultar em benefícios para os consumidores, entre eles a melhoria da qualidade de serviço e dos produtos, e a diminuição do preço.

Porém, não é o que vem acontecendo no Brasil. O panorama regulatório implantado e mantido pelas Agências Reguladoras brasileiras não tem resultado em um aumento da concorrência, não há ingresso de novos atores econômicos na oferta dos serviços, não há melhora na qualidade destes, e, os preços dos mesmos, quando comparados aos praticados em outros Estados Nações, são mais elevados.

Em relação à quantidade de empresas que atuam nos setores regulados, tudo indica que a regulação tem servido para manter uma reserva de mercado para as empresas que já estão nele, com a criação de barreiras que dificultam, ou, até mesmo, impedem o ingresso de novas empresas concorrentes no mercado. Tome-se como exemplo o serviço de telefonia móvel, serviço esse de grande importância no mundo atual, altamente conectado, no qual as pessoas e as empresas que quiserem se manter competitivas não podem deixar de usar a telefonia celular. Não obstante o crescimento na demanda da telefonia móvel e a amplitude territorial do Brasil, atualmente, de acordo com a ANATEL (2015b), só há seis grupos econômicos prestando o serviço móvel pessoal: Telefônica, Telecom Américas, Telecom Itália, OI, Algar (CTBC

Telecom), Prefeitura de Londrina/Copel. Os cinco primeiros grupos são mais conhecidos e possuem maior cobertura nacional do que o último.

Percebe-se que há uma concentração da prestação de serviços de telefonia móvel em apenas seis grupos econômicos no Brasil, apesar da grande extensão territorial e da quantidade de consumidores efetivos e potenciais existentes no país. Assim, o nível de concorrência entre os prestadores de serviços não é suficiente para que eles se preocupem em fornecer um serviço de melhor qualidade a um preço menor a seus clientes, ocasionando um prejuízo para os consumidores, que, diante da falta de boa opção, continuam a utilizar os serviços de péssima qualidade ofertados pelos grupos econômicos supramencionados, já que no mundo atual não é mais possível, pelo menos para a população economicamente ativa, ficar sem o uso desse serviço.

Para ter uma noção melhor do tamanho do setor de telefonia móvel no Brasil, interessante uma análise do gráfico que informa o crescimento da receita operacional líquida do setor de telefonia móvel entre os anos de 2000 e 2013:

Fonte:http://www.anatel.gov.br/dados/index.php?option=com_content&view=article&layout=edit&id=256.  SMP: Serviço Móvel Pessoal.

Não obstante o crescimento considerável da receita operacional líquida da telefonia móvel, que foi de R$13.022.560.000 (treze bilhões, vinte e dois milhões, quinhentos e sessenta mil Reais), no ano de 2000, para R$ 67.099.470.000 (sessenta e sete bilhões, noventa e nove milhões, quatrocentos e setenta mil Reais), no ano de 2013 (ANATEL, 2015c), não houve o crescimento no número de concorrentes, mesmo sendo um mercado que movimenta cifras bilionárias. Um setor que teve a sua receita operacional líquida aumentada em 415,26%, em 13 anos, não consegue atrair mais empresas para atuar no mercado brasileiro, não obstante ser um setor atraente para o investidor.

O aumento na receita operacional líquida deveria ser um fator de incentivo para o ingresso de novas empresas. Então, por que, não obstante o incremento na receita, não há a presença de novas empresas no setor? A legislação brasileira não permite que empresas estrangeiras participem diretamente da exploração de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, podendo as concessões, permissões e autorizações para a exploração de tais atividades serem outorgadas apenas a empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no Brasil, em que a maioria das cotas ou ações com direito a voto pertença a pessoas naturais residentes no país ou a empresas constituídas sob as leis brasileiras e também com sede e administração no país, de acordo com o comando contido no art. 1º do Decreto n.º 2.617, de 5 de junho de 1998 (BRASIL, 1998).

Essa limitação serve para proteger o interesse coletivo (interesse dos consumidores brasileiros) e os interesses nacionais, ou serve, na verdade, para preservar os atores econômicos que atuam no mercado brasileiro da concorrência com empresas estrangeiras provavelmente mais eficientes e competitivas? A referida limitação é uma importante cláusula de barreira para a entrada de empresas estrangeiras no mercado de telecomunicações brasileiro, impossibilitando que concorrentes estrangeiros entrem na disputa, aumentando a concorrência e incrementando, também, pelo menos de forma potencial, a oferta de melhores serviços (melhor qualidade) a preços menores aos consumidores locais. Desta forma, percebe-se uma captura do regulador (nesse caso do Poder Executivo Brasileiro, quando da edição do Decreto n.º 2.627/1998) pelos atores econômicos que atuam no mercado de telecomunicações brasileiro. O objetivo apresentado na norma reguladora pode até estar revestido de uma finalidade nobre, tal como o bem público, o bem-estar coletivo, a proteção do consumidor, a garantia dos direitos fundamentais, pois, por óbvio, angaria a simpatia da população e dificilmente encontrará opositores explícitos, já que se opor a esses objetivos tem um custo social e político elevado, pois se o opositor for um político, esse correrá o risco de não conseguir ser eleito se se

opuser a esses direitos. Mas, mesmo contendo objetivos explícitos tão nobres quanto os elencados acima, a norma pode estar sendo utilizada para esconder a verdadeira intenção do regulador, que, a pretexto de preservar a segurança nacional e os interesses sensíveis da nação, proíbe a entrada no mercado doméstico de empresas estrangeiras, quando, na verdade, a real intenção é garantir uma reserva de mercado para as empresas já participantes do mesmo, impedindo que companhias estrangeiras ingressem no mercado. Como essa barreira de entrada de empresas estrangeiras foi criada pelo Estado, é a mais difícil de superar, pois este detém o monopólio definitivo, o poder de editar e fazer cumprir leis, com poder coercitivo, já que detém o monopólio do uso legítimo da violência, sendo, portanto, de mais difícil superação (ZINGALES, 2015, p. 28). Só será superada a barreira de entrada se o equilíbrio das forças dos grupos de interesse mudar, ou seja, se o grupo de interesse contrário à barreira conseguir convencer o regulador de acabar com a barreira de entrada de empresas estrangeiras no setor de telecomunicação móvel. A dinâmica dos grupos de interesse, que utilizam do processo de lobbying, será estudada no capítulo terceiro.

Percebe-se, com os exemplos acima, que nem sempre se luta para reduzir ou para eliminar a regulação de um determinado setor. Algumas empresas perceberam que a regulação pode ser um grande aliado contra os concorrentes, e empregam recursos financeiros, tempo e pessoal com o objetivo de interferir nas decisões dos reguladores para moldar a interferência do governo no mercado com o objetivo da produção de regulação que as beneficiem (ZINGALES, 2015, p. 69), garantindo mercado e, consequentemente, a boa rentabilidade dos seus negócios, com certa segurança, pois sabem que a regulação não permitirá a entrada de novos concorrentes, ou, pelo menos, dificultará sobremaneira o ingresso desses no mercado. Eis o que acontece com a regulação desenvolvida pelas Agências Reguladoras, que são utilizadas, pelos grupos de interesse com poder de influenciar o regulador, para expedir normas regulatórias que garantam o mercado para os agentes econômicos que já desenvolvem as suas atividades, dificultando ou impedindo o ingresso de novos atores no mercado, eliminando, desta forma, a concorrência e, com isso, garantem o retorno positivo dos seus empreendimentos, sob a proteção da regulação. As Agências Reguladoras são, destarte, instrumentos para garantir a reserva de mercado para os entes regulados, afastando-se, na sua prática, dos objetivos iniciais alardeados quando da sua implementação no Brasil, nos idos da década de 1990.

2.4 As Agências Reguladoras como modelo incentivado e difundido pelos organismos