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A festa do Natal contrapõe-se à destruição da guerra. A alegria natalina, “que enche de felicidade e de paz, tem raízes tão profundas e levanta cumes tão excelsos que não pode ser destruída pelo turbilhão de qualquer acontecimento terreno, viva o mundo em paz ou esteja ele em guerra” (PIO XII, 1951b, p. 5).

Para Pio XII, a Segunda Guerra Mundial apresentou-se muito injusta, sobretudo por causa da guerra aérea, que provocou extensa devastação e matou pessoas que nada tinham a ver com o conflito, dilacerando cidades inteiras.

Na mensagem de 1940, era colocado como causa, não só da guerra, mas também de seu prolongamento, o afastamento dos homens das leis divinas, e esse afastamento conduziu a humanidade à descrença, de forma que a moral do homem, a moral cristã e os valores sociais foram abalados, gerando as condições que levaram ao conflito. Somente a reconstrução da moral e dos valores poderia recuperar as sociedades e colocar ordem no caos estabelecido.

Ao referir-se à declaração de 1939, sobre os pressupostos de paz que deveriam ser conformes aos princípios da justiça, da equidade e da honra, Pio XII enfatizou as polêmicas que emergiram das partes em luta sobre os objetivos da guerra e os regulamentos da paz. Segundo ele, parecia ser uma opinião comum a ideia de que tanto a Europa anterior à guerra, quanto as suas instituições públicas se encontravam em um processo tal de transformação, que marcaria o início de uma nova época.

A Europa e a ordem dos Estados não se apresentariam como antes, devendo construir algo de mais são e livre, forte o suficiente para substituir o passado, evitando-lhe os defeitos, a fraqueza e as deficiências, que foram reveladas nos últimos acontecimentos; afirmou que “verdade é que as várias partes divergem nas idéias e nos objetivos; concordam, todavia na aspiração de uma nova ordem, e não consideram possível nem desejável o puro e simples regresso às condições anteriores” (PIO XII, 1951b, p. 11).

Sobre o posicionamento e a ação da Igreja em relação ao conflito mundial, o papa atestou que essa instituição não poderia ser chamada a tomar uma posição por um ponto de vista antes que por outro, pois as leis divinas deveriam valer não só para os indivíduos, mas também para os povos, ou seja, possuía campo e liberdade de movimento para as mais variadas formas de concepção política. A prática afirmação de um sistema político ou de outro depende de circunstâncias e causas, que, em si mesmas consideradas, são estranhas ao fim e à ação da Igreja.

Fazia parte também da estratégia de Pio XII ser discreto – diplomático – em relação aos atos da Igreja diante do conflito, pois ele temia que qualquer atitude drástica favorecendo um lado poderia despertar uma resposta ainda mais violenta do outro.

A diplomacia pontifícia ficou bem especificada, especialmente em duas passagens da Segunda Guerra Mundial ocorridas em Roma: primeiro, quando a cidade sofreu dois bombardeios aéreos – 19 de julho e 13 de agosto de 1943 –, em que Pio XII foi pessoalmente aos lugares atingidos para prestar socorro aos feridos; e, depois, quando houve uma perseguição a judeus em um gueto romano – 16 de outubro de 1943 –, que levou à prisão e à deportação de mais de mil judeus. Era esperada uma atitude mais enérgica do pontífice, que havia tido uma atuação discreta até o presente momento. Entretanto, ele preferiu não protestar oficialmente, tomando apenas medidas semioficias junto aos alemães, conseguindo a suspensão das prisões . Temia que qualquer tipo de protesto seria contraproducente e poderia desencadear a violência dos nazistas. Além disso, julgou ser melhor se calar e ajudar concretamente todos os judeus perseguidos; assim, as instituições católicas fizeram o possível para lhes salvar a vida e, com aprovação do Vaticano, acolheram dentro e fora deste milhares de judeus (MARTINA, 1997, p. 209-210).

Para a formação de uma nova ordem aspirada pela Santa Sé, seria necessário que a humanidade aprendesse com a dor da guerra e se tornasse mais sábia para distinguir a verdade da aparência enganadora, soubesse ouvir a voz da razão, em vez de iludir-se com a retórica do erro. Com tais disposições, os homens tornar-se-iam convictos da realidade e, concomitantemente a isso, tomariam a sério a atuação do direito e da justiça, para que essa

nova ordem apresentasse um conteúdo digno, estável, apoiado sobre as normas da moralidade, de tal forma que não fosse concebida “como um mecanismo puramente externo, imposto pela força, sem sinceridade, sem consentimento pleno, sem alegria, sem paz, sem dignidade, sem valor” (PIO XII, 1951b, p. 13).

Pio XII elucidou os preceitos “indispensáveis”, segundo a sua concepção, para o estabelecimento dessa nova ordem:

1.) A vitória sobre o ódio, que hoje divide os povos; a renúncia conseqüente a sistemas e a práticas de que ele recebe sempre novo alento. E em verdade, presentemente em alguns países, uma propaganda sem freio e que não evita manifestar alterações da verdade mostra, dia a dia e quase hora a hora, à opinião pública, as nações adversárias, a uma luz falsa injuriosa. Mas quem quer verdadeiramente o bem-estar do povo, quem deseja contribuir para preservar de incalculáveis danos as bases espirituais e morais da futura colaboração das gentes, considerará como dever sagrado e alta missão não deixar perderem-se, no pensamento e no sentimento dos homens, os ideais naturais da veracidade, da justiça, da cortesia e da cooperação no bem, e sobretudo o sublime ideal sobrenatural do amor fraterno trazido por Cristo ao mundo.

2.) A vitória sobre a desconfiança, que pesa e oprime o direito internacional, torna impraticável todo verdadeiro entendimento; um regresso portanto ao princípio:

Justitiae soror incorrupita fides (Horácio, Odes,1, 24, 6-7); àquela fidelidade na

observância dos pactos, sem que não é possível a convivência segura entre os povos, e sobretudo a coexistência de povos poderosos e povos fracos. Fundamentum autem

― proclamava a antiga sabedoria romana ― est justitiae fides, id est dictorum

conventorumque constantia et veritas (Cícero, De officcis, 1, 7, 23).

3.) A vitória sobre o funesto princípio de que a utilidade é a base e a regra dos direitos, que a força cria o direito; princípio que torna frágil o entendimento internacional, com grave dano especialmente para aqueles estados que, ou pela sua tradicional fidelidade aos métodos pacíficos ou pela sua menor potencialidade bélica, não querem ou não podem combater com os outros; o regresso portanto a uma séria e profunda moralidade nas normas de convívio entre as nações, o que evidentemente não exclui nem a procura do útil honesto nem o oportuno e legítimo uso da força para tutelar direitos pacíficos com violência impugnados ou reparar os danos.

4.) Vitória sobre aqueles germes de conflitos, que são as divergências assaz estridentes no campo da economia mundial; daí uma ação progressiva, equilibrada por correspondes garantias, para se chegar a um arranjo que dê a todos os estados os meios de assegurar aos cidadãos de todas as classes conveniente teor de vida. 5.) Vitória sobre o espírito do frio egoísmo, o qual, confiado na força, facilmente acaba por violar não menos a honra e a soberania dos estados do que a justa, sã e disciplinada liberdade dos cidadãos. Em seu lugar deve introduzir-se uma sincera solidariedade jurídica e econômica, uma colaboração fraterna, segundo os preceitos da lei divina, entre os povos seguros da sua autonomia e independência. Enquanto nas duras necessidades da guerra falam as armas, dificilmente se poderão esperar atos definitivos no sentido da restauração de direitos morais e juridicamente imprescritíveis. Mas seria de desejar que desde já uma declaração de princípio a favor do seu reconhecimento viesse serenar a agitação e a amargura de quantos se sentem ameaçados ou lesados na sua existência ou no livre desenvolvimento da sua atividade (PIO XII, 1951b, p. 13-15).

No final da mensagem do Natal de 1940, o pontífice escreveu sobre a esperança e a confiança nas atitudes dos homens para a reconstrução da ordem:

No momento, por todos desejados, a juízo humano ainda imperscrutável, em que se calarão as armas, e se inscreverão nos parágrafos do tratado de paz os efeito deste

gigantesco conflito, Nós (a Santa Sé) desejamos que a humanidade, e aqueles que lhe abrirão os caminhos do progresso estejam tão amadurecidos no espírito e seja de tal capacidade de ação que aplanem o terreno para o advento duma sólida, verdadeira e justa nova ordem (PIO XII, 1951b, p. 15).