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3. O DIREITO DE PROPRIEDADE COMERCIAL DO SOJICULTOR

3.1. AJPE como alternativa metodológica

A atenção predominante da doutrina e da jurisprudência brasileiras às formas jurídicas fossilizadas em concepções como as de “institutos jurídicos” e de “natureza jurídica” ainda mantêm o direito brasileiro preso a categorias jurídicas típicas do século XIX. Daí a crítica da atual cultura jurídica brasileira elaborada em Castro (2012, p. 21- 22, 217-223). O contexto atual, de fato, confronta o direito brasileiro com um grande desafio: encontrar uma linguagem jurídica e métodos analíticos juridicamente relevantes que facilitem ao jurista compreender, dialogar com outras disciplinas e encaminhar soluções e alternativas relativas a fenômenos como a economia digital, criptomoedas, financeirização global, regulação algorítmica, dentre outros temas sequer cogitados no século XIX (ver CASTRO, 2018b, p. 456-458).

No cenário jurídico, a AJPE como proposta metodológica (i) estabelece diálogo interdisciplinar sem abandonar a preocupação com ideais de justiça enquanto compromisso fundamental do Direito, para isso propondo (ii) “conciliar a funcionalidade e a produtividade da economia, de um lado, e, de outro, a equânime proteção aos direitos fundamentais dos indivíduos e grupos” (CASTRO, 2009, p.21, CASTRO e FERREIRA, 2018). De outra perspectiva, a AJPE “procede de modo a pesquisar se determinada política pública ou política econômica, inclusive seus elementos presentes nas redes ou agregados contratuais, atende a requisito de ‘concretização’ ou ‘efetividade’ de direitos

fundamentais e direitos humanos” (CASTRO, 2009, p. 40 e CASTRO e FERREIRA, 2018).

Revela-se, ademais, como abordagem jurídica inovadora, pois, apoiando-se em diferentes áreas do saber, tais como Direito, Economia, Sociologia e Antropologia Econômicas, Estatística, História da Matemática etc, busca (des/re)construir categorias jurídicas legadas de nossa secular tradição jurídica.

Ao estimular tamanha abertura interdisciplinar, a AJPE refuta análises herméticas e autorreferidas. Justamente por tal característica, a AJPE permitiu, por ocasião do presente trabalho, um olhar crítico sobre premissas da Economia dos Custos de Transação (ECT) e sobre o uso exacerbado de linguagem matemática em artefatos computacionais com indubitáveis repercussões sobre a fruição empírica de direitos fundamentais. Permitiu, ainda, a interlocução e articulação entre premissas jurídicas e conceitos da Sociologia Econômica, especialmente da Economia das Convenções (EC).

Nesse sentido, a AJPE supera o simplismo das teorias jurídicas largamente influentes no Brasil, que adotam, basicamente, os seguintes pressupostos: (1) interpretação formal da lei; (2) interpretação substantiva da lei, calcada em propósito idealmente justificado de favorecer os que são percebidos como mais vulneráveis e injustiçados; (3) cálculo prudencial de natureza abstrata e genérica, mediante a técnica da “ponderação de valores”; (4) Análise Econômica do Direito (AED), que adequa o cálculo prudencial à teoria econômica neoclássica para encontrar uma solução “mais eficiente”, tida como decisão juridicamente correta, apta a dirimir conflitos de interesses (CASTRO, 2009, p.20)

Adensando os elementos conceituais da AJPE, Castro e Ferreira (2016, p. 1995) definem essa perspectiva como

Uma corrente interdisciplinar de direito e economia que, entre seus contornos principais, focaliza a fruição empírica de direitos subjetivos, propõe uma noção de justiça econômica articulada em termos jurídicos (fruição equânime de direitos de produção e de consumo), e reformula categorias jurídicas para gerar novas metodologias de análise.

Focada na “fruição empírica dos direitos”, a perspectiva da AJPE sempre pressupõe a presença, na fruição, de diferentes padrões de relações sociais e institucionais contextualizadas, normalmente sob a forma de interações contratuais (CASTRO, 2014, p. 44). A concepção de direitos, assim, pode ser traduzida como interesses institucionalmente estabilizados (CASTRO, 2010, p.169). Nesse sentido, a AJPE incorpora a classificação dicotômica de Max Weber que distingue os “interesses

materiais” dos “interesses ideais”. A conhecida frase de Weber (“Não ideias, mas

interesses materiais e ideais, governam diretamente as ações dos homens”) e o debate

sociológico respectivo tornam-se relevantes aqui115.

Exemplo típico, em sociedades modernas contemporâneas, desses direitos subjetivos ou interesses institucionalizados é o direito de propriedade. Sob a AJPE, tal direito subjetivo (que é simultaneamente um direito fundamental), corresponde a um feixe de interesses que alcançou, por um tempo específico, um elevado grau de estabilidade, situação aliás que pode ser reconfigurada mediante novas interações institucionais (CASTRO, 2018, p. 96-97).

Para a AJPE, o desenvolvimento econômico numa sociedade capitalista deve combinar de maneira harmônica não somente os “direitos de consumo”, mas também os chamados “direitos de produção”116 e, sobretudo, a efetiva fruição empírica de tais

direitos. Nesses termos, a AJPE preocupa-se com o equilíbrio entre “direitos de consumo” e “direitos de produção”. Assim, Castro aponta (2018a, p. 137-138:

(...) a economia de mercado não pode prescindir de coordenar a produção e o consumo, portanto, articulando funcionalmente num todo a fruição dos direitos de consumo com a dos direitos de produção. A ênfase na proteção aos direitos de produção pode ser exagerada e redundar no aprofundamento da injustiça social. Contudo, a proteção dada ao consumo, impulsionada por idealismos em prol da justiça social, pode também ser exagerada e coarctar ou comprometer definitivamente a capacidade de uma sociedade promover a produção competitiva. No limite, sendo suprimida propriedade [privada] comercial (essa foi a opção do socialismo real), destrói-se a economia de mercado e a dinâmica transformativa que lhe é inerente.

A reformulação, portanto, de categorias jurídicas tradicionalmente vinculadas a concepções abstratas de direito, fundadas em formulações metafísicas ou formalismos vazios (característica do Positivismo Jurídico) parte da indispensável contextualização empírica da realidade social. Segundo Castro (2014, p. 44):

(...) a [abordagem da] AJPE rejeita concepções de direito subjetivo que remetam seja a entidades metafísicas (por exemplo, direitos naturais), seja a referenciais normativos considerados como estabelecidos de

115 Ver Castro (2018, p. 29) para mais referências.

116 A distinção entre “direitos de consumo” e “direitos de produção é importante na perspectiva da AJPE. Conforme explicita Castro (2018a, p. 135): “[A] AJPE considera importante distinguir, dentre os direitos fundamentais e direitos humanos, os que, de um lado, do ponto de vista da organização da economia, se relacionam mais à produção, e, de outro, os que estão na órbita do consumo. Isto permite classificar os chamados ‘direitos sociais, econômicos e culturais’ (DESCs) genericamente como ‘direitos de consumo’ – não importando se forem aplicáveis ao consumo de um indivíduo ou de um grupo. Outros direitos (exemplarmente, o direito de propriedade e a liberdade relativamente irrestrita de contratar) são vistos como centralmente implicados nas esferas da produção e da troca econômica. Estes, portanto, são classificados genericamente como ‘direitos de produção’”.

modo incontroverso pelo direito positivo. A abordagem da AJPE tampouco aceita a utilidade de qualquer noção de direito abstrato e descontextualizado.

Fixadas tais premissas e antes de abordar a dinâmica interdisciplinar entre Direito e Sociologia Econômica - ou, mais pontualmente, AJPE e Economia das Convenções (EC) -, impõe-se explicitar o contraste entre referida proposta e a defendida pela Economia dos Custos de Transação (ECT) e pela Análise Econômica do Direito (AED).

3.2. Limitações da Economia dos Custos de Transação (ECT) e da Análise