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3 OLHARES MÚLTIPLOS SOBRE CONCEPÇÕES E PRÁTICAS COMO

3.3 Alfabetização científica e a dimensão ambiental no ensino de ciências

Os livres mercados do mundo não são livres e nem mercados. São praças de guerra, em que as armas são o conhecimento e a tecnologia. (Ennio Candotti).

A presença da ciência e tecnologia no cotidiano dos cidadãos não pode ser ignorada. Elas se sobressaem, em especial, por meio dos seus impactos na sociedade, ou por meio de suas consequências diretas na vida das pessoas. Isso implica que a socialização do conhecimento científico tem notável importância no mundo moderno (KRASILCHIK; MARANDINO, 2004; CACHAPUZ et al., 2011).

A expressão “ciência para todos” resume essa necessidade de socialização do conhecimento científico e de levar aos cidadãos a possibilidade de tornarem-se alfabetizados

cientificamente. Ensinar ciências como evidenciado no primeiro capítulo, passou de ensiná-la de forma neutra para uma postura pedagógica diferenciada e interdisciplinar.

Krasilchik e Marandino (2004) enfatizam que a ciência é vista como um processo e uma instituição, não como um produto, e ensiná-la envolve considerar que o conhecimento é provisório e construído historicamente, também está estreitamente relacionado a questões sociais, políticas econômicas e ideológicas. Ensina-se ciência desse modo para construir a criticidade dos alunos e sua ação como cidadãos por meio do estimulo a:

[...] capacidade de comunicação para ouvir, para expressar diferentes pontos de vista, imaginação para colocar-se no lugar de outras pessoas, compreendendo suas razões e seus argumentos sem preconceitos, com sensibilidade e modéstia (p. 9).

Essas são competências construídas em um ensino menos rígido e técnico, que é voltado para a inserção do aluno em uma cultura científica, por intermédio do processo contínuo de alfabetização científica. Considerar que cada cidadão deve ter participação nas políticas pública sobre ciência e tecnologia envolve a necessária compreensão da ciência e tecnologia e a intervenção desse cidadão na sociedade. Por isso, Shen (1975, apud KRASILCHIK; MARANDINO, 2004) distingue três formas de alfabetização científica (AC): AC Prática, AC cívica e AC cultural. A AC prática envolve compreender ciência para resolver os seus problemas do cotidiano, enquanto, na AC cívica, o aluno reflete sobre os impactos da tecnologia e da ciência, busca informar-se para intervir. A AC cultural envolve uma intimidade maior com o conhecimento científico, o desejo de saber mais sobre Ciência e um aprofundamento. Esses termos podem ser melhor esclarecidos por Lorenzetti e Delizoicov

(2001, pp. 4-5) que explicam que a:

“alfabetização científica prática” está relacionada com as necessidades humanas mais básicas como alimentação, saúde e habitação. Uma pessoa com conhecimentos mínimos sobre esses assuntos pode tomar suas decisões de forma consciente, mudando seus hábitos, preservando a sua saúde e exigindo condições dignas para a sua vida e a dos demais seres humanos [...] A “alfabetização científica cívica” seria a que torna o cidadão mais atento para a Ciência e seus problemas, de modo que ele e seus representantes possam tomar decisões mais bem informadas. [...] a “alfabetização científica cultural” procurada pela pequena fração da população que deseja saber sobre Ciência, como uma façanha da humanidade e de forma mais aprofundada. É o caso de profissionais não pertencentes à área científica, que passam a interessar-se por um dado assunto (engenharia genética, por exemplo) e, então, começam a ler, pensar e assinar revistas específicas para aprimorar seu conhecimento.

O conceito de alfabetização científica remonta aos finais dos anos 50, possuindo significados distintos. No entanto, esse conceito não pode ser reduzido à simples compreensão e uso de um vocabulário científico, e, tampouco, ao aprendizado de conceitos científicos e

procedimentos usados pelos cientistas, mas à compreensão da natureza da ciência e da prática científica, em suas relações com a sociedade, possibilitando a tomada de decisões dos cidadãos sobre suas condições de vida e decisões políticas (CACHAPUZ et al., 2011).

Esse conceito tornou-se um slogan educacional no ensino de ciências. Segundo Sasseron e Carvalho (2011), em sua revisão histórica sobre a alfabetização científica, o termo “scientific literacy” é mais utilizado nos Estados Unidos e foi lançado por Paul Hurd. Para essas pesquisadoras, o termo “alfabetização científica” designa um ensino que permite aos alunos interagirem com uma nova cultura, na qual eles podem modificar a si mesmos e ao contexto onde vivem, apropriando-se dos saberes e conhecimentos produzidos pela ciência. O indivíduo alfabetizado possui um nível mínimo de leitura, escrita, habilidades e domina a linguagem científica a ponto de compreender a relação entre ciência, sociedade e tecnologia

A revisão em língua inglesa, realizada por Laugksch (2000), traz a pluralidade semântica ao qual o termo “Alfabetização Científica” (AC) se refere, mas esclarece que, para ser alfabetizado cientificamente, é necessário ter conhecimento da relação sociedade e ciência, sobre a ética presente na ciência, diferenciar Ciência e Tecnologia e possuir conhecimentos de conceitos básicos científicos. Ou seja, o conhecimento necessário para compreender o que a ciência faz e não o conhecimento para realizar pesquisas científicas. Ser cientificamente alfabetizado inclui entender o conhecimento divulgado pela ciência e estabelecer relações com as ideias que emergem de uma cultura científica (LAUGKSCH, 2000; SASSERON; CARVALHO, 2011).

De modo igual, Chassot (2003) defende que a ciência é uma linguagem construída para explicar o mundo natural, enquanto ser alfabetizado cientificamente é saber ler a linguagem do universo. Ele destaca, quanto à dimensão ambiental, que a alfabetização científica e a alfabetização política são essenciais aos alunos, mas considera que, no caminho dessas perspectivas, existem muitos desafios:

O problema com que nos defrontamos é, paradoxalmente, simples e complexo por que sabemos o que fazer ao propormos uma educação que alfabetize política e cientificamente homens e mulheres; complexo porque temos de sair do que estamos fazendo e propor maneiras novas de ensinar nestes novos tempos (CHASSOT, 2014, p. 150).

Diante desses desafios, Auler e Delizoicov (2001) defendem uma Alfabetização Científica e Tecnológica que supere os mitos e visões deformadas sobre o desenvolvimento científico-tecnológico e que não se restringe ao ensino de conceitos científicos, a fim de proporcionar uma visão realista da ciência e da tecnologia.