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Agricultura convencional e agricultura sustentável: controvérsias produtivistas e o paradigma entre preservação e utilização de recursos

SUMÁRIO

2. TERRITÓRIO, NATUREZA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

2.3. Agricultura convencional e agricultura sustentável: controvérsias produtivistas e o paradigma entre preservação e utilização de recursos

O início da Idade Moderna foi marcado pela Revolução Industrial, pelo surgimento da máquina a vapor e, o plano do saber, pelas leis da termodinâmica que substituem as leis mecanicistas. Deste modo, a ciência e a técnica assumem com atenção principal a dominação da natureza, separando efetivamente o mundo social do mundo natural, escavando aos poucos um abismo entre a relação homem e natureza.

Os elementos centrais que compõem o paradigma social dominante da sociedade atual parecem ser a crença no progresso, crescimento e prosperidade, confiança na ciência e na tecnologia, compromisso com a economia de mercado livre, direito de propriedade e a visão da natureza como tendo que ser dominada e tornada útil.

Conforme Gonçalves (1993), a ciência moderna se configura em torno de três eixos: “a oposição homem e natureza, a oposição sujeito e objeto e o paradigma atomístico-individualista”. Para Collingwood, uma diferença ente as analogias permite divisar o que diferencia a cosmologia moderna de suas predecessoras.

“A ciência natural grega se baseava na analogia entre a natureza como o macrocosmo e o homem como microcosmo; na ciência natural renascentista, ocorre a analogia entre a natureza como obra de Deus e as máquinas como obra do homem; a moderna visão da natureza é baseada na analogia entre os processos do mundo natural, estudados pelos cientistas da natureza, e as vicissitudes dos problemas humanos estudadas pelos historiadores” (COLLINGWOOD, 1986, p. 16).

Para Arendt (1972), desde o século XVII, a investigação científica, tanto histórica como natural, tem ocorrido através de processos. Para penetrar nos mistérios da criação, deve-se compreender o processo criativo. Sendo assim, não se podia compreender a natureza porque ela não pode ser criada. Através da tecnologia, são provocados processos de natureza que não ocorreriam sem a interferência humana. O homem moderno passou da qualidade de fabricação – o mundo mecanizado surgindo

com a Revolução Industrial -, onde a relação com a natureza era fornecedora de material para construção do edifício humano, para qualidade de ação – o mundo da tecnologia -, onde o homem cria os processos naturais.

O mundo no qual viemos a viver hoje (...) é muito mais determinado pela ação do homem sobre a natureza, criando processos naturais e dirigindo-se para as obras humanos e para as esferas dos negócios humanos, do que pela construção e preservação da obra humana como uma entidade relativamente permanente (ARENDT, 1972, p. 89).

À luz da expansão humana no planeta terra nos deparamos com uma assustadora capacidade de dominação que satisfaz a médio prazo os anseios individuais, porém ultrapassa a nossa capacidade de imaginação sobre o que será do futuro, quando refletimos sobre as alterações que estão a cargo dessa aptidão que nos deixa cada vez mais a mercê de nossas próprias escolhas, e nos força para um movimento contrário aquele até o momento em curso.

Para entendermos estes problemas globais, não podemos tratá-los separadamente, pois são problemas sistêmicos que estão interligados e são interdependentes. Todos os problemas são facetas de uma mesma crise, uma crise de percepção. Devemos então partir para uma mudança de nossa percepção, no nosso pensamento e nos nossos valores para garantir nossa sobrevivência (CAPRA, 1996, p. 23).

Deste modo, a fim de abordarmos as mudanças que ocorreram nas diferentes áreas do conhecimento, é necessário nos referimos ao que é um paradigma. A definição de paradigma nos é dada por Thomas Kuhn:

Paradigmas são modelos dos quais brotam as tradições correntes e específicas da pesquisa científica. Não são modelos a serem reproduzidos, mas objetos a serem articulados e precisados em condições novas (...) As teorias são conceitualizações estáticas, o paradigma corresponde a algo que vai ser construído (...) A teoria a gente aceita, enquanto paradigma é algo que a gente constrói...Um novo paradigma não surge de modo gradual, como fruto de trabalho de peritos. Ele surge explosivamente, na calada da noite, na mente de uma pessoa mergulhada em profunda crise (...) Ele se impõe pela conversão, pela persuasão, pela propaganda. (KUHN, 1962, p.23)

Segundo Altafin (1999), na agricultura esse paradigma consolidou-se no modelo de produção conhecido como “agricultura moderna” ou “convencional” que é a combinação de várias técnicas que em conjunto formam o que se denomina “pacote tecnológico”, definido como o uso de variedades de alto rendimento, cultivadas necessariamente a partir da aplicação intensiva de adubação química, combinando à aplicação sistemática de agrotóxicos, em processos de trabalho majoritariamente mecanizados.

Conforme Altieri (1989), após três décadas de implantação, o padrão convencional de agricultura tem se mostrado insustentável, não só pelo aumento da pobreza e o aprofundamento das desigualdades, mas também pelos impactos ambientais negativos causados pelo desmatamento continuado, pela redução dos padrões de diversidade preexistentes, pela intensa degradação dos solos agrícolas e contaminação química dos recursos naturais, entre outros tantos impactos. O quadro de insustentabilidade deste modelo agrava-se ainda mais quando considera-se as tendências históricas das últimas décadas que mostram uma crescente elevação do custo de produção, grande parte pelos altos custos dos insumos agrícolas, associada à queda real dos preços pagos pelos produtores.

Além disso, segundo o autor, os custos dos recursos naturais não têm sido registrados na contabilidade dos empreendimentos agrícolas. Os recursos naturais são uma forma de capital que proporciona fluxo de benefícios econômicos ao longo do tempo, as perdas em sua produtividade não têm sido incluídas nos registros contábeis, implicando que sua produtividade é de valor insignificante nos atuais sistemas de produção, mesmo que essas perdas ameacem receitas futuras.

Nesse sentido, a Figura 03 ilustra as diferentes perspectivas de desenvolvimento para o setor agrícola, estando de um lado a corrente ambiental que norteia os princípios da sustentabilidade agrícola e de outro, a corrente de pensamento mecanicista que serve de base à agricultura convencional.

Figura 03. Fluxograma ilustrando as diferentes perspectivas que conduzem o desenvolvimento da agricultura.

Segundo Gliessman (2000), a agricultura convencional está construída em torno de dois objetivos que se relacionam: a maximização da produção e do lucro. Na busca dessas metas, um rol de práticas foi desenvolvido sem cuidar suas conseqüências não intencionais de longo prazo, e sem considerar a dinâmica ecológica dos agroecossistemas. Entre essas práticas pode-se citar: o cultivo intensivo do solo, monocultura, irrigação, aplicação de fertilizante mineral de alta solubilidade, controle de pragas com agrotóxicos industrializados e manipulação genética de plantas. Segundo o autor, todas as práticas de agricultura convencional tendem a comprometer a produtividade futura em favor da alta produtividade do presente. Portanto, sinais de que as condições necessárias para sustentar a produção estão erodidas devem ficar cada vez mais evidentes com o tempo.

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