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2.2 A pequena produção agropecuária no Brasil: origem, evolução, importância e

2.2.1 A agropecuária familiar e o Pronaf

Nesta seção é analisada a literatura que aborda alguns aspectos referentes à definição de agricultura familiar, à sua relação com o pequeno estabelecimento, às questões econômicas e de desempenho dos produtores familiares.

O conceito de agropecuária familiar6 no Brasil passa, necessariamente, pela definição de área envolvendo a pequena produção agropecuária, ou seja, para uma unidade produtiva agrícola ser considerada familiar, ela, obrigatoriamente, tem que ser um pequeno estabelecimento, mas o inverso não é verdadeiro. Em suma, todo estabelecimento caracterizado como agropecuária familiar tem que ser pequeno (em área), mas nem todo pequeno estabelecimento (em área) é de agropecuária familiar, não obstante haver uma correlação altamente positiva entre pequeno estabelecimento e agricultura familiar.

Houve, anteriormente, grandes discussões acerca da agropecuária familiar, gerando vários conceitos, interpretações e propostas oriundas de diferentes classes representativas e/ou preocupadas com o tema. Não é pretensão do trabalho discutir todos os conceitos propostos7, contudo, abordam-se dois conceitos que, provavelmente, melhor caracterizem esse segmento no Brasil. Esses conceitos são o de Guanziroli e Cardim (2000) e o colocado na lei 11.326 de 24/07/2006.

O conceito de agropecuária familiar utilizado por Guanziroli e Cardim (2000) aborda as relações sociais de produção e engloba três aspectos centrais: i) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela executados são realizados pelos indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou matrimônio; ii) a maior parte do trabalho é realizada pelos membros da família gestora da unidade produtiva; e, iii) a propriedade dos meios de produção pertence à família e a gestão é repassada entre os integrantes ao longo das gerações. O conceito utilizado pelos autores está baseado em duas condições: “... a) a direção dos trabalhos do estabelecimento era exercida pelo próprio produtor; b) o trabalho familiar era superior ao trabalho contratado”.

Guanziroli e Cardim (2000) calcularam o limite superior das unidades produtivas familiares das regiões brasileiras de acordo com o conceito de módulo fiscal (conforme a Lei 11.326), em que a pequena produção corresponde ao imóvel rural cuja área situa-se entre 1 e 4 módulos fiscais. Essa área corresponde a 1.122 ha no Norte, 694,5 ha no Nordeste, 769,5 ha no Centro-Oeste, 384 ha no Sudeste e 280,5 ha no Sul do Brasil.

O critério de delimitação da área da unidade produtiva agrícola resulta em situações em que um determinado tamanho de unidade produtiva pode ser caracterizado como sendo familiar em certa região, mas em outra região não obter tal classificação.

6 A terminologia “agricultura” familiar usualmente difundida na sociedade traz algumas imperfeições

conceituais, pois o termo agricultura refere-se somente às atividades de lavoura, excluindo-se a pecuária. Por essa razão, faz-se uso do termo “agropecuária” familiar, mesmo ciente de que o Pronaf financia atividades no meio rural, mas que não são agrícolas, deixando escapar outra imprecisão conceitual no nome do programa.

O conceito oficial de agropecuária familiar é o da Lei No 11.326, que foi sancionada em 24 de julho de 2006, e que estabeleceu as diretrizes para a formulação da política nacional da agricultura familiar e empreendimentos rurais familiares. Esta lei diz que:

Art.3o Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor

familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:

I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;

II - utilize predominantemente mão de obra da própria

família nas atividades econômicas do seu

estabelecimento ou empreendimento;

III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;

IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. (BRASIL, 2006).

Os dados do IBGE (2009b) mostraram que 55,3% dos estabelecimentos agropecuários familiares no Brasil possuem até 10 ha, contudo esse estrato de área (de 0 10 ha) ocupa apenas 8,9% da área total da agropecuária familiar. O estrato de área do pequeno estabelecimento (de 0 50 ha) representa quase 90% dos estabelecimentos familiares e ocupam 49% da área total da agropecuária familiar. A área média dos estabelecimentos de agricultura familiar, segundo o censo agropecuário 2006 da agricultura familiar é de 19,42 ha, ou seja, a porção de terra é bem inferior ao limite máximo estabelecido de até 4 módulos fiscais. Os dados de área e número dos estabelecimentos da agricultura familiar divididos em estratos de área podem ser visualizados no Apêndice A.

Desde a implementação do Pronaf, alguns estudos foram conduzidos no intuito de avaliar questões políticas e creditícias (como o montante e a distribuição dos recursos) relacionadas a esse programa. Entre esses estudos se destacam: Ferreira, Silveira e Garcia (2001), Tonneau e Sabourin (2007), Abramovay e Veiga (1999), Mattei (2006), Guanziroli (2007), Souza, Ney e Ponciano (2011).

Ferreira, Silveira e Garcia (2001) argumentaram que a convivência desigual entre a agropecuária familiar e a patronal ao longo dos tempos não ocorreu sem pressão social dos grupos relacionados à primeira, pois além de a agropecuária patronal (moderna) ter acesso integral aos mercados, esta conseguiu produzir com alta produtividade, enquanto que em muitas partes do Brasil há apenas nichos de agropecuária familiar com algumas dessas características.

De acordo com Ferreira, Silveira e Garcia (2001), a pressão dos movimentos sociais no embate das destinações orçamentárias mediante decisões políticas foi primordial na criação das políticas públicas voltadas ao atendimento da agropecuária familiar e na percepção de que o desenvolvimento do país também surge no fortalecimento da pequena produção agropecuária.

Tonneau e Sabourin (2007) demonstraram, de forma sistemática, a diversidade e a importância da agropecuária familiar no Brasil, bem como abordaram as interações, dinâmicas e mobilizações da agropecuária familiar com os movimentos sociais, na geração de políticas públicas no meio rural destinadas ao fornecimento de crédito, assistência técnica e extensão rural, capacitação e valorização/qualificação dos seus produtos. Os autores abordaram, de forma específica, a agropecuária familiar e o Pronaf como uma forma de política nacional para o fortalecimento dos estabelecimentos/empreendimentos familiares situados no meio rural.

Abramovay e Veiga (1999) analisaram alguns aspectos da distribuição dos recursos do PRONAF. Os autores verificaram desigualdade na distribuição dos recursos no fomento da infra-estrutura, assim como foi verificada a concentração na concessão dos créditos de custeio e investimento no sul do país e entre os agricultores integrados à agroindústria.

Mattei (2006) analisou a distribuição dos recursos do PRONAF de 1999 até 2005 e também verificou concentração do mesmo na região Sul e entre os agricultores dos grupos C e D, os quais possuem maior grau de integração às agroindústrias.

Guanziroli (2007) avaliou a eficiência e a eficácia do PRONAF na geração de renda e na melhoria das condições de vida dos beneficiados pelo programa, mas não apresentou conclusões definitivas sobre essa eficiência e eficácia. O autor abordou que o programa permitiu que as famílias beneficiadas investissem em suas atividades e ampliassem a área plantada. O autor também questionou a natureza de parte do programa no que se refere à capacidade de pagamento dos beneficiados, bem como do forte subsídio atrelado ao PRONAF A (destinado aos assentados da reforma agrária) e B (destinado ao miniagricultor familiar, os quais eram, anteriormente, excluídos das linhas de financiamento. Esses últimos são produtores com renda bruta anual de até R$ 1.500,00 e não utilizam qualquer tipo de mão de obra não familiar.

Souza, Ney e Ponciano (2011) verificaram diminuição da concentração do crédito rural destinado ao Pronaf até 2006, porém, em 2007 e 2008 houve piora na distribuição do crédito, ou seja, houve elevação da concentração do crédito nos estados da

região Sul e em Minas Gerais, atribuindo essa elevação à maior participação da agropecuária familiar modernizada (a qual está mais vinculada ao mercado e às agroindústrias).

Os dados do Apêndice B evidenciam a concentração dos recursos do PRONAF na região Sul do país (40,8% do total concedido em 2006) e em Minas Gerais (12%), refletindo o maior capital social dos sulistas, bem como da maior presença de agroindústrias na região. Embora o percentual de estabelecimentos e área de agropecuária familiar na Bahia seja expressivo, o volume de recursos captado por esse estado no PRONAF (5,7% do nacional) não condiz com a importância desse segmento.

Infelizmente, em decorrência da insuficiência de informações relacionadas à agropecuária familiar, utiliza-se, no presente estudo, o estrato de área do pequeno estabelecimento como uma “proxy” da agropecuária familiar.