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Sumarizando

No documento Pragmática e Não Cooperação (páginas 109-113)

2. Um modelo Griceano para a não-cooperação

2.4. Uma proposta de sistematização

2.4.6. Sumarizando

Este capítulo procurou apresentar um possível modelo de compreensão dos fenômenos não cooperativos, baseado num paradigma griceano. Inicialmente, procurou-se delinear a opção por uma pragmática de intenções comunicativas, estabelecendo qual o entendimento aqui assumido dos mecanismos griceanos de geração de implicaturas. Conforme assumido aqui, a interpretação é o processo que procura inferir a intenção comunicativa do falante, e a geração de implicaturas é o processo abdutivo responsável por encontrar as interpretações capazes de conciliar a aparente incoerência do que é dito com a expectativa de que o falante respeita o PC e as máximas conversacionais. Da forma como entendido aqui, no modelo griceano, as máximas apenas podem ser violadas no nível do que é dito, mas não no nível do que é implicado (exceção feita aos casos em que as máximas entram em conflito).

Em seguida, procurou-se qualificar a cooperação em termos do PC, analisando as críticas de Attardo (1997) a respeito da falta de clareza em sua definição, que ora parece levar em conta objetivos extralinguísticos, ora os objetivos comunicativos. Como vimos, Attardo distingue entre a cooperação locucionária, estritamente do nível da interação comunicativa, da cooperação perlocucionária, que diz respeito à adoção dos objetivos extralinguísticos do interlocutor. O autor também argumenta no sentido de que, para a geração das implicaturas de modo apropriado, é necessário muito frequentemente ter em mente os últimos, e não os primeiros. Assim, Attardo propõe a existência de um princípio da cooperação perlocucionária, o PCP, que preconiza que os agentes colaborem com quaisquer objetivos que seu interlocutor possua, procurando auxiliá-lo de acordo com suas necessidades, bem como antecipando essas últimas.

Consideramos também as observações feitas por Oswald, que nota ainda um terceiro nível, ainda mais básico, de cooperação, referido por ele como cooperação funcional, entendido como a disposição dos falantes em produzir enunciados significativos e interpretá-los como assim sendo, sendo, portanto, uma espécie de expectativa de comunicação efetiva entre os falantes. Esse nível é aqui referido como cooperação básica, e engloba a disposiçao mínima dos falantes em se comunicar – produzir enunciados significativos, usar a mesma língua, falar em um tom audível, etc.

Assim, conforme entendida neste trabalho, a cooperação pode assumir três níveis: cooperação

básica, cooperação locucionária e cooperação perlocucionária, sendo que, para que os dois últimos sejam possíveis, é necessário haver o primeiro.

Feita essa primeira limpeza de terreno, passamos a considerar o que poderia significar não ser cooperativo em termos da não adesão a cada um desses níveis. A cooperação básica, como vimos, é condição essencial para que haja comunicação e, sem ela, não é possível haver trocas verbais significativas. Nos casos em que o falante adota os objetivos perlocucionários do interlocutor, temos a cooperação plena (aí inclusos os casos em que a cooperação locucionária é necessária para atingir esses objetivos). Nos casos de cooperação parcial, o falante adota apenas os objetivos comunicativos (locucionários), mas não perlocucionários, do interlocutor. Procurou-se, então, formular uma definição de não cooperação em termos do PC griceano, através de sua unificação com o PCP defendido por Attardo. Para tanto, procedeu-se a uma requalificação dos conceitos de o que é requerido e do propósito mutuamente aceito ou direção da conversa. Em relação ao primeiro, consideramos as observações de Dascal (1977) sobre demanda conversacional, para incluir também contribuições necessárias para atingir o objetivo mutuamente adotado (e.g.

pedidos de esclarecimento, comentários, etc.). Em relação ao segundo, procurou-se contemplar a possibilidade de adoção dos objetivos tanto comunicativos quanto extralinguísticos, a fim de refletir as diferenças entre cooperação locucionária e perlocucionária. Assim, com umas poucas requalificações, optou-se por manter o PC como princípio responsável por guiar a comunicação cooperativa.

Vimos também que os casos de opting out, aí inclusos as implicaturas de relutância em dizer, apresentam algumas dificuldades, na medida em que parecem fazer uso dos mecanismos cooperativos e gerar implicaturas, mesmo na estrita ausência de adesão ao PC. O problema em questão não é tanto a dificuldade em gerar as implicaturas necessárias (que podem ser geradas facilmente através do reconhecimento da violação aparente das máximas), mas sim o fato de que, na ausência de cooperação, esperaríamos que elas não fossem possíveis. A despeito das tentativas, não foi possível chegar a uma solução plenamente satisfatória, e terminamos por considerar que, ao menos em alguma medida, esses casos são cooperativos, na medida em que respeitam as máximas e informam de modo direto e relevante a intenção do falante em não responder do modo esperado à demanda conversacional.

Dividimos os casos de não cooperação também em um segundo eixo, segundo o seu caráter aberto ou velado. Como vimos, essa característica é responsável por diferenciar determinados tipos de jogos com a linguagem de tentativas de manipulação, mentiras e engano em geral. Ao primeiro grupo pertenceriam casos como charadas e piadas, em que fica claro que o falante não cooperará

expectativa da resolução humorística. Ao passo que o caráter aberto da não cooperação faz parte desses jogos (é necessário que um jogador saiba que está participando, do contrário o jogo não pode acontecer), é inerente à natureza das tentativas de engano o caráter oculto da empreitada, que procura manter velados os propósitos extralinguísticos, enquanto procura transmitir uma intenção comunicativa que induz o interlocutor a uma leitura equivocada da situação. Foi apresentada a hipótese de que as contribuições parcialmente cooperativas, sejam elas abertas ou veladas, são interpretadas contrafactualmente, i.e. são interpretadas como se fossem cooperativas, mesmo que o ouvinte esteja ciente de que elas não o são. Caso uma dada contribuição seja identificada como não cooperativa, contudo, as implicaturas geradas não seriam adicionadas ao fundo conversacional compartilhado.

Finalmente, consideramos brevemente algumas questões acerca da detecção da não cooperação nos casos velados. Vários fatores estão envolvidos nessa discussão, como a credibilidade e reputação do informante, pistas comportamentais, o quanto o conteúdo comunicado está em acordo com as crenças do intérprete, etc. Destacou-se, contudo, um aspecto interessante apresentado pela Teoria dos Jogos, que parece particularmente promissor: o reconhecimento de uma potencial ação não cooperativa como racional e benéfica para o sujeito que a leva a cabo. Assim, seria possível hipotetizar que nosso interlocutor não é cooperativo se identificarmos quaisquer objetivos possíveis para ele, para os quais a contribuição não cooperativa seria benéfica. Os comentários feitos estão muito longe de constituir uma teoria propriamente dita da detecção, mas acredito que apontam alguns pontos interessantes.

A proposta de tratamento, embora ainda apresente algumas fragilidades, possui o mérito de se afastar pouco do modelo griceano, necessitando apenas de um maior detalhamento nos conceitos envolvidos na definição do PC, uma definição de não cooperação e uma hipótese de como proceder na análise de tais casos – o que me parece um conjunto bastante enxuto de ferramentas teóricas adicionais. Vale ressaltar, parece difícil de prescindir de um raciocínio contrafactual de qualquer forma, já que um falante que procura enganar seu ouvinte tentará necessariamente escolher contribuições que possam ser interpretadas como se fossem cooperativas (do contrário, a tentativa de engano fracassa automaticamente). Isso é válido, parece-me, também para a Teoria dos Jogos, e provavelmente para qualquer outro paradigma por que procuremos abordar o fenômeno.

O capítulo apresentou a análise de alguns tipos de sentenças não cooperativas, analisando como seria possível chegar à sua interpretação correta através dos mecanismos propostos. A discussão feita também apontou para algumas áreas em que a noção de não cooperação pode oferecer uma contribuição ao entendimento geral da questão, como é o caso dos discursos humorísticos e da detecção de mentiras e enganos (ainda que de modo breve). O capítulo seguinte

procurará apresentar outras três questões em que é possível apresentar alguns insights produtivos partindo da discussão feita sobre a NC: a teoria da indiretividade, que procura explicar por que faz sentido empregar formulação que veiculam a intenção comunicativa do falante através de implicaturas (e não do sentido literal); a discussão da fronteira entre semântica e pragmática, considerando-se especificamente a recente controvérsia acerca das propostas que procuram derivar as implicaturas escalares através de mecanismos gramaticais; e, por último, o caso das controvérsias científicas, como proposto por Dascal (1994).

3. Aplicações: possíveis lugares em que a discussão sobre não

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