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3.1.1 “PONTOS FUNDAMENTAIS PARA A PACÍFICA CONVIVÊNCIA DOS POVOS” –

A guerra foi o resultado direto da obscuridade e deformação da verdade, que levantou barreiras intransponíveis entre os povos e formou “muralhas ciclópicas da aversão e do ódio” (PIO XII, 1951a, p. 8), consequência da falta de respeito entre os homens e suas nações, que, por sua vez, foi resultado das próprias ações dos homens. Entretanto, os homens eram os únicos que “tinham nas suas mãos a força e sobre seus ombros uma pesada responsabilidade, de que evitassem um conflito armado e poupassem o mundo de desgraças não fáceis de prever” (PIO XII, 1951a, p. 8).

[O mundo assistiu a] uma série de atos também inconciliáveis com as prescrições do direito natural e até com os sentimentos mais elementares da humanidade; atos que mostram em que círculo vicioso e caótico se perde o senso jurídico orientado por considerações puramente utilitárias (PIO XII, 1951a, p. 7).

A preocupação em relação ao estado econômico, social e espiritual da Europa, e não só da Europa, era clara no pensamento de Pio XII, pois uma guerra de tal proporção, como a princípio já aparentava ser a Segunda Guerra Mundial, demandava muitos gastos, absorvendo grande parte das riquezas materiais dos países beligerantes – gastos com armamentos, alimentos, tropas, entre outros. Em um período em que a economia se encontrava fragilizada, devido à própria guerra, formava-se um ciclo vicioso de muitos gastos e poucos ganhos.

Seria necessária, então, a reconstrução das partes destruídas pelos conflitos, o que demandaria ainda mais gastos, ou seja, a guerra arruinaria a Europa e isso já era previsto pelo papa no primeiro ano do conflito.

O papa já não considerava possível, nem desejável, o simples retorno às condições anteriores, pois estas haviam falhado e, consequentemente, resultado no conflito mundial. Para se atingir a paz, seria necessária a formação do uma nova ordem mundial, que deveria ser apoiada principalmente na dignidade humana e no respeito mútuo entre os homens e suas nações; uma paz que fosse conforme à dignidade do homem e à consciência cristã, que não deveria ser uma dura imposição da espada, mas, sim, o resultado de uma justiça proveniente da responsável equidade entre os povos.

Os pontos fundamentais de uma paz justa e honrosa, formulados por Pio XII, são:

1º. – Um postulado fundamental duma paz justa e honrosa é assegurar o direito à vida e à independência de todas as nações, grandes e pequenas, poderosas e fracas. A vontade de viver duma nação nunca deve equivaler à sentença de morte de outra. Quando essa igualdade de diretos se destrói ou lesa ou se põe em perigo, a ordem jurídica exige uma reparação, cuja medida e extensão se não determinem pela espada nem pelo egoísmo arbitrário, mas por normas de justiça e de equidade recíprocas.

2º. – A fim de que a ordem, assim estabelecida, possa ter tranqüilidade e duração, – pontos cardeais de uma verdadeira paz –, as nações devem ser libertadas da pesada escravidão, da corrida aos armamentos e do perigo de que a força material, em vez de servir para tutelar o direito, seja ao contrário um instrumento titânico da sua violação. Conclusões de paz, que não atribuíssem fundamental importância a um desarmamento mutuamente consentido, orgânico, progressivo, tanto na ordem prática como na ordem espiritual, e não tratassem de o realizar lealmente, revelariam, cedo ou tarde, a sua inconsistência e falta de vitalidade.

3º. – Em toda organização da comunidade internacional, seria conforme as máximas da humana sabedoria que todas as partes em causa deduzissem das deficiências ou lacunas do passado as conseqüências; e no criar ou reconstruir as instituições internacionais – as quais têm uma missão tão alta, mas ao mesmo tempo tão difícil e tão cheia de graves responsabilidades – deveriam ter-se presente as experiências que se fizeram da ineficácia ou do defeituoso funcionamento de semelhantes iniciativas anteriores. E como é tão difícil à natureza humana, íamos a dizer quase impossível, prever tudo e tudo assegurar no momento das negociações da paz, quando se torna tão difícil ser superior às paixões e amarguras, a constituição de instituições jurídicas, que servem para garantir a leal e fiel aplicação das convenções, e, em caso de reconhecida necessidade, para as rever e corrigir, é de importância decisiva para uma honrosa aceitação de um tratado de paz e para evitar arbitrárias e unilaterais lesões e interpretações das condições dos próprios tratados.

4º. – Há um ponto, em particular, que deveria prender a atenção, se se quer uma melhor organização da Europa: é o que se refere às verdadeiras necessidades e justas reivindicações das nações e dos povos, como também das minorias étnicas; reivindicações que, se nem sempre são suficientes para fundamentar o direito estrito, quando estão em vigor tratados reconhecidos ou sancionados ou outros títulos jurídicos que se lhe impõem, merecem contudo um exame benévolo, para ir ao seu encontro por meio de vias pacíficas e até, onde isso for necessário, por meio de uma eqüidade, sábia e concorde revisão dos tratados. Restabelecendo assim um verdadeiro equilíbrio entre as nações, e reconstituindo as bases de uma mútua confiança, afastar-se-iam muitos incentivos para recorrer à violência.

5º. – Além disso, os melhores reguladores e mais completos seriam imperfeitos e condenados definitivamente ao insucesso, se aqueles que dirigem os destinos dos povos, e os próprios povos, não se deixassem penetrar cada vez mais daquele espírito, que pode dar vida, autoridade e força de obrigação à letra morta dos parágrafos dos reguladores internacionais; daquele sentimento íntimo e viva responsabilidade que mede e pondera os estatutos humanos segundo as santas e inabaláveis normas do direito divino; daquela fome e sede de justiça, que foi proclamada como bem-aventurança no Sermão da montanha, e que tem como natural pressuposto a justiça moral; daquele amor universal, que é o resumo e termo mais alto do ideal cristão e que por isso lança uma ponte até para aqueles que não têm a felicidade de participar da nossa fé (PIO XII, 1951a, p. 8-11).

Essa nova ordem aspirada por ambos os lados deveria assegurar as normas jurídicas da vida estatal e internacional para todos, pois quem mais sofria era os que viviam do trabalho de suas mãos, estando o mundo em guerra ou em paz, devido às desarmonias econômicas.