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3. O DIREITO DE PROPRIEDADE COMERCIAL DO SOJICULTOR

3.4. Análise Posicional: direito de propriedade comercial do agricultor brasileiro de soja

3.4.3. Apontamentos sobre IFE, taxas de juros e políticas públicas

Um outro ponto que merece destaque é a relação entre as margens de rendimento de produtores rurais e as taxas de juros praticadas nos países comparados. Perceba-se que, no contexto de uma economia de mercado, as taxas de juros praticadas tanto podem remunerar o capital poupado ou investido (expectativa de ganho ou “custo de oportunidade”143) quanto o capital emprestado para atividades produtivas (financiamento

rural).

Ambas as perspectivas representam importantes instrumentos de fomento econômico e consequente desenvolvimento rural. Justamente por isso, tal temática (taxas de juros) possui grande importância para a AJPE tanto na perspectiva da “Análise Posicional” quanto na da “Análise de Portfólio” (a qual será abordada em seção específica adiante). Destacando a influência da taxa de juros sobre a propriedade comercial na economia real, Castro (2018a, p. 138) ensina:

[P]ara que a propriedade comercial [na economia real] seja capaz de gerar lucro continuamente, sua rentabilidade há de estar comparada à taxa de juros (a rentabilidade de ativos financeiros). A existência prolongada de um diferencial muito grande entre a rentabilidade de ativos financeiros (o que inclui a de ativos transacionados nas bolsas de valores e outros mercados financeiros organizados) e o retorno sobre o investimento em uma fábrica de sapatos, por exemplo, tende a tornar esta última pouco competitiva, ou seja, com baixa capacidade relativa de mobilizar cooperativamente interesses. Persistindo a diferença, a fábrica, diante da competição econômica, tenderá a declinar como empreendimento comercial e a desaparecer. Outros empreendimentos e outras massas de capital ou articulações de ideias estratégicas atrairão os interesses antes confi gurados de maneira cooperativa sob a forma institucional da fábrica de sapatos de baixa rentabilidade.

Nesse sentido, impõe-se, aqui, a demonstração de como as taxas de juros - ou mais precisamente, de como o custo sobre o capital produtivo - pode impactar na fruição

143 Consoante Pereira (1990), numa visão econômica, o termo “custo de oportunidade” pode ser tomado como sinônimo de “custos alternativos”. Ainda conforme noticia o autor, “segundo Burch e Henry (1974), foi Frederich Von Wieser quem deu origem à expressão ‘custo de oportunidade’ para definir o valor de um fator de produção em qualquer uso que lhe fosse dado, sendo tal custo de oportunidade ‘a renda líquida gerada pelo fator (de produção) em seu melhor uso alternativo’. O conceito de custos de oportunidade pressupõe alternativa viável e, portanto, existente para o consumidor ou para o empresário. Pressupõe, também, uma decisão efetiva sendo tomada e que, o sendo, acarreta o sacrifício/abandono de outras(s) que não foi ou foram” (Ibidem).

empírica do direito de propriedade comercial de produtores rurais. Para tanto, primeiro, tomar-se-á de empréstimo a quantificação feita anteriormente a respeito da fruição empírica do direito de propriedade comercial do agricultor brasileiro de soja commodity padrão exportação (ver Etapas 5). Em seguida, acrescentar-se-á o elemento ou componente relacional taxa de juros ou “interest” aos demais componentes relacionais já eleitos para o IFE (ver Etapa 4 acima). Esse novo elemento relacional será representado pela notação (i). Finalmente, proceder-se-á a novos cálculos dos IFEs dos maiores produtores de soja commodity do mundo, agora incorporando o novo elemento relacional “i”.

Um IFE que também contemple a variável taxas de juros fica assim:

𝐼𝐹𝐸 = 𝑃 − 𝐶 + 𝑅 − 𝑖 4

Recalculando os IFEs do direito de propriedade comercial de sojicultores brasileiros (IFEBR’), norte-americanos (IFEUS’) e argentinos (IFEAR’), tem-se:

IFEBR’ = _PBR - CBR + RBR - iBR

4

Onde: iBR corresponde à media aritmética simples da taxas de juros SELIC da economia brasileira

entre 2013 e 2019144.

IFEBR’ = _3,206 (ton/ha) - 291,7 (US$/ton) + 56% - 9,37%

4

IFEBR’ = _3,206 * ( - 291,7) * 0,56 * ( - 9,37%) * (-1)

4

IFEBR’ = US$ 474,60/ha

4

IFEBR’ = US$ 118,65/ha

IFEBR’ = 118,65 Por sua vez,

IFEUS’ = _PUS - CUS + RUS - iUS

4

144 Receita Federal/Ministério da Economia, Taxa de Juros Selic. Disponível em:

<http://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/pagamentos-e-parcelamentos/taxa-de-juros-selic>. Acesso em: 11 Mai. 2020.

Onde: iUS corresponde à media aritmética simples da taxa de juros FedFundsRate da economia

norte-americana entre os anos 2013 e 2019145.

IFEUS’ = _3,468 (ton/ha) - 163,8 (US$/ton) + 146% - 0,82%

4

IFEUS’ = _3,468 * ( - 163,8) * 1,46 * ( - 0,82%) * (-1)

4

IFEUS’ = US$ 822,54/ha

4

IFEUS’ = US$ 205,63/ha

IFEUS’ = 205,63

Ao passo que,

IFEAR‘ = _PAR - CAR + RAR - iAR

4

Onde: iAR corresponde à media aritmética simples da taxa de juros LELIC da economia argentina

entre os anos 2013 e 2019146.

IFEAR‘ = _3,170 (ton/ha) - 157 (US$/ton) + 135% - 23%

4

IFEAR‘ = _3,170 * ( - 157) * 1,35 * ( - 23%) * (-1)

4

IFEAR‘ = US$ 517,34/ha

4

IFEAR‘ = US$ 129,33/ha

IFEAR‘ = 129,33

Considerando novamente o índice de fruição empírica do direito de propriedade comercial do sojicultor brasileiro (IFEBR’) como ponto focal em relação ao IFE de

sojicultores norte-americanos (IFEUS’) e argentinos (IFEAR’), tem-se as seguintes

145 FRED/Economic Data/Federal Reserve Bank of St Louis, Effective Federal Funds Rate. Disponível em: <https://fred.stlouisfed.org/series/FEDFUNDS>. Acesso em 11 Mai. 2020.

146 Trading Economics, Taxa de Juros Argentina. Disponível em:

implicação decorrentes de correlações entre eles, só que, agora, tendo em vista o acréscimo da variável taxa básica de juros de cada um desses países:

Tabela 10

Correlações entre IFE’s do direito de propriedade comercial de sojicultores de commodity brasileiros, norte-americanos e argentinos, considerando as taxas de

juros praticadas nos respectivos países

US$ por hectare Normalização (%) Distância (%)

IFEBR 118,65 1,0 0

IFEUS 205,63 1,73 - 42,29

IFEAR 129,33 1,09 - 8,25

Fonte: elaboração do autor

Nesses moldes, sojicultores norte-americanos e argentinos usufruem concretamente do direito de propriedade comercial em patamares de, respectivamente, 73% e 9% a mais do que o verificado para sojicultores brasileiros. Afora isso, o déficit de fruição empírica do sojicultor brasileiro, em relação ao sojicultor norte-americano, eleva- se para 42,29% (ao invés de 36,85%, consoante cálculos do IFE sem o elemento relacional “i”). Já em relação ao sojicultor argentino, o déficit passa a ser de 8,25% (e não mais 22,05%, consoante cálculos do IFE sem o elemento relacional “i”). Portanto, os IFE’s da tabela acima demonstram que a desigualdade, já significativa entre as fruições empíricas do direito de propriedade comercial de agricultores brasileiros, norte- americanos e argentinos de soja commodity (ver Tabela 8 acima), é ainda maior diante de países que pratiquem taxas de juros menores.

Assim, fica claro o importante papel que as taxas de juros exercem no tocante à efetiva fruição do direito de propriedade comercial de produtores rurais. Entretanto, em que pese sua indiscutível importância, a política de taxas de juros não garante, por si só, a satisfatória fruição empírica de direitos humanos fundamentais. Como sabido, várias políticas públicas podem influenciar na fruição empírica do direito de propriedade comercial do produtor rural brasileiro, aqui traduzida, para o sojicultor, como o retorno financeiro sobre o capital investido em atividades agrícola de lavoura. Desse modo, políticas públicas de natureza tributária, monetária, creditícia, fiscal etc podem, de maneira combinada, afetar o lucro ou rendimento de produtores rurais de maneira positiva ou negativa.

Os gráficos abaixo, adaptado do Modelo IS-LM147, demonstram a relação

inversa entre taxas de juros e margem de lucro ou de rendimento em benefício de produtores rurais. Ressalte-se, ademais, que a Curva de Políticas Públicas, igualmente tratada adiante, pode mover-se para direita ou para esquerda, gerando margens de lucro ou rendimento maiores ou menores para idênticas taxas referenciais de juros (no gráfico, identificadas pelas notações “i1” e “i2”). Veja-se:

Gráfico 5

Curva de Políticas Públicas em função do rendimento (R) e de taxas de juros (i)

Fonte: elaboração do autor com base no Modelo IS/LM

Onde: o eixo “Y” representa as margens de lucro ou rendimento (R), ao passo que o eixo “X” representa as taxas de juros praticadas na economia (i); RR = rendimento obtido em função da taxa

básica de juros da economia (IR); i1 = taxa de juros (em patamar inferior) a que corresponde o

rendimento R1; i2 = taxa de juros (em patamar mais elevado) a que corresponde o rendimento R2.

Aqui, i1 < i2 implica em R1 > R2, ou seja, uma taxa de juros menor enseja um rendimento maior

em benefício do produtor rural.

147 Cunhado por John Richard Hicks (1937, 1982) enquanto expressão da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda de John Maynard Keynes (1936), o Modelo IS-LM (do inglês, “Investment Saving/Liquidity preference Money supply”) ou Modelo Keynesiano Generalizado (MKG) é um instrumento de análise macroeconômica que busca ilustrar a relação entre taxas de juros nominal e renda, assim como sugerir um ponto de equilíbrio entre o mercado de bens e serviços e o mercado monetário. Em que pesem as críticas no tocante às simplificações da complexa dinâmica macroeconômica proposta pelo modelo (LOPES, 1992), não há dúvidas de que a lógica apresentada por ele ainda se afigura bastante útil e interessante, tendo suscitado inúmeras discussões, (re)interpretações e novas possibilidades de aplicação (PALLEY, 2017).

Gráfico 6

Comportamento da Curva de Políticas Públicas sobre o rendimento (R) para referenciais constantes de taxas de juros (i)

Fonte: elaboração do autor

Onde: o eixo “Y” representa as margens de lucro ou rendimento (R), ao passo que o eixo “X” representa as taxas de juros praticadas (i); i1 e i2 permanecem constantes para diferentes posições

da Curva de Políticas Públicas.

Observação 1.: Com a Curva de Políticas Públicas movendo-se para a esquerda, i1 = taxa de juros

(em patamar inferior) a que corresponde o rendimento R3 e i2 = taxa de juros (em patamar mais

elevado) a que corresponde o rendimento R4. Nesse cenário, confirmando a relação inversa entre

taxas de juros e rendimento, R3 (atrelado a um taxa de juros menor) > R4 (vinculado a uma taxa

de juros maior).

Observação 2.: Com a Curva de Políticas Públicas movendo-se para a direita, i1 = taxa de juros

(em patamar inferior) a que corresponde o rendimento R5 e i2 = taxa de juros (em patamar mais

elevado) a que corresponde o rendimento R6. Nesse cenário, confirmando a relação inversa entre

taxas de juros e rendimento, R5 (atrelado a um taxa de juros menor) > R6 (vinculado a uma taxa

de juros maior).

Observação 3.: i1 < i2 implica em R3 > R4 e R5 > R6, ou seja, uma taxa de juros menor,

independentemente de a Curva de Políticas Públicas se mover para esquerda ou direita sempre enseja um rendimento maior para o produtor rural.

Observação 4.: para a mesma taxa de juros em patamar inferior (i1), movendo-se a Curva de

Políticas Públicas para a esquerda, tem-se um rendimento maior = R3, enquanto que, movendo-

se a Curva de Políticas Públicas para a direita, tem-se um rendimento ainda maior = R5. Isto é, o

rendimento R5 é significativamente maior que o rendimento R3 para a mesma taxa de juros em

Mas como esse comportamento da Curva de Políticas Públicas pode ser interpretado por juristas?

O movimento da Curva de Políticas Públicas para a esquerda pode ser identificado com iniciativas normativas de maior austeridade ou “arrocho” fiscal, de aumento da tributação sobre atividades produtivas, de variações ou oscilações cambiais desfavoráveis ao agricultor, de redução ou ausência de subsídios ou suporte para o setor agrícola, ou seja, políticas públicas que venham a diminuir o lucro ou rendimento (R) do produtor rural.

De maneira oposta, o movimento da Curva de Políticas Públicas para a direita pode representar iniciativas normativas de “afrouxamento” fiscal, de redução da carga tributária sobre atividades produtivas, de estabilização cambial em favor do agricultor, de concessão de subsídios e suporte técnico-operacional para o setor agrícola, ou seja, políticas públicas que possam incrementar o lucro ou rendimento do produtor rural, para além de rendimentos maiores tão somente em razão de taxas de juros (i) menores.

Diante disso, consoante demonstrado nesta seção pela “Análise Posicional” da AJPE, a desproporção entre a efetividade do direito de propriedade comercial de agricultores brasileiros de soja e a do mesmo direito para agricultores norte-americanos e argentinos da mesma commodity recomenda iniciativas regulatórias relevantes, específicas e qualitativas quanto ao tema no sentido de resguardar os produtores rurais brasileiros dessa cadeia do agronegócio. Políticas públicas agrícolas específicas, de lege

ferenda, seriam convenientes.

Registre-se, ademais, que, no geral, não se percebe uma articulação coerente entre políticas públicas que direta ou indiretamente afetem a fruição empírica do direito de propriedade comercial de produtores rurais brasileiros nem há, no particular, atuação normativa estratégica e suficientemente influente do Estado brasileiro na dinâmica de formação do preço da soja commodity ou na preservação de margens de lucro ou rendimento mínimo para agricultores nacionais.

Enfim, restringindo um pouco o presente espectro de análise para concentrar-se pontualmente em modelos contratuais de fornecimento de soja commodity padrão exportação, na seção seguinte, serão abordados, consoante uso do instrumental teórico “Análise de Portifólio” da AJPE, contratos típicos disponibilizados pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC) para a comercialização do grão no mercado internacional.