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Agregações de hifas

No documento Biologia Dos Fungos (páginas 51-61)

Capítulo 4 Diferenciação

4.2 Estruturas Vegetativas Especializadas

4.2.2 Agregações de hifas

4.2.2.1 Cordões micelianos e rizomorfos

Já foi discutida anteriormente a forma como a variação na densidade de uma colónia miceliana permite uma utilização mais eficiente dos nutrientes disponíveis. Em alternativa, as hifas podem sofrer agregação e formar cordões micelianos e rizomorfos de forma que o fungo se possa expandir por meio destes. Embora os dois termos sejam utilizados indistintamente com frequência para caracterizar qualquer estrutura morfologicamente semelhante a um cordão, é necessário frisar que estes definem duas estruturas fúngicas cuja ontogenia é totalmente diferente, apesar de serem superficialmente indistintos quando maduros amiudadas vezes. As duas estruturas consistem de agregados lineares de hifas com capacidade de crescer unidireccionalmente.

Os cordões micelianos e rizomorfos forma-se as margens de colónias de micélios vegetativos ou a partir de estruturas denominadas esclerócios (que serão

abordadas ainda neste capítulo). A maioria apresenta uma capacidade ilimitada de extensão, podendo-se estender por vários metros desde que estejam ligados, na base, a uma fonte de nutrientes (colónia mãe). Estas estruturas estendem-se, normalmente, através de substratos inadequados ao crescimento vegetativo normal, servindo como estruturas de colonização. Uma vez atingido um substrato capaz de suportar o crescimento normal, estas estruturas dão origem a um micélio vegetativo ou a estruturas reprodutivas.

Estas estruturas são particularmente características de fungos que produzem corpos de frutificação de grandes dimensões e que colonizam áreas superficiais extensas (por exemplos, bosques e matas). Alguns fungos que infectam as raízes de árvores formam rizomorfos que podem crescer através do solo e iniciar um novo foco de infecção bastante afastado do inicial (por exemplo, Armillaria mellea). Os cordões micelianos e rizomorfos estão praticamente confinados aos Hymenomycetes e Gasteromycetes de Basidiomycota.

Cordão ou feixe miceliano

O cordão ou feixe miceliano (Figura 4.6) é uma estrutura especial de translocação ou colonização. É relativamente simples e desenvolve-se a partir de hifas normais, quando as ramificações “correm” paralelamente e permanecem unidas e compactadas em torno da hifa “mãe”, em vez de divergirem desta.

Figura 4.6 Modelo de cordões micelianos debaixo de um grupo de cogumelos (à esquerda) e microfotografia mostrando o corte transversal de um cordão miceliano (à direita). Observem-se as hifas condutoras (largas e ocas) cercadas por inúmeras fibrilares. Retirado de AMA e Frances M. Fox (1987).

A presença de materiais de cimentação ajuda a manter as hifas unidas, ao mesmo tempo que a estrutura do feixe é consolidada pela presença de numerosas

pontes de anastomose entre as diferentes hifas que o constituem. Num feixe podemos distinguir pelo menos três tipos diferentes de hifas: hifas condutoras, volumosas, com paredes extremamente espessas e sem conteúdo citoplasmático, hifas fibrilares, estreitas, com paredes espessas e praticamente sem lúmen, e hifas normais, metabolicamente activas.

Pensa-se que as hifas condutoras actuem como os vasos xilémicos das plantas, já que apresentam pouca resistência ao movimento da água. Por outro lado, as hifas fibrilares possuirão um papel estrutural, protegendo e mantendo a integridade das hifas condutoras. Apesar de existir esta diferenciação ao nível das hifas, não se verifica qualquer arranjo ordenado das mesmas. Os vários tipos de hifas estão dispostos ao acaso e firmemente compactados por materiais de cimentação.

O fungo Serpula lacrymans tem sido utilizado exaustivamente em estudos sobre os processos envolvidos no desenvolvimento de cordões micelianos. Foi sugerido que a hifa principal liberta compostos azotados para o meio que a rodeia, o que induziria os ramos a não divergirem desta. Os cordões micelianos são comuns nas espécies de Agaricus, incluindo A. bisporus e em muitas espécies fitoparasitas.

Rizomorfo

O rizomorfo (do grego rhiza = raiz + morfe = forma) é também uma estrutura de colonização e translocação. Os rizomorfos distinguem-se dos cordões micelianos por apresentarem um notável grau de crescimento coordenado e serem capazes de sofrer ramificação.

Nos rizomorfos mais diferenciados como a Armillaria mellea existe uma zona de crescimento “multicelular” especial, localizada a aproximadamente 25 m do ápice do rizomorfo, que é equivalente ao ápice radicular das plantas superiores (meristema radicular). Logo atrás da zona de crescimento existe uma zona de absorção e logo atrás desta o rizomorfo é considerado maduro (Figura 4.7).

Figura 4.7 Rizomorfo. Fonte: Deacon (2006).

A zona “madura” do rizomorfo é constituída por uma medula central consistindo de hifas de parede fina e de algumas fibrilares. Esta medula emerge progressivamente numa medula externa e no córtex. O córtex é constituído por hifas de parede muito espessa envolvidas por uma mucilagem electrodensa. A camada mais externa desta zona constitui uma “casca” e é formada por hifas com paredes celulares densamente pigmentadas ou melanizadas. À medida que o rizomorfo envelhece, a medula central sofre colapso dando origem a um canal central condutor de oxigénio.

O trabalho de Smith e Griffin (1971) veio esclarecer o comportamento dos rizomorfos na natureza. Foi demonstrado que o ápice do rizomorfo necessita de permanecer hialino para que haja crescimento. Isto é normalmente conseguido pela elevada taxa metabólica da região, consumindo o oxigénio pela respiração e mantendo a pressão parcial de O2 (PO2) abaixo de 0,03 no exterior do ápice do

rizomorfo. Mais atrás no rizomorfo, as células respiram mais lentamente e a pressão parcial de O2 aproxima-se da do ar (0,21). Então, a superfície do rizomorfo

sofre melanização, sendo este um processo que oxidação que envolve a polimerização de resíduos fenólicos.

A importância deste processo torna-se evidente quando o rizomorfo cresce em direcção a ambientes relativamente secos como, por exemplo, os arenosos. Nestes casos, o oxigénio difunde-se mais rapidamente em direcção ou ápice (10.000 vezes mais rapidamente no ar do que na água) e a taxa respiratória não é suficiente para manter a PO2 a níveis baixos porque a película aquosa que

normalmente rodeia o ápice do rizomorfo torna-se mais fina. Por esta razão, o ápice sofre melanização e o crescimento cessa. Em resposta, forma-se um novo “ramo”, mais atrás no rizomorfo, que pode explorar novas regiões no solo. Esta simples sequência de eventos permite que o rizomorfo colonize ambientes

adequados, assegurando, também, que este se mantenha a uma profundidade ais ou menos constante, suficientemente próximo da superfície, de modo que o oxigénio se difunda até ao rizomorfo, mas não tão próximo que o ápice sofra dessecação.

Função dos cordões micelianos e rizomorfos

No que respeita o crescimento, os cordões micelianos e rizomorfos podem ser vistos como estruturas que permitem que o fungo se alastre em substratos inadequados, em termos de disponibilidade de nutrientes, permanecendo ainda ligadas ao micélio que os originou. Por outro lado, a sua principal função parece ser a translocação de nutrientes de uma colónia já estabelecida de forma a permitir que o fungo colonize à distância um novo substrato.

As vantagens conferidas pela posse destas estruturas aos fungos parasitas de raízes de árvores e aos que colonizam saprobioticamente bosques e florestas, são fáceis de se entender. Elas não só permitem que os parasitas alcancem as raízes de outras árvores a grande distância, como também providenciam um fornecimento abundante de nutrientes que podem ser utilizados na penetração de barreiras mecânicas, tais como a periderme das raízes, ou na síntese de vários complexos enzimáticos necessários à invasão bem-sucedida de tecidos tão resistentes como os que constituem as raízes. Uma simples hifa ou um esporo não oferecem tal potencial. Além disso, o canal central do rizomorfo permite a difusão do oxigénio até ao local do ataque, o que possibilita a ocorrência do metabolismo aeróbio, mesmo a profundidades razoáveis no solo. De igual forma, os fungos responsáveis pela biodegradação de matéria vegetal morta (troncos, raízes, folhas, etc.) podem deparar com substratos com limitadas fontes de carbono e azoto prontamente disponíveis. Nestes casos, a colonização bem- sucedida do novo substrato depende da translocação de quantidades apreciáveis de nutrientes através do cordão miceliano ou rizomorfo. Estes nutrientes asseguram a síntese de enzimas líticas extracelulares (celulases, hemicelulases, etc.) as quais iniciam a degradação do substrato viabilizando a sua colonização. Esta capacidade confere-lhes uma vantagem inicial sobre os fungos que não produzem tais estruturas.

4.2.2.2 Plectênquimas

O micélio sofre organização dando origem a tecidos de densidade e firmeza variáveis durante determinadas fases do ciclo de vida de muitos fungos. O termo plectênquimas é utilizado para designar todos os tipos de tecidos fúngicos organizados (Figura 4.8).

Figura 4.8 Plectênquimas. A - pseudoparênquima; b - prosênquima. Imagem de Maruthi (2014).

Podemos reconhecer dois tipos principais de plectênquimas: prosênquimas, constituídos por hifas fracamente agregadas que se dispõem mais ou menos paralelamente, tipicamente alongadas e distinguíveis, e pseudoparênquimas, constituídos por células mais ou menos isodiamétricas, ou ovais, fortemente agregadas devido a pressões mútuas, assemelhando-se às células que constituem o parênquima das plantas vasculares. Neste tipo de tecido, as hifas perdem a sua individualidade, tornando-se mais curtas e diferenciadas em células. Por outras palavras, perdem o seu carácter hifal.

Os prosênquimas e pseudoparênquimas compõem vários tipos de estruturas somáticas e reprodutivas por muitos fungos. Duas dessas estruturas somáticas são os estromas e esclerócios. Os estromas são estruturas somáticas compactas constituídas por matrizes densas de hifas que, por vezes, incluem fragmentos de substrato, que podem formar corpos de frutificação (Figura 4.9).

Figura 4.9 Estroma de ergot (Claviceps purpúrea). Na periferia do “chapéu”, observam-se peritécios, onde se localizam os ascos que albergam os seus esporos. Imagem tirada de Holt (2013).

Esclerócios

Os esclerócios (do grego skleros = duro) são, na maioria dos casos, estruturas relativamente maciças, constituídas por hifas fortemente agregadas, com crescimento definido. No entanto, os esclerócios podem diferir muito na forma, dimensão e complexidade, variando desde agrupamentos celulares facilmente desagregáveis, como forma irregular e de dimensões reduzidas (menos de 100 m de diâmetro) até estruturas relativamente compactas, redondas, com 20 cm ou mais de diâmetro. No entanto, maioria destas estruturas não excede 5 mm de diâmetro, sendo normalmente constituídas por plectênquimas.

Os esclerócios contêm quantidades substanciais de materiais de reserva, como o manitol, a trealose, o glicogénio e muitas vezes lípidos, servindo tanto como estruturas de sobrevivência e propagação como de armazenamento. Estas estruturas sobrevivem independentemente do micélio que lhes deu origem, suportando condições mais severas de crescimento (temperaturas muito baixas ou elevadas, secura, etc.) e por períodos mais longos que qualquer outro tipo de estrutura de resistência.

Para muitos fungos parasitas de plantas os esclerócios constituem a única forma de sobrevivência na ausência de um hospedeiro adequado. Os esclerócios são característicos de certos géneros tais como Claviceps, Sclerotinia, Sclerotiou e Typhula, dos quais muitas espécies são parasitas. Alguns esclerócios são capazes de sobreviver no solo por períodos muito longos, apesar de serem atacados por vários microrganismos. Os esclerócios de Sclerotium cepivorum podem apresentar 70-80% de germinação depois de 4 anos no solo, os de Verticillium dahliae podem persistir no solo durante 14 anos. Quando as condições se tornam favoráveis, as abundantes reservas endógenas são utilizadas para a germinação do esclerócio, podendo formar-se um micélio vegetativo ou estruturas de reprodução.

A figura 4.11 ilustra a estrutura de esclerócios maduros de Paxillus involutus, Cenococcum geophilum e Sclerotium hydrophilum. Podemos verificar a existência de um anel periférico (casca) constituído por células mortas embebidas numa matriz extracelular. Segue-se um córtex constituído por um tecido pseudoparenquimatoso, com células volumosas de parede espessas e fortemente melanizadas. A zona mais interna é denominada medula, que é prosenquimatosa e constituída por hifas de armazenamento (com reservas substanciais de glicogénio, lípidos ou trealose), na maioria dos casos embebidas numa matriz mucilaginosa.

As melaninas presentes nas paredes celulares não só as tornam impermeáveis como também reduzem, ou evitam, a sua lise. Estes pigmentos protegem fisicamente a quitina e as glucosanas presentes na parede, em virtude de envolverem estas moléculas, ao mesmo tempo que inibem a actividade de quitinases e glucanases produzidas por outros microrganismos. Sem este tipo de protecção, qualquer estrutura de dormência, armazenamento ou translocação (clamidósporos, esclerócios, rizomorfos, etc.) tornar-se-ia uma fonte rica de nutrientes para qualquer tipo de organismo antagonista.

Figura 4.10 Esclerócios maduros de Paxillus involutus (em cima, à esquerda), Cenococcum

geophilum (em cima, à direita; aberto) e Sclerotium hydrophilum (em baixo; corte transversal). Na foto

de baixo, note-se a casca, o córtex (massa densa de células) e a medula (mais dispersa). As imagens de cima são de F. M. Fox (1986) e a de baixo de New Brunswick Museum (2013c).

Capítulo 5 Reprodução

A reprodução é um conjunto de eventos que conduz à produção de novos indivíduos com as características típicas da espécie. A maioria dos fungos é capaz de se reproduzir tanto sexual como assexualmente. Em geral, a reprodução assexuada é a mais importante para a propagação da espécie, porque resulta na produção de um elevado número de indivíduos e o seu ciclo é repetido amiudamente. Em alguns fungos, o ciclo sexual ocorre uma vez em cada ano. A diferenciação das estruturas reprodutoras em fungos, dependente do potencial genético de cada organismo, é normalmente condicionada por factores ambientais.

“... as condições para o crescimento vegetativo e a reprodução são diferentes. Antes de o organismo se tornar competente para a produção de estruturas reprodutoras é necessário um período mínimo de crescimento vegetativo, durante o qual se sintetizam metabólitos, enzimas ou nutrientes essenciais à reprodução. Esta é muitas vezes induzida quando algum factor externo ou interno, frequentemente nutrientes, se torna limitante para o crescimento vegetativo. As condições externas indutoras da reprodução são, em geral, mais específicas e menos diversas que as permissíveis do crescimento vegetativo”.

Morton (1967)

Durante a formação das estruturas reprodutora, sexuais e assexuais, todo o soma pode ser convertido em uma ou várias destas estruturas. Deste modo, as fases somática e reprodutiva não ocorrem simultaneamente no mesmo indivíduo. Os fungos que apresentam esta característica são denominados holocárpicos (do grego holos = todo + karpos = fruto). No entanto, na maioria dos fungos, as estruturas reprodutoras formam-se a partir de porções determinadas do soma, continuando o restante com a sua actividade vegetativa normal. Os fungos pertencentes a esta categoria são denominados eucárpicos (do grego eu = bom + karpos = fruto). Deste modo, as formas holocárpicas são menos diferenciadas do que as eucárpicas.

A reprodução implica normalmente a produção de diferentes tipos de esporos, que se formam em diferentes tipos de esporóforos – estruturas que

que produzem, ou suportam, os esporos. No ciclo assexual de alguns fungos, no entanto, os esporos podem formar-se directamente nas hifas vegetativas. Em todos os fungos, as estruturas reprodutoras encontram-se isoladas do resto do soma por intermédio de septos completos ou oclusos.

5.1 Esporóforos

O esporóforo (Figura 5.1) é uma ramificação miceliana especializada, ou um plectênquima, que emerge do soma vegetativo e no qual se diferenciam células esporogénicas e esporos.

Figura 5.1 Esporóforo de Rhizopus.

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