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ENFIM, O SÉCULO XX – PIO

2.2 OS DOCUMENTOS DE PIO

2.2.5 Non abbiamo bisogno

Na sequência, em 1931, o papa publicou a encíclica Non abbiamo bisogno (29 de junho), na qual explanou longamente a Ação Católica, que, naquele momento histórico, estava sendo severamente perseguida na Itália pelo governo fascista de Mussolini.

O documento está divido em quatro partes: (1) A solidariedade da Ação

Católica; (2) As violências contra as associações; (3) Objetivo: monopólio da educação infantil; e, por fim, (4) Inscrição e juramento fascista.

Na primeira parte, A solidariedade da Ação Católica, Pio XI discorreu sobre a importância das associações e sobre a “participação e colaboração do laicado no apostolado hierárquico”, bem como sua responsabilidade em zelar pelos “canteiros tão ricamente floridos e prometedores dos vossos jardins espirituais (PIO XI, 2004, p. 338-339).

Saudou todos os membros da Ação católica em todo o mundo e, ao mesmo tempo, condenou explicitamente o fato de a Ação Católica estar sendo perseguida justamente no território italiano, berço da Igreja Católica.

Foi para nós especialmente belo e consolador ver as Ações católicas de todos os países, desde os mais próximos até o mais longínquos, encontrarem-se reunidas ao redor do pai comum, animadas e como que impulsionadas por um e mesmo espírito de fé, de piedade filial, de generosos propósitos, nos quais se traduzia unanimemente a surpresa dolorosa de ver a Ação católica perseguida e ferida precisamente no

centro de todo o apostolado hierárquico, em que a Ação católica, mais que em outra parte, tem a sua razão de ser (PIO XI, 2004, p. 338).

Na segunda parte do documento, As violências contras as associações, o papa Pio XI protestou contra a dissolução e a perseguição que as associações da Ação Católica estavam sofrendo na Itália:

Já por várias vezes, veneráveis irmãos, da maneira mais explícita, e assumindo toda a responsabilidade do que dizíamos, explicamos e protestamos contra a campanha de falsas e injustas acusações que precederam a dissolução das associações juvenis e universitárias da Ação Católica. Dissolução essa efetuada por vias de fato com processos tais que davam a impressão de se estar perseguindo uma vasta e perigosa associação de delinqüentes (PIO XI, 2004, p. 340).

Ele qualificou as ações do governo italiano como exageradas e cruéis, em decorrência da violência empregada contra os membros das associações. Ademais, condenou o fato de que fora passado para o conhecimento mundial que as dissoluções aconteceram de forma branda, sem incidentes, “como uma coisa normal”. Acusou como a principal fonte dessas calúnias a “imprensa hostil do partido” (PIO XI, 2004, p. 341), que acusava a Ação Católica italiana de fazer política, o que, para ele, era “uma verdadeira e pura calúnia” (PIO XI, 2004, p. 353).

Era calúnia, pois, antes mesmo de existir o Partido Fascista – chamado por Pio XI de “partido novo no documento” –, foram publicadas várias disposições que proibiam os dirigentes da Ação Católica de ocuparem posições no Partido Popular, e, obrigando-os a promoter que não exerceriam nenhuma atividade política, exerceriam apenas as atividades religiosas.

Pio XI levou em consideração a natureza profunda do fascismo e como essa doutrina era incompatível com a doutrina cristã, principalmente pelo fato de ser visto como estatolatria verdadeiramente pagã.

Para encerrar a segunda parte, Pio XI escreveu:

Em nenhum país do mundo se considerou a Ação Católica um perigo para o Estado; em país algum do mundo se tratou a Ação Católica com tanto ódio, com tanta perseguição como em nossa Itália em nossa sede episcopal de Roma; esta é, deveras, uma situação absurda, não criada por nós, mas sim contra nós (PIO XI, 2004, p. 354).

Na terceira parte, Objetivo: monopólio da educação da juventude, Pio XI colocou como motivo maior para a perseguição às associações católicas a tentativa ou a investida do governo italiano em monopolizar a educação em todo o país.

Nada mais são que pretextos ou acervo de pretextos; mais ainda: ousamos dizer que a própria Ação Católica é pretexto, pois o que se quis e o que se intentou fazer foi arrancar a juventude, a juventude toda, à Ação Católica, e por meio dela, à Igreja. Isto é tão certo que, após haver falado tanto da Ação Católica, se voltaram [o governo fascista italiano] contra as Associações juvenis; não se detiveram nas Associações juvenis da Ação Católica, mas precipitaram-se tumultuosamente contra associações e obras exclusivamente piedosas e de instrução primária e religiosa (PIO XI, 2004, p. 355).

Em seguida, o papa discorreu acerca da importância e do direito supremo que a Igreja e a Ação Católica possuíam sobre a educação, relembrando toda a argumentação apresentada na encíclica Divini Illius Magistri. Segundo Pio XI, a igreja de Jesus Cristo jamais contestou os direitos e os deveres do Estado quanto à educação dos cidadãos, o que foi exposta na encíclica sobre a “educação cristã da juventude”.

O Estado tem o direito à educação, restrito aos seus limites temporais e territoriais; a Igreja tem o direito e, ainda, o dever de educar e formar o homem como um todo, no seu limiar físico, psíquico e moral. A cada um há uma delimitação de atuação na prática da educação, e a Igreja, diante de qualquer atrito ou desentendimento, deve ser superior ao Estado.

Pio XI alertou, ainda, para a necessidade de ampliarem-se os cuidados e as atenções em relação ao surgimento de uma “religiosidade” que se colocava contra a autoridade religiosa e que impunha ou estimulava a rebeldia; uma religiosidade que permitia a perseguição, que procurava destruir o “chefe supremo da religião”, que proferia palavras e ações insultuosas contra os homens de bem. Essa religião era a religião do Estado, a estatolatria.

Uma concepção que torna dependentes do Estado as gerações juvenis, inteiramente e sem exceção [...] é inconciliável para um católico com a verdadeira doutrina católica; e não menos inconciliável com o direito natural da família. Para um católico é incompatível com a doutrina católica pretender que a Igreja, o papa, devam limitar-se às praticas exteriores da religião (a missa e os sacramentos), e que todo o restante da educação pertença totalmente ao Estado (PIO XI, 2004, p. 361).

No quarto item da encíclica, Inscrição e juramento42 fascista, Pio XI censurou energicamente o ato do governo italiano, que obrigou muitos italianos a prestarem o juramento de servir ao fascismo e a seu líder de forma incontestável. Para muitos, o juramento era “condição indispensável para a carreira, para o pão e para a vida” (PIO XI, 2004, p. 363). No entanto, o juramento, para Pio XI, corrompia o coração dos cristãos, essencialmente das

42 A fórmula do juramento era: “Juro seguir sem discutir as ordens do Duce e defender com todas as minhas

forças e, se for necessário, com meu sangue a causa da Revolução Fascista”. As ordens do Duce não se discutiam, porque, segundo o aforismo escrito nas paredes, “Mussolini tem sempre razão” (PIO XI, 2004, p. 362).

crianças e dos jovens, que, em decorrência da pouca idade e experiência, eram mais suscetíveis às influências.

O que se deve pensar e julgar duma fórmula de juramento que impõe às próprias crianças cumprirem, sem discutir, ordens que, como vimos, podem mandar, contra toda a verdade e justiça, a violação dos direitos da Igreja e das almas, por si mesmo sagradas e invioláveis, e a servirem com todas as suas veras, até com o sangue, a causa de uma revolução que arranca os corações da juventude à Igreja, que inocula em suas forças juvenis o ódio, as violências, as irreverências (PIO XI, 2004, p. 362).

Pio XI procurou deixar claro que sua intenção não era condenar o partido, nem o regime, mas, sim, suas ações contra a doutrina católica e contra os católicos a perseguições desmedidas; e, ainda, ele se questiona: “que interesse pode ter um partido num país católico como a Itália, manter em seu programa, idéias, máximas e práticas inconciliáveis com a consciência católica?” (PIO XI, 2004, p. 364).

Para finalizar, Pio XI atestou acerca da educação como direito da Igreja:

E assim à Igreja de Deus, que nada regateia ao Estado do que ao Estado pertence, se este cessar de atribuir-se o que a ele corresponde, a educação humana, mas por mandato divino o que ela, por conseguinte, sempre deve reclamar e nunca deixará de reclamar, com a insistência e intransigência, que não podem cessar nem curvar-se, porque não provêm de nenhuma concessão ou cálculo humano, ou de humanas ideologias, que variam conforme os tempos e os lugares, mas sim duma disposição divina e inviolável (PIO XI, 2004, p. 368).