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Além da verdade

No documento Pragmática e Não Cooperação (páginas 37-41)

1. Revisão bibliográfica

1.2. Teoria dos Jogos, Cooperação e Conflito

1.2.1. Relevance in cooperation and conflict

1.2.1.6. Além da verdade

Por fim, o artigo passa a analisar os casos em que o falante abre mão de ater-se a um discurso verdadeiro, “the limit case of entirely unverifiable speech, devoid of all psychological or social incentives for cooperation and truthfulness” (p. 34). Esse tipo de fenômeno é conhecido sob o rótulo de conversa barata (cheap talk), na literatura econômica. Em um jogo de sinalização, conversa barata é um cenário em que, se todas as mensagens possíveis podem ser utilizadas em qualquer estado, todas incorrendo no mesmo custo, então, as utilidades do emissor dependem apenas do estado t e da resposta do receptor a. (p. 34) Esse tipo de cenário será utilizado pelos autores para abordar o conceito de credibilidade de uma mensagem.

Para tanto, o artigo apresenta o seguinte exemplo: imagine-se um jogo em que dois jogadores, A e B, participam. Um juiz joga uma moeda e apenas A observa o resultado, e B deve

tentar acertar que lado caiu. No entanto, antes de B dar seu palpite, A pode dizer “deu cara/coroa”, não importando se a mensagem é verdadeira ou falsa. Nesse caso, o que A diz não deveria influenciar de modo algum o palpite de B, já que não há modo de saber se a informação é verdadeira ou falsa. Contudo, considere-se que, enquanto B está fora da sala, o juiz pode ou jogar a moeda ou dizer “é hora de dividir”. Se for hora de dividir e B der o palpite correto, ambos os jogadores ganham e, se ele errar, ambos perdem. Novamente, A pode anunciar que é hora de dividir antes de B dar o seu palpite. Nesse cenário, as mensagens “cara” ou “coroa” não possuem credibilidade, enquanto a mensagem “dividir” sim, uma vez que é do melhor interesse de ambos cooperar nessa situação (i.e. as utilidades ótimas de ambos coincidem). Obviamente a credibilidade da mensagem depende do significado semântico do enunciado veiculado, que indica que as utilidades estão alinhadas o suficiente para que a interpretação seja segura. Contudo, em jogos de sinalização de conversa barata, o sentido semântico não é restritivo – no jogo em questão, se tudo que importa é que os jogadores coordenem seus esforços, A poderia muito bem usar a mensagem

“cara” para comunicar que é hora de dividir.

Os autores consideram brevemente a possibilidade de implementar o papel do sentido semântico através de diferenças de custo das mensagens, conferindo o mesmo custo para todas as mensagens falsas, mas concluem que isso não é suficiente para resolver a questão.29 Eles então propõe um modelo de melhor resposta iterativa (iterated best response) com pontos focais, como forma de implementar a “tendency to stick to semantic meaning” apresentada pela comunicação (p.

38). Os autores fazem a ressalva de que eles vão “only sketch the common core of a class of models that, with differing details and ambitions, have been suggested for pragmatic interpretation and whose main idea is that of (iterating) best responses with semantic meaning as a focal starting point”, que incluiria Benz, 2006; Stalnaker, 2006; Jäger, 2007; Benz & van Rooij, 2007; Franke, 2008; Jäger, 2008 (todos apud Franke, Jäger & van Rooij, 2009).

Como forma de ilustrar o modelo, os autores apresentam um jogo de caça ao tesouro, onde há quatro portas marcadas da seguinte forma:

A B A A

Nesse jogo, um jogador esconde um prêmio atrás de uma das portas e outro deve encontrá-lo. Se o jogador que procura o encontrar, ele ganha, do contrário o oponente é quem vence. A estrutura das utilidades teria a seguinte forma:

29 Além disso, essa noção de custo seria intuitivamente estranha: em princípio, a veracidade ou falsidade de um

diagrama 5 – jogo de caça ao tesouro (p. 38)

Não há nada nas utilidades que deveria enviesar a escolha dos jogadores. No entanto, a disposição linear e a forma como as portas estão identificadas influencia claramente o raciocínio dos agentes humanos. Rubinstein et alii (1996, apud Franke, Jäger & van Rooij, 2009) realizaram um experimento para testar essa situação, chegando à seguinte distribuição de escolhas:

Esses resultados contrastam bastante com os 25% esperados para cada porta, caso apenas as utilidades estivessem em jogo. Exemplos desse tipo poderiam ser explicados assumindo-se que alguns pontos (o ponto identificado como B, bem como os pontos de cada extremidade, no caso em questão) são pontos focais, que possuem uma espécie de saliência psicológica. Levando-se isso em consideração, seria possível raciocinar que esses seriam os primeiros pontos que os jogadores escolheriam para esconder e procurar o prêmio. Contudo, os jogadores poderiam antecipar esse fato, procurando evitar esses mesmos pontos, o que poderia também ser antecipado pelos jogadores, e assim por diante. Os autores sugerem que o significado semântico funciona basicamente como um ponto focal: embora não seja completamente restritivo,

it is fairly intuitive to start pondering what might have been meant by assessing the semantic meaning. So, as a starting point of his deliberation the hearer asks himself, what he would do if the message was indeed true. But then he might realize that the sender could anticipate this response. In that case, the hearer is best advised to take the strategic incentives of the sender into consideration. The resulting hypothetical reasoning on both the sender and the hearer side can be

modelled as a sequence of iterated best responses. (p. 40)

Esses modelos de melhor resposta iterativa procurariam capturar o comportamento racional humano – com suas limitações e contingências próprias – através da noção de tipos estratégicos (strategic types) de jogadores. Assim, estabelece-se para cada jogador um nível estratégico, variando desde um jogador de nível 0 completamente sem estratégia (talvez até mesmo irracional) e uma série de outros níveis, em que cada nível superior é capaz de antever as reações dos níveis prévios (i.e. um jogador de nível k+1 anteciparia as jogadas de um jogador de nível k, e assim sucessivamente). Em um jogo de sinalização, um jogador de nível zero representaria um ouvinte ingênuo, que sempre assume que as mensagens são literalmente verdadeiras, ou um falante ingênuo, que escolhe uma mensagem verdadeira aleatoriamente (p. 40).

Desse modo, seria possível pensar na hierarquia de melhor respostas iteradas (iterated best responses) como uma aproximação sucessiva de um comportamento idealizado, em que as estratégias que são consistentes com toda a hierarquia (infinita) são soluções-conceito para agentes idealizados, enquanto que os níveis (finitos) intermediários representariam agentes mais realistas e limitados. Assim, seria possível definir credibilidade de modo mais abstrato olhando-se para toda a hierarquia. No caso do jogo de cara e coroa acima, nenhum jogador teria um incentivo para usar a mensagem “hora de dividir” de modo falso, enquanto que as mensagens “cara” e “coroa” poderiam ser utilizadas para enganar um jogador ingênuo no primeiro nível (p. 41).

Nesse modelo, os jogadores sempre acreditam que são de um nível estratégico mais elevado que o de seus oponentes (p. 41). Embora essa assunção possa parecer pouco razoável, os autores afirmam que ela encontra confirmação em experimentos realizados (Ho et alii, 1998;

Camerer et alii, 2004 apud Franke, Jäger & van Rooij, 2009), além de ser “necessária em qualquer explicação de tentativa de engano” (p. 41). De acordo com eles, para tentar enganar o oponente, é necessário assumir que há alguma falha em sua estratégia – seja conhecimento parcial ou algum tipo de limitação cognitiva –, do contrário, não haveria possibilidade de engano: se ambos os jogadores estão perfeitamente informados sobre os possíveis movimentos e utilidades em jogo e se são perfeitamente racionais, qualquer tentativa de induzir o oponente ao erro vai ser antecipada, assim como a antecipação da tentativa, e assim por diante, ad infinitum (p. 41).

No exemplo dos biscoitos, novamente, um ouvinte de nível 0 simplesmente acreditaria na mensagem como sendo verdadeira de acordo com o sentido semântico, e acreditaria que o verdadeiro estado de coisas é ou alguns ou todos. Um ouvinte de nível 1, por outro lado, derivaria a implicatura, acreditando que o estados de coisas é alguns, mas não todos. Mas um falante de nível 2 enviaria a mensagem alguns no estado todos, acreditando que seu ouvinte é de nível 1 e, portanto,

computaria (equivocadamente) a implicatura, tentando, assim, melhorar sua utilidade. Contudo, um ouvinte de nível 3 imagina que um falante de nível 2 estaria tentando fazer exatamente isso e, dessa forma, não computaria a implicatura, reconhecendo a intenção de induzi-lo ao erro, etc. (p. 42).

No documento Pragmática e Não Cooperação (páginas 37-41)