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3. O DIREITO DE PROPRIEDADE COMERCIAL DO SOJICULTOR

3.5. Análise de Portfólio: minutas contratuais típicas de exportação de soja commodity

3.5.3 Possibilidades regulatórias

Diversos interesses materiais e ideais, bem como direitos subjetivos fundamentais de vários atores e/ou agentes econômicos da cadeia da soja commodity padrão exportação poderiam ser atendidos, contemplados, ampliados, restringidos, sobretudo por meio de iniciativas regulatórias qualitativas. Tanto no que diz respeito a “conteúdos de utilidade de interesse público”, com destaque para a uniformização dos critérios de classificação oficial da qualidade do grão no mercado interno e internacional, quanto no tocante a “conteúdos monetários de interesse público”, mais especificamente normas tributárias sobre a exportação de soja em grão. Iniciativas como essas certamente influenciariam novos desenhos ou arquiteturas negociais de minutas contratuais como as estudadas, influindo, por conseguinte, sobre outros portfólios vinculados ou conexos e, em última análise, sobre os respectivos agregados contratuais.

Aqui, retomam-se alguns dos desafios jurídicos já lançados na seção 1.4, no início deste trabalho: Como o Direito e os juristas podem recuperar o protagonismo no contexto de dinâmicas interdisciplinares que se estabelecem com as chamadas “áreas técnicas”? Qual o potencial do Direito e qual o papel dos juristas diante do desafio de abordar, avaliar e/ou encarar fatos relevantes e sua possível transformação? Como (des/re)construir ideias, conceitos e instituições relativas ao agronegócio brasileiro e aos direito de propriedade de agricultores brasileiros de soja commodity, de sorte a favorecer a noção de desenvolvimento rural e de mercados agrícolas sustentáveis, equitativos, inclusivos e, portanto, justos?

164 Aprosoja, “Fim da Lei Kandir será retrocesso para a economia brasileira, aponta estudo”. Disponível em: < https://aprosojabrasil.com.br/comunicacao/blog/2019/10/21/fim-da-lei-kandir-sera-retrocesso-para- a-economia-aponta-estudo-encomendado-pela-aprosoja-brasil/>. Acesso em: 07 Mar. 2020.

A essa altura, algumas respostas já podem ser encaminhadas.

Primeiro: o Direito deve se dirigir à realidade vivida. Os juristas, por sua vez, diante de desafios contemporâneos que demandem trabalho interdisciplinar, devem assumir postura crítica e engajada no sentido de auxiliar a desconstruir e também reconstruir ideias, conceitos e instituições, especialmente com o auxílio da pesquisa empírica, valendo-se, predominantemente, dos aportes da Economia das Convenções (EC).

Segundo: o Brasil já dispõe de legislação que, com base em analogia que tenha por referência os contratos de compra e venda, pode ser aplicada às operações de barter165

ou a quaisquer outras avenças do complexo da soja commodity padrão exportação quando o objetivo precípuo for a comercialização do grão no mercado internacional. A Lei nº 13.288/2016166, idealizada para contratos de integração vertical no agronegócio, parece

ter sinalizado na direção de um maior equilíbrio nas relações contratuais167, haja vista (a)

exigência de que a relação de integração se caracterize pela conjugação de recursos e esforços e pela distribuição justa dos resultados; (b) exigência de que os contratos de integração vertical sejam redigidos de maneira clara, precisa e lógica, devendo tratar de requisitos mínimos obrigatórios, sob pena de nulidade; (c) criação de Fóruns Nacionais de Integração (Foniagros), por setor produtivo ou cadeia produtiva, órgão que deve ter composição paritária entre produtores integrados e integrador(es); (d) criação de Comissões de Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadec) em cada unidade integradora e os produtores a ela integrados, com função primordial de

165 Tal instrumento, em que pese identificar-se predominantemente com um contrato de permuta de insumos por produto agropecuário, na prática, envolve diferentes negócios jurídicos, tais como compra e venda, cessão de crédito e até operação de vendor. Essa última, consiste em operação por intermédio da qual uma instituição financeira se compromete perante um fornecedor de mercadorias e/ou serviços a abrir uma linha de crédito em favor de terceiros adquirentes desses bens e/ou serviços, financiando as aquisições e recebendo a garantia do vendedor das mercadorias e/ou serviços (ÁVILA, 2017, p. 26-30). Diante disso, as operações de barter poderiam ser definidas como “uma operação para a qual se utilizam vários contratos coligados e em que, necessariamente, há um contrato de permuta em que uma parte se obriga a transferir, à outra, insumos agrícolas, recebendo, em contraprestação, o produto rural” (Ibidem, p. 56).

166 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13288.htm>. Acesso em: 17 Fev. 2020.

167 Antes mesmo de contar com uma definição legal, os contratos de integração vertical já eram definidos pela doutrina “como o instrumento contratual firmado entre produtor agrícola, individual ou associado, e empresa de transformação industrial ou comercial, individual ou grupo econômico e que estabelece recíprocas obrigações de fornecimento de produtos ou serviços, segundo as orientações e critérios técnicos convencionados. [...] Conclui-se, pois, pela caracterização dos contratos de integração vertical no Brasil como categoria contratual mista cujo conceito conjuga os elementos da reciprocidade das obrigações de dar e fazer, e de co-operação econômica (grifos nossos)”. Cf. BURANELLO, Renato. Sistemas Agroindustriais e Contratos de Integração Vertical. In: Agriforum. Disponível em:

<http://agriforum.agr.br/sistemas-agroindustrias-e-contratos-de-integracao-vertical/>. Acesso em: 05 Mai.2020

prevenir o surgimento de conflitos entre os envolvidos; (e) adequada repartição das responsabilidade ambientais e fitossanitárias entre produtores integrados e integrador(es); (f) previsão de metodologia para o cálculo do valor de referência da remuneração do integrado, a ser definida no âmbito dos respectivos Foniagros, devendo-se observar, necessariamente, os custos de produção, os valores de mercado dos produtos in natura, o rendimento médio dos lotes, dentre outras variáveis, pertinentes a cada cadeia produtiva168.

Assim, as relações contratuais entre atores e/ou agentes econômicos, especialmente as de compra da soja commodity padrão exportação produzida por agricultores brasileiros, poderiam se dar sob as regras da Lei nº 13.288/2016, e não sob parâmetros de “livre mercado” conforme recomendado pela inespecifidade do ativo soja

commodity, tendo em vista a integração vertical e concentração de mercado que já existem

tanto “antes” quanto “depois da porteira” na cadeia da sojicultura169.

Terceiro: os ferramentais teóricos “Análise Posicional” e "Análise de Portfólio" da AJPE podem ser bastante úteis na missão de aferir a fruição empírica do direito de propriedade comercial (ou de qualquer outro direito subjetivo) do agricultor brasileiro de soja commodity padrão exportação, permitindo uma infinidade de ângulos de observação ou de configurações entre elementos ou componentes (e subcomponentes) relacionais pertinentes ao direito fundamental checado no caso concreto.

Com igual relevo, as lições da AJPE podem colocar luzes críticas sobre temas fundamentais, atuais e indispensáveis numa economia de mercado globalizada, tais como, o uso de artefatos computacionais, tecnologias algorítmicas e linguagem matemática, taxas de juros e políticas públicas em mercados financeiros transnacionais, interações interdisciplinares para além da abordagem trivial entre Direito e Economia, temas esses, comumente subtraídos de reflexões jurídicas e da elaboração de juízos éticos e de justiça. O Estado brasileiro, contudo, tem subutilizado o potencial estratégico e transformador desse caminho, olvidando da oportunidade de favorecer ambientes de interação democrática entre os diferentes atores e/ou agentes econômicos do agronegócio, de fomentar atuação colaborativa e construtiva entre segmentos histórica e politicamente

168 No Brasil, a integração vertical do agronegócio brasileiro é especialmente relevante nas cadeias de proteína animal (aves e suínos) e de commodities agrícolas (cana-de-açúcar, soja, milho, algodão e café). 169 Para uma interessante análise de como estratégicas de integração vertical materializadas pela compra de empresas de fertilizantes por empresas multinacionais na década de 1990 influenciou o ambiente institucional e a competitividade do SAG da soja no Brasil, cf. Sologuren (2004).

vistos como antagônicos e de estimular a inovação e criação de novos produtos e novos mercados agrícolas na direção de um desenvolvimento rural justo para todos.