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Mais uma vez, a quinta, amados filhos e filhas de todo o mundo, a grande família cristã se prepara para celebrar a magnífica solenidade da paz e do amor que redime e irmana, numa sombria atmosfera de morte e de ódio; também neste ano sente e experimenta a amargura e o horror de uma oposição irreconciliável entre a suave mensagem de Belém e o encarniçamento feroz como que a humanidade se dilacera (PIO XII, 1951e, p. 3).

Por mais um ano consecutivo, a serena festa do Natal foi comemorada em meio à guerra, que, segundo Pio XII, era o produto apocalíptico inventado por uma civilização em que o progresso crescente das técnicas foi acompanhado pela profunda insuficiência de moralidade e espírito. Os povos assistiram ao aperfeiçoamento dessas técnicas, ou melhor, dos meios e modos de destruição em massa e, ao mesmo tempo, vivenciaram uma decadência interior que cada vez mais dilacerou a sensibilidade moral, levando a humanidade para um abismo, no qual todo seu sentimento foi sendo sufocado e sua razão, velada.

Nesse ano, o papa tratou dos grupos que, segundo ele, contribuíram para o “esvaziamento” da sociedade, pois hesitavam moral e intelectualmente e, nessa hesitação, tornavam-se “presas” fáceis das ideias errôneas; aqueles que colocaram a sua confiança na expansão mundial da vida econômica e material, pois julgavam que somente assim alcançariam a fraternidade entre os povos.

O aumento do comércio mundial e o intercâmbio entre os continentes dos meios de produção, dos bens produzidos e das mais diversas tecnologias possibilitaram grandes relações e vínculos mundiais, mas também conduziram à exploração do ser humano – mão de obra – e da natureza, o que, por sua vez, criou uma discórdia entre privilegiados e destituídos – explorados57.

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Para a Igreja, os bens terrenos existem para a vida do espírito e para perfeição cultural, moral e religiosa da pessoa humana, e não para o acúmulo de riquezas. O Salvador da humanidade – Jesus Cristo – nasceu em um

Sendo assim, as sociedades que esperavam do poder econômico, das riquezas, ou por meio dos mecanismos econômicos obter a salvação, haviam-se tornado, na verdade, não donas, mas escravas das riquezas materiais, e estavam fadadas a um fim em si mesmas e não ao fim supremo dos homens.

Os que colocaram a felicidade na ciência sem Deus preocupavam-se em explicar todos os acontecimentos terrenos por meio de experimentos empíricos, dos encadeamentos rígidos e determinísticos das intransigentes leis naturais; Pio XII criticou o positivismo, mas não só o positivismo jurídico, e, sim, todo positivismo que, em qualquer vertente da vida, explica os acontecimentos, única e exclusivamente através de comprovações científicas, excluindo qualquer força superior ao entendimento humano de fazer parte da vida deste, gerando, assim, um forte ceticismo.

A guerra destruiu muitos locais de trabalho, desamparando profissionais e se alguns podem ainda ocupar-se no seu trabalho, a guerra impôs condições de trabalho e de vida em que desaparece toda a característica pessoal, falta e torna-se impossível uma vida familiar orientada, e já não se encontra aquela satisfação da alma (PIO XII, 1951e, p. 8).

Há, também, os que colocaram as suas esperanças no gozo da vida terrena, que era “imaginada exclusivamente ou como plenitude de energias corporais e beleza de forma e de pessoas, ou como opulência e superabundância de comodidades, ou como posse de força e poder” (PIO XII, 1951e, p. 9). Com a guerra, vidas foram perdidas em batalhas, principalmente de jovens, que, muitas vezes, se não morriam, ficavam mutilados. Essas vidas que foram arrancadas da sociedade formariam a sua força de trabalho – maioria masculina –, a qual ficou comprometida com a guerra; restou, então, às mulheres trabalharem mais que em tempos de paz, para satisfazerem as necessidades de produção, colocando em risco seus deveres com a família, especialmente em relação à educação dos filhos, sem os quais o futuro de uma pátria estava em risco.

Aos olhos de Pio XII, a guerra era:

A mais triste visão que perturba e espanta os que aspiram a possuir força e predomínio: agora contemplam com terror o oceano de sangue e lágrimas que banha o mundo, as sepulturas e fossas de cadáveres multiplicadas e espalhadas por todas as regiões da terra e ilhas dos mares, o lento extinguir-se da civilização, o progressivo desaparecer do bem-estar, mesmo material, a destruição de insignes monumentos e nobilíssimos edifícios de arte soberana, que podiam chamar-se patrimônio comum do mundo civilizado; os ódios que se acirram e aprofundam e inflamam os povos

estábulo, enobrecendo a pobreza, e mostrando que ela não implicava a condenação ou rejeição da vida econômica, ao menos no que se fazia necessário para o desenvolvimento físico e natural do homem.

uns contra os outros, e não permitem esperar nenhum bem para o porvir (PIO XII, 1951e, p. 11).

Para restaurar as sociedades desse total desencontro de interesses e de verdades, o papa clamou aos “seus fiéis”, que, segundo ele, eram aqueles que não haviam se perdido no tempo e no espaço, preservando os verdadeiros valores. Esses deveriam juntar-se à Igreja, multiplicando suas forças, pois ela já havia feito, e continuou fazendo, o que estava a seu alcance para aliviar as tristes consequências da guerra, para auxiliar os feridos, prisioneiros, dispersos, errantes, necessitados, enfim, todos que padeciam e sofriam, independentemente de sua língua ou nação.

Com o passar do tempo, a necessidade de ajuda aumentaria cada vez mais e seria imprescindível após o término do conflito, pois seria necessária a reconstrução física e moral das sociedades.

O auxílio que a Santa Sé prestava e os seus conselhos eram imparciais, não tendendo a nenhum lado beligerante, entretanto ela contava com a fiel participação de seu seguidores para difícil tarefa que se apresentava, pois uma verdadeira paz não é o resultado matemático de uma proporção de forças; no seu significado último e mais profundo é um ato moral e jurídico. Não se pode, de fato, realizar, sem recorrer à força, e a sua própria estrutura deve ter o apoio de uma justa proporção de força. Mas a função desta força se quer permanecer moralmente justa, deve ser a defesa e proteção do direito, e não diminuí-lo e oprimi-lo (PIO XII, 1951e, p. 18).

O único objetivo dos tratados de paz deveria ser o entendimento e a concórdia entre as nações beligerantes e não havia melhor momento para elaboração e cumprimento desses tratados do que esse; a humanidade sabia, mais que em qualquer outro tempo, o que frutificava dos erros e das discórdias, pois era vítima desses desentendimentos. Pio XII ansiava que esse fosse o último Natal comemorado durante a guerra