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Os ajustes focais compreendem um fenômeno que trata da habilidade que os seres humanos têm de construir uma mesma situação de formas distintas, ou seja, somos capazes de estruturar, compreender uma mesma circunstância criando cenas alternativas.

Os parâmetros usados para estruturar essas diversas cenas são variações que Langacker (1987:117) chama metaforicamente de ajustes focais. Eles são a perspectivação, a seleção e a abstração. O autor trata estes conceitos como noções

38 distintas. O fato é que eles estão imbricados uns nos outros, não caracterizando

processos discretos.

2.4.1A

PERSPECTIVAÇÃO

Tomando em consideração as propostas de Rubba (1996) e Buhler (1935), a dêixis se torna um elemento ativador de um campo de coordenadas e diretrizes. Portanto, um fenômeno não menos importante na construção do processo de referenciação dêitica é a perspectivação. Quando apreciamos uma obra de arte, uma escultura ou até mesmo construções e edifícios que fazem parte do nosso trajeto ao trabalho, percebemos que os nossos movimentos possibilitam a contemplação de novos elementos. A cada passo, uma nova face da escultura pode ser olhada sob um ângulo diferente, revelando elementos não antes visíveis.

Estes novos ângulos permitem que outras entidades sejam contempladas. Novos detalhes podem ser notados na medida em que nos deslocamos e mudamos o nosso ponto de vista. Em termos de referenciação, o que ocorre é a emergência de novas entidades conceptuais. Veja a Figura 4 que ilustra uma alteração feita numa das

Figura 4: O Belvédère de Escher.

Observado por outro ângulo, a obra prima do pintor revela novos elementos. No site http://www.mcescher.com/, um filme permite observar o belvedere de vários ângulos.

39 obras do artista Escher. Nela, o Belvedere pode ser apreciado de um ângulo diferente

do canônico apresentado pelo pintor. Assim, podemos ver que os pilares, não podem mais ser assim considerados. O próprio belvedere parece não ter uma estrutura convencional. Visto desta forma, possivelmente, ele não será considerado um belvedere. A escada deixa de ligar os andares, que, por sua vez, estão dispostos perpendicularmente, o que não seria factível em três dimensões.

O mesmo fenômeno pode acontecer na linguagem. Se uma entidade dêitica oferece a criação de um campo mostrativo, a mudança de ponto de vista pode nos levar a apreciação de elementos não antes evidentes no plano imediato discursivo, mas que aparecem no palco conceptual. Como colocado anteriormente, o apontamento canônico do você (que indica a segunda pessoa do discurso) e o apontamento genérico não são as únicas possibilidades de referenciação desta dêixis. Outros alvos podem ser elencados de forma situada e online.

Esta entidade dêitica é capaz de evocar enquadramentos que incluem apontamentos mais abstratos e outros menos esquemáticos. O você pode criar um campo simbólico no qual temos a referenciação de elementos, como a primeira pessoa do singular ou a do plural, a terceira pessoa do singular, por exemplo. É neste plano paralelo ao plano em que ocorre a interação, que novos participantes discursivos são construídos. É o aspecto dinâmico do processo de referenciação que oferece ao conceptualizador a possibilidade de elencar seu(s) alvo(s) dêitico(s).

Os diagramas ilustr distintos. No 5a, há um subjetividade. O próprio fala não. No caso da figura 5a, o na versão 5b, o conceptualiz de subjetividade vai ser defi

Os diagramas mostra forma objetiva ou subjeti imagética, ele a compreend ou criando a cena fora do p exemplo adaptado de Langa 7 Minha tradução para optimal vie

5a

O primeiro diagrama (5a) most está incluído no plano visual PV cenário. O segundo diagrama

Fon

lustrados na Figura 5 mostram dois arranjo um alto grau de objetividade. No 5b, um

falante, o conceptualizador, pode fazer parte d a, o conceptualizador não faz parte do arranjo ualizador está incluído neste arranjo. O grau de definido de acordo com “arranjo visual ótimo” ostram que podemos conceptualizar entidades

jetiva. Quando o conceptualizador está inse ende de forma subjetiva. Quando ele se distanc do plano visual, ele a concebe de forma objetiv

ngacker (1987:131):

viewing arrangement cunhado por Langacker (1987). 5b

Figura 5: O arranjo visual ótimo.

ostra um arranjo visual altamente objetivo. O conceptu l PV que, por sua vez contém uma entidade observada E

ama (5b) mostra a construção altamente subjetiva de um Fonte: Baseado em Langacker (1987: 129)

40 ranjos perspéticos um alto grau de te deste arranjo ou njo perspectivo. Já de objetividade e ” 7. des lingüísticas de inserido na cena tancia, observando jetiva. Vejamos um eptualizador C não da EO, dentro de um e uma entidade.

41 (a) A pessoa que vos fala é muito inteligente.

(b) Não minta para sua mãe! [dito por uma mãe ao filho]

Nos exemplos acima, o falante se transporta de sua atual posição para outra assumindo uma visão objetiva. Ele se vê como outro indivíduo e exerce a função de terceira pessoa. Em (a) poderíamos substituir a pessoa que vos fala pelo pronome eu. E em (b) sua mãe poderia ser substituído por mim. Mas, o falante preferiu utilizar o distanciamento por meio de um arranjo visual objetivo, na sua estratégia discursiva.

Um recurso oposto pode ser utilizado quando ocorre uma correspondência de um elemento de uma esfera “real” com outro pertencente à esfera fictícia. Langacker (1987:131) chama este fenômeno de identificação entre mundos8. Vejamos o exemplo abaixo:

(c) Esta sou eu. A segunda da esquerda para a direita. [O falante mostrando uma foto em que ele aparece]

Neste último exemplo, pode-se imaginar uma foto que mostra uma pessoa que pode ser, num primeiro momento, apreciada de forma altamente objetiva, pois há um apontamento dêitico por meio do elemento esta. Entretanto, o uso do pronome eu, mostra um tipo de subjetivação, uma mudança de perspectiva.

O ser humano nas suas interações lingüísticas oferece pistas que corroboram a existência de operações de ordem cognitiva. A identificação entre mundos, fenômeno decorrente da mudança de ponto de vista, é um desses elementos. Quando nos transportamos mentalmente de uma esfera considerada “real” para a que entendemos como fictícia, a cena conceptual é organizada de forma ímpar. Isto é um indício da criação de planos discursivos conceptuais sub-rotados. Eles guardam

42 características do plano discursivo imediato, mas permitem a existência de novos

elementos e novos arranjos de perspectivação. São plataformas que facultam um olhar alternativo sobre um determinado elemento discursivo.

Vejamos um excerto de uma entrevista que foi ao ar dia 26 de junho de 2008. Nela, Guilherme Berenguer, ator e apresentador do programa Globo Ecologia, responde à pergunta “O que você faz pra não perder a concentração, mesmo quando não está no seu melhor dia?”. Parte da resposta, que nos interessa aqui, foi:

“O negócio é ser o guardião da concentração e da informação, tem que se resguardar. O Guilherme pessoa não está livre de interferências da vida dele, mas o

personagem precisa estar protegido.”

Quando o próprio Guilherme fala de si mesmo utilizando seu nome, fazendo uma auto-referência como “Guilherme pessoa”, utilizando-se de expressões como “vida dele”, a cena imagética é construída de forma objetiva pelo próprio falante. Há o mapeamento de um elemento que se encontra distante do falante, como se ele fosse uma terceira pessoa. Ele poderia ter falado “eu não estou livre de interferência da minha vida, mas o personagem precisa estar protegido.” Entretanto, Guilherme optou por um arranjo altamente objetivo.

O que pretendo mostrar, neste trabalho, é que o uso da dêixis você reflete mecanismos da identificação entre mundos. Você pode promover apontamentos subjetivos e objetivos. Pode revelar movimentos de perspectivação que estão integrados ao fenômeno da abstração, que passo a descrever agora.

43

2.4.2A

ABSTRAÇÃO

Outro ajuste focal contemplado por Langacker (1987) é a abstração. Mas antes de entrarmos nas questões lingüísticas apresentadas por ele, veja as figuras abaixo:

Na Figura 6a, só é possível identificar claramente determinados elementos se ajustarmos o foco como o da Figura 6b. Isso implica em dizer que a Figura 6a é mais abstrata, ou mais esquemática que a Figura 6b.

6a 6b

Figura 6: Níveis de Abstração.

A figura 6a é mais abstrata que a 6b. Na 6b podemos identificar os objetos fotografados. Fonte: Acervo pessoal.

As entidades lingüísticas também têm níveis de abstração distintos. Elas podem se organizar de formas mais esquemáticas em determinado momento da interação e se apresentarem menos abstratas em outro momento. Para ilustrar, veja a mudança de abstração entre as seguintes entidades lexicais: reino vegetal>árvore>laranjeira>aquela laranjeira>pé de laranja-lima. [ÁRVORE] é uma entidade mais esquemática que [LARANJEIRA], que, por sua vez, é mais esquemática que [AQUELA LARANJEIRA], etc. [ALGUÉM] é mais esquemático que [EU]. [A GENTE] é uma categoria cognitiva mais abstrata que [NÓS], em determinados contextos.

A importância da abstração para o apontamento dêitico, aqui estudado, está na sua influência sobre a variação do escopo referenciativo. Ocorre que, o dêitico você promove apontamentos ora mais esquemáticos, ora menos esquemáticos. Quando ele aponta para as pessoas em geral, é de fato, uma dêixis mais abstrata. Quando ele

44 aponta para a terceira pessoa do discurso, seja para ele ou ela, mostra sua faceta

menos abstrata. Isso implica em dizer que há, de forma concomitante, uma mudança de perspectiva, uma marca de abstração e um movimento de seleção. Este último será tratado na próxima seção.

2.4.3A

SELEÇÃO

A seleção trata das facetas de uma cena com as quais lidamos, no momento da construção de sentido. Vejamos a palavra próximo, nas seguintes enunciações:

a) Já está próximo do carnaval. b) Ele é um amigo próximo da família. c) Não faça mal ao próximo.

d) O clube fica próximo do hotel.

e) Este azul é próximo do que eu quero na minha parede.

Em (a) o domínio ativado para a construção do sentido da palavra próximo é o do calendário. Em (b) e (c) temos o domínio da afetividade; em (d) o espaço físico é o domínio selecionado e o espectro de cores é ativado em (e). Dentro de determinada predicação, uma porção da cena é colocada em relevo. Esta porção é chamada de escopo. É a parte saliente, selecionada pelo conceptualizador para compreender a cena conceptual.

Num anúncio publicitário, mostrado na Figura 7, a chapelaria Hut Weber propôs a identificação da diferença entre Adolf Hitler e Charles Chaplin. No anúncio, lia-se “It’s the hat” (“É o chapéu”). O anúncio foi lido na pauta do humor, principalmente por aqueles que selecionaram a figura de Chaplin. Outros leitores

mostraram seu descontenta viram humor algum, na peça

É interessante ressal protagonistas do anúncio. E chapéu foram ativadores d passada. A seleção desses e protagonistas e, posterior conhecimento prévio també Quando fazemos us abstrata, ora uma menos a elementos novos, element discursivo imediato. A eme escolha de qual micro sentid A importância do chapéu na ide Seleciona-se Fonte: http://adsoftheworld.c

entamento ao ver a figura de Hitler ser trazida peça publicitária.

ssaltar que em momento algum foram citados io. Elementos gráficos como o bigode, o corte

s de outros elementos pertencentes à esfera es elementos gráficos foi fundamental para a id riormente, das diferenças entre eles. É in mbém foi responsável pela seleção feita.

s uso do dêitico você, ora selecionamos um os abstrata. Outras vezes trazemos para o pa entos que não necessariamente façam parte emergência desses elementos é feita via uma

ntido será salientado. Figura 7: A seleção.

a identificação de Charles Chaplin. “It’s the hat” está circ se um detalhe para a compreensão da mensagem. rld.com/media/print/hut_weber_hitler_vs_chaplin?%20

45 zida à tona e não

dos os nomes dos rte do cabelo e o era da experiência a identificação dos inegável que o

uma faceta mais palco conceptual arte do ambiente uma seleção, uma

circulado em azul. %20size=_original

46 Na Figura 8a podemos ver claramente que o objeto fotografado se trata de

uma xícara. Entretanto, seu conteúdo está mais nebuloso, menos claro. Sabemos que é um líquido, possivelmente café. No entanto, a luz refletida nesse líquido é retratada de forma abstrata. Na Figura 8b, o nível de abstração é menor e nos permite ver claramente o teto e uma lâmpada em detalhes se refletindo no líquido. Há, portanto uma mudança de foco, que só é possível com a mudança na abstração.

Este dinamismo próprio da construção de sentido é também observado na construção do processo de referenciação. As facetas do dêitico você, mapeadas de forma situada, são identificadas via os ajustes focais propostos por Langacker (1987). Mas os planos conceptuais criados também têm papel fundamental para a emergência das facetas.