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O ponto de partida para a conceituação da agricultura familiar contemporânea pode ser apreendido em LAMARCHE coord. (1993:13)5: "independente de quais sejam os sistemas

sócio-políticos, as formações sociais ou as evoluções históricas, em todos os países onde o mercado organiza as trocas, a produção agrícola é sempre, em maior ou menor grau, assegurada por explorações familiares”, seja por representarem a ponta-de-lança do

desenvolvimento da agricultura e possibilitarem a inserção desta numa economia de mercado, seja por permanecerem arcaicas e alicerçadas numa economia de subsistência, ou ainda por constituírem a única forma capaz de satisfazer as necessidades essenciais do conjunto da sociedade.

Essa diversidade de papeis assumidos pelas explorações familiares a diferentes situações históricas e contextos sócio-econômicos, não significa, no entanto, uma referência a objetos sociológicos distintos, senão, o contrário, refletem "as diferentes faces de um mesmo

objeto”, que pode ser definido como “uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família”; a interdependência dos fatores família, terra e

5 Trata-se de um estudo realizado em cinco países (Canadá, França, Brasil, Tunísia e Polônia), por uma equipe internacional de pesquisadores, sob a coordenação de Hugues Lamarche da Universidade de Paris X- Nanterre. O esforço destes pesquisadores concentrou-se em precisar o universo da agricultura familiar quanto aos seus aspectos de diversidade e modos de funcionamento em distintas realidades históricas.

trabalho "engendra necessariamente noções mais abstratas e complexas tais como a

transmissão do patrimônio e a reprodução da exploração", e, neste sentido, “a exploração familiar é ao mesmo tempo uma memória, uma situação, uma ambição e um desafio”

(LAMARCHE coord., 1993:13-22).

Estas características aproximam, em muito, as formas modernas de agricultura familiar ao modelo camponês de produção e que, poderia, portanto, ser considerado seu "modelo

original".

O desafio colocado por estes pesquisadores consistiu em buscar o entendimento do modo de funcionamento da exploração familiar a partir de um “modelo original”, que se apresenta, muitas vezes, distinto nas diferentes sociedades estudadas e, mesmo no caso dos modelos originais serem idênticos, os produtores possuem valores e ambições diferentes em relação ao futuro (“modelo ideal”), configurando-lhes uma inegável capacidade de adaptação a situações novas, muitas vezes, adversas em termos edafo-climáticos, de acesso à terra, aos meios de produção e de ligação à economia de mercado.

A comparação entre os diferentes modos de funcionamento de explorações familiares nos países estudados foi feita a partir de uma grade de variáveis referentes ao: a) peso da família dentro da lógica de funcionamento da exploração (relação com a terra, trabalho familiar frente ao trabalho assalariado e composição familiar); e b) grau de dependência das explorações ao mercado (grau de intensificação do sistema de produção, aspectos financeiros, comercialização e auto-consumo).

Os eixos cartesianos, gerados pela aplicação de análise estatística fatorial sobre as variáveis, evidenciaram determinadas tendências predominantes: da "autarquia para a

produção de mercado" e da "tradição para a modernidade". No entanto, cabe destacar que

esses eixos não estão orientados como pontos de partida e/ou de chegada, pressupondo uma direção de evolução obrigatória da exploração familiar, ou seja, as explorações familiares não estão em um processo de evolução histórica que inexoravelmente leve a um mesmo destino.

A interação entre as lógicas familiares e o grau de dependência externa, também expressa pelos eixos, permitiram a construção de quatro modelos teóricos que evidenciaram as lógicas sociais de funcionamento da moderna agricultura familiar em nível mundial, assim denominados: empresa, empresa familiar, camponês e exploração familiar moderna (LAMARCHE coord., 1994).

Os dois primeiros modelos (empresa e empresa familiar), bastante comuns, caracterizam-se pela situação de grande dependência das explorações em relação ao nível tecnológico da produção (agricultores muito tecnificados com produção voltada para o mercado de massa), aos investimentos freqüentes visando a melhoria dos meios de produção e, ao consumo, particularmente no atendimento às necessidades alimentares da família.

A diferenciação entre eles se estabelece no espaço e no papel atribuído à família dentro de suas lógicas de funcionamento. Na empresa, a família não ocupa um espaço central na tomada de decisões e na definição de estratégias; a terra é um instrumento de trabalho ou até mesmo um objeto de especulação; a família participa pouco ou quase nada nas tarefas agrícolas e as ambições futuras não estão necessariamente ligadas à reprodução da exploração. Na empresa familiar, ao contrário, os interesses do conjunto familiar determinam, na maior parte das vezes, a tomada de decisões; a terra é um patrimônio familiar que assegura a continuidade do grupo; a terra para cultivo alimentar garante sua sobrevivência mínima; a família realiza o essencial do trabalho agrícola; e, todos os projetos para o futuro são organizados para satisfazer os interesses de seus membros.

O terceiro modelo, o camponês, também bastante comum, caracteriza-se por explorações estruturadas sobre fundamentos essencialmente familiares e fortemente independentes em relação ao mercado. Os autores chamam a atenção que, segundo os contextos sócio-econômicos locais (sobretudo na Polônia e Tunísia), é preciso distinguir as explorações camponesas daquelas chamadas de “produção de subsistência”. A função de sobrevivência é sem dúvida marcante no modelo camponês mas, muitas vezes, não se reduz apenas a isto; a vontade de preservação e de crescimento do patrimônio familiar é também parte constitutiva deste modelo.

O último modelo, apesar de pouco conhecido, está presente em numerosas explorações estudadas. Enquadram-se nele cerca de 25% do total de explorações pesquisadas e mais de 45% das brasileiras6. Trata-se da exploração familiar moderna que, ao mesmo tempo que é pouco familiar, em comparação aos demais modelos, conserva sua independência em relação ao mercado.

Com relação às lógicas familiares, o agricultor familiar moderno permanece bastante preso à noção de patrimônio (há o desejo de desenvolver o patrimônio familiar, do qual é herdeiro, e deixá-lo para seus sucessores). O trabalho familiar ocupa um espaço menor na realização das tarefas agrícolas e o uso de mão-de-obra externa, muito mais temporária que permanente, está presente em todas explorações deste grupo. Do ponto de vista das lógicas produtivas, aparentemente, o agricultor familiar moderno procura preservar um certo grau de autonomia, “afastando-se” dos extremos (modelos camponês e empresas); observa-se um reduzido engajamento financeiro e uma forte retração em relação ao mercado, já que a maior parte da produção é reutilizada para as necessidades da exploração ou para o autoconsumo das famílias; ela jamais é totalmente comercializada.

Complementando esse quadro conceitual mais genérico sobre a moderna agricultura familiar é fundamental alguns estudos, mais específicos sobre a realidade brasileira, que buscaram precisar parâmetros delimitadores do universo das unidades produtivas familiares com o intuito de superar as limitações metodológicas das análises baseadas ou no tamanho do estabelecimento rural ou no valor da produção para avaliar o peso e significado social e econômico desse segmento.

KAGEYAMA & BERGAMASCO (1989/1990) e BERGAMASCO (1993:8) definiram como fator fundamental para diferenciar a agricultura familiar "o peso relativo do trabalho

assalariado (ou contratado) no conjunto da força de trabalho necessária à exploração do estabelecimento". Concluíram que dos 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários

brasileiros recenseados em 1980, nada menos que 3,7 milhões (71%) faziam uso da mão-de- obra familiar, ocupando mais de 150 milhões de hectares (42% da área total) e 74% das pessoas empregadas na agricultura. Considerando apenas as unidades puramente familiares, que não contratam nenhum tipo de trabalho externo à família, os dados apontaram para 2,2 milhões de estabelecimentos, somando uma área de 48 milhões de hectares e ocupando 37% do pessoal da agricultura.

No estado de São Paulo, dos 273 mil estabelecimentos rurais, 148.927 (54,5%) eram unidades de produção familiar, ocupando 29% da área cadastrada e participando com 35% do valor total da produção agropecuária paulista, sendo que 75 mil estabelecimentos (27,6% do total) eram familiares puros, 49 mil (18,2%) foram classificados como familiares, por contratarem eventualmente mão-de-obra temporária, mormente nas épocas de colheitas e, 24 mil (8,7% do total) constituíam-se em empresas familiares por empregarem mão-de-obra

externa à família na forma de assalariamento permanente, parceria ou outra condição, podendo ou não usar empregados temporários.

WANDERLEY (1988), estudando os agricultores familiares de algodão de dois municípios paulistas (Leme e Araras), concluiu que a propriedade da terra, o nível tecnológico e a natureza do trabalho familiar representavam os principais elementos diferenciadores das unidades familiares de produção, identificando quatro categorias de produtores. Nas empresas familiares, as propriedades eram mais extensas, o trabalho familiar estava ligado à gestão do estabelecimento e fiscalização da mão-de-obra empregada e, a contratação do trabalho assalariado se dava, especialmente, nas épocas de colheita. A segunda categoria era representada pelos produtores cujas famílias assumem, além das tarefas de gestão e fiscalização acima citadas, a realização das operações de colheita do algodão. No terceiro grupo, estão os produtores que não tinham a lavoura totalmente mecanizada e portanto, suas famílias realizam as tarefas manuais da produção, além das já citadas. Por fim, a categoria dos produtores não proprietários (parceiros) que eram contratados, juntamente com seus familiares, pelos proprietários da terra como força de trabalho complementar.

Focalizando também a questão do trabalho na agricultura, ABRAMOVAY et al. (1995) montaram uma estratificação baseada na relação entre uso do trabalho familiar e não familiar no interior dos imóveis rurais do estado de São Paulo7, em termos de tempo de trabalho. Foram estabelecidas quatro classes de imóveis: a classe 1, composta por imóveis que não recorriam a qualquer forma de trabalho assalariado (nem permanente, nem temporário); a classe 2, por aqueles que empregavam o trabalho assalariado (permanente ou temporário) numa proporção de tempo menor que do trabalho familiar; na classe 3, ao contrário, a quantidade de trabalho assalariado era superior ao familiar; e, por fim, na classe 4, não ocorria nenhum tipo de trabalho familiar.

A partir desta estratificação foram correlacionados dados sobre área, produção, dias- homens empregados, participação na oferta de cada produto e participação no total da produção agropecuária paulista. Os resultados mostraram a predominância econômica da agricultura patronal (classes 3 e 4) uma vez que, congregando pouco mais de um terço dos

7 Os autores trabalharam com os questionários do Levantamento de Previsão e Estimativa de Safra Agrícola do Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, para o ano de 1991, referentes a 3.622 imóveis os quais representam o universo da agropecuária paulista composta por proprietários, arrendatários e parceiros.

imóveis, respondiam por mais de dois terços do valor da produção agropecuária paulista e por 60,24% do conjunto de dias-homens empregados. No entanto, os autores alertam que não se pode "deduzir desta predominância econômica da agricultura baseada no assalariamento,

que as unidades familiares em São Paulo sejam globalmente marginais, pobres ou pequenas."

(ABRAMOVAY et al., 1995:146).

De um modo geral, o desempenho econômico da agricultura familiar aproximava-se da média verificada no estado, ocorrendo, porém, algumas diferenças importantes entre os imóveis da classe 1 (baseados na mão-de-obra exclusivamente familiar) e da classe 2 (não exclusivamente familiares). Os imóveis exclusivamente familiares (classe 1) representando 50,87% do universo de informantes, ocupavam 20,91% da área, despendiam 28,85% dos dias- homens e respondiam por pouco mais de 16,77% do valor da produção. O confronto desses parâmetros mostrou que o trabalho utilizado neste segmento não se refletia proporcionalmente no valor obtido pela comercialização da produção. Nessa classe encontravam-se as maiores participações dos três produtos sabidamente de difícil valorização econômica (14,6% do valor da produção gerada neste grupo vem do milho, 13,88% do café e 10,09% do leite). Na classe 2, esse quadro se altera; os imóveis predominantemente familiares eram da ordem de 12,85% do total de informantes, respondiam por 16,08% do valor da produção realizada em 12,85% da área total e utilizavam apenas 11,16% dos dias-homens. Para os autores, esse segmento apresenta um desempenho econômico invejável, valorizando o trabalho numa proporção acima da média do estado, gerando um valor de produção proporcionalmente superior à área total ocupada e destacando-se nas atividades ligadas à produção animal, especialmente de bovinos, suínos, aves e ovos.

Outros estudos envolvendo o conjunto da agricultura brasileira, como o do projeto de cooperação técnica entre a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 1994, buscaram, também, delimitar essa população separando, num primeiro momento, os

produtores familiares dos não familiares (patronais) e, em seguida, detalhando, em geral

com subdivisões, a primeira categoria.

A partir de estimativas por aproximações sucessivas, o documento FAO/INCRA (1994) apresenta uma sinopse indicativa do quadro estrutural da agricultura brasileira em 1994, na qual a categoria patronal estava representada por apenas 7% dos estabelecimentos agropecuários do país, ocupando, no entanto, 300 milhões de ha (75% da área total) e

empregando tão somente 20% do pessoal ocupado na agricultura. Na categoria familiar enquadravam-se 6,5 milhões de estabelecimentos (93%), ocupando apenas 25% da área, porém abrigavam quatro vezes mais mão-de-obra que a agricultura patronal.

VEIGA (1995), trabalhando com tabulações especiais do Censo Agropecuário de 1985, montou uma estratificação dos estabelecimentos agropecuários segundo níveis de Renda Monetária Bruta (RMB)8. Como limite de separação das unidades patronais das não-

patronais, foi adotado o critério da existência de trabalhadores assalariados permanentes no

estabelecimento ou de mais de cinco empregados temporários em algum mês do ano. Para definir os intervalos de renda necessários à estratificação, calculou-se as RMBs média e mediana para cada unidade geográfica do país (das micro às grandes regiões homogêneas da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - FIBGE).

Com isso, o autor concluiu que 68% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros eram não-patronais (cerca de 3,9 milhões), detinham 21% da área total (78 milhões de ha) e ocupavam 54% do pessoal agrícola (12,6 milhões de trabalhadores). Em termos de Renda Monetária Bruta (RMB), 17,8% desses estabelecimentos apresentavam renda acima da média, sendo denominados de familiares; 16,5% enquadraram-se na categoria familiar de baixa

renda pois detinham renda situada entre a média e a mediana e, 34,2% registravam renda

abaixo da mediana, constituindo, segundo o autor, uma franja periférica ao setor, "que não

podem ser entendidos como verdadeiras unidades de produção agropecuária" e nos quais,

muito provavelmente, deveria ocorrer algum tipo de renda externa, seja proveniente do assalariamento ou de outras ocupações rurais ou urbanas.

Recentemente, o Projeto de Cooperação Técnica FAO/INCRA publicou um novo trabalho aprofundando e refinando a metodologia adotada anteriormente no estudo de 1994. O universo dos agricultores familiares foi definido pelos estabelecimentos que atendiam, simultaneamente, as seguintes condições: a) a direção dos trabalhos no estabelecimento era

8 O autor destaca que optou em trabalhar com a Renda Monetária Bruta (medidos em termos de salários mínimos) e não com a simples Renda Bruta, a qual incluiria as estimativas sobre o valor da produção não vendida (auto-consumo), porque no atual estágio de desenvolvimento brasileiro, por mais garantia que o agricultor possa obter com o auto-abastecimento, é absolutamente necessário um mínimo de renda monetária (VEIGA, 1995:5).

exercida pelo produtor e b) o trabalho familiar (UTF) era superior ao trabalho contratado (UTC)9 (GUANZIROLI & CARDIM coord., 2000).

Com base nos microdados do Censo Agropecuário de 1995/96, os autores observaram que: 4.139.369 estabelecimentos agropecuários brasileiros eram familiares (85,2% do total), ocupavam 107,8 milhões de hectares (30,5% do total), respondiam por R$18,1 bilhões do valor bruto da produção (37,9% do total); no entanto, receberam apenas 25,3% do total dos financiamentos rurais (R$937 milhões). Os patronais, ou não familiares, estavam representados por 11,4% dos estabelecimentos, ocupavam 67,9% da área, respondiam por 61,0% do valor bruto da produção total e concentravam 73,8% dos recursos do financiamento rural. Esses dados evidenciaram, segundo os autores, que os agricultores familiares demonstram maior eficiência que os patronais, tendo em vista que produzem, proporcionalmente, mais com menos recursos.

As desigualdades entre familiares e patronais, desfavoráveis aos primeiros, foram registradas, ainda, por outros indicadores relevantes: área média do estabelecimento (respectivamente 26ha e 433ha); renda média total por estabelecimento (R$2.717,00/ano e R$19.085,00/ano) e renda média monetária por estabelecimento (R$1.783,00/ano e R$16.400/ano). No entanto, a eficiência da agricultura familiar ficou novamente demonstrada pelo cálculo da renda total por unidade de área: os familiares produziam uma média de R$104,00/ha/ano enquanto que os patronais, menos da metade disso, R$44,00/ha/ano.

Quanto às suas características gerais, os familiares eram, em maioria absoluta, proprietários da terra (74,6% do total familiar), ocupavam estabelecimentos de pequeno a médio porte (87% possuem menos de 50ha), representavam a principal fonte geradora de emprego no meio rural e respondiam por 76,9% do pessoal ocupado; porém, apresentavam uma base produtiva incompleta e parcial em termos de modernização tecnológica: uso restrito da mecanização agrícola (27% do total), de adubos e corretivos (36,7%) e acesso à assistência técnica (16,7%).

9 A UTF (unidade de trabalho familiar) corresponde à somatória do pessoal ocupado da família de 14 anos e mais e a metade do pessoal ocupado da família com menos de 14 anos. A UTC (unidade de trabalho contratado) refere-se ao valor total das despesas com mão-de-obra contratada (salários + valor da quota-parte entregue a parceiros empregados + serviços de empreitada de mão-de-obra) dividido pelo valor do custo médio anual de um empregado no meio rural regional, ou seja, a diária estadual multiplicada por 260 dias (GUANZIROLI & CARDIM (Coord.), 2000:12-13).

Por fim, como síntese desse tópico, constata-se que no Brasil o modelo de desenvolvimento agrícola socialmente reconhecido foi, historicamente, a grande propriedade, que desfrutou de inúmeras políticas públicas no sentido de sua modernização, garantido-lhe sua reprodução. A agricultura familiar, ocupando sempre uma posição secundária e subalterna na sociedade brasileira, foi "bloqueada" em suas possibilidades enquanto forma social específica de produção (WANDERLEY, 1996:2).

Nossos agricultores familiares conviveram e convivem com vários limites ao seu desenvolvimento, definidos pelas dificuldades de acesso à propriedade da terra, pelo caráter parcial e incompleto de modernização tecnológica e pela necessidade de recorrer ao trabalho assalariado externo, seja para completar a força de trabalho familiar demandada pela exploração da unidade produtiva, seja pelo seu próprio assalariamento, ou de familiares, para ingresso de renda complementar.

No entanto, estratégias produtivas como produção para autoconsumo, aproximando o agricultor familiar ao camponês pela produção de subsistência, ou assalariamento fora da propriedade, impondo-lhe a condição de trabalhador rural, longe de representarem sinais de fragilidade ou de decomposição da própria condição de produtor agrícola, constituem-se elementos que conferem maior segurança aos agricultores diante de situações de risco, valorizando sua condição de agricultor e de manutenção do patrimônio familiar, especialmente a terra. Ademais, sua permanência na condição de agricultor fica objetivamente comprovada pelo importante papel desempenhado na ocupação da força de trabalho rural, na geração de renda e eficiência técnico-econômica das exploração agrícolas familiares.