• Nenhum resultado encontrado

Alfabetização científica em Ciências da Terra: contribuições para a formação

2.4 Alfabetização científica e o ensino de Ciências no ensino fundamental I

2.4.1 Alfabetização científica em Ciências da Terra: contribuições para a formação

Os conhecimentos geocientíficos podem contribuir para a alfabetização em Ciências da Terra proporcionado uma visão integrada dos ambientes físicos e biológicos com as questões sociais, políticas e econômicas. Tal associação, que trata dos conhecimentos geocientíficos de uma forma bastante abrangente, pode ser nomeada como Ciências do Sistema Terra (PIRANHA;CARNEIRO, 2009)

Finley et al. (2011) afirmam que na Ciência do Sistema Terra a complexidade ganha maior espaço. Os autores consideram a “Ciência do Sistema Terra como o estudo dos sistemas naturais e sociais e as interações entre esses sistemas” (FINLEY et al., 2011), ou seja, constitui-se em uma disciplina emergente, baseada na ideia que a Terra pode ser entendida considerando seus sistemas naturais e sociais.

Portanto, o conceito de Ciência do Sistema Terra incorpora o olhar sistêmico, encontrando amparo nos estudos que valorizam as questões ambientais e os problemas de riscos naturais nos estudos terrestres (CARNEIRO et al., 2005). Como destacam Piranha e Carneiro (2009), essa abordagem vem ao encontro com a ideia de sustentabilidade, inserindo as análises das inter-relações homem/meio.

Modernamente denominada Ciência do Sistema Terra integra as diferentes esferas em que a matéria se organiza e nas quais todas as formas de energia provocam mudanças à medida que são permutadas. Esta condição permite, de forma peculiar, reconhecer o significado da ação humana no planeta, o que parece ser, no momento, questão central da ideia de sustentabilidade (PIRANHA; CARNEIRO, 2009, p. 131).

O olhar integrado e sistêmico é favorecido ao tomarmos como ponto de partida a Ciência do Sistema Terra e a notória importância que possui na formação científica dos estudantes.

Para Mayer (2001), as ciências do Sistema Terra, definido no relatório do Earth System Science Comittee (NSTA, 1992) fornecem a base conceitual para o currículo internacional de Educação em Ciências pré-universitária e também uma definição global de alfabetização científica. Os princípios adotados propõem uma abordagem interdisciplinar e conceitual, na qual físicos, químicos, biólogos, geólogos e cientistas sociais trabalham em conjunto, aplicando seus conhecimentos e capacidades especializados para compreenderem como é que cada um dos sistemas terrestres funciona, como interagem e como os humanos podem afetar tais sistemas.

Segundo Mayer (2002) e Orion (2003), uma mudança curricular do ensino de Ciências na educação básica, em nível mundial, deveria ser baseada no objeto de estudo de todas as disciplinas de Ciências, o que o autor denomina como O Sistema Terra e seu ambiente no espaço. A visão sistêmica do Planeta, por meio das esferas terrestres, esclarece as inter-relações desenvolvidas pelos constituintes dessas esferas ao longo do tempo geológico. Já no início da década de 1970, Lovelock (1991) observou que a Terra é composta por vários sistemas dinâmicos inter-relacionados, e apresentou a Hipótese Gaia.

Em meio a essa discussão, Mayer (1995) apresentou princípios gerais para a construção dos currículos de Ciências da Terra:

Quadro 2 - Princípios gerais para a construção de currículos de Ciências da Terra. A Terra é única, um planeta de rara beleza e de grande valor.

As atividades humanas, coletivas ou individuais, conscientes e inconscientes, têm um forte impacto sobre a Terra.

O desenvolvimento do pensamento científico e tecnológico aumenta a nossa capacidade para compreendermos e utilizarmos a Terra e o Espaço.

O Sistema Terra é composto por subsistemas de água, rochas, gelo, ar e vida, em constante interação.

A Terra tem mais de 4 bilhões de anos e os seus subsistemas continuam em constante evolução.

A Terra é um pequeno subsistema do Sistema Solar, dentro de um vasto e antigo Universo. Existem muitas pessoas cujas carreiras e interesses têm a ver com o estudo e origem da Terra e seus processos.

Fonte: Baseado em Mayer, 1995.

Estes temas serviram de base para a elaboração do documento “Earth Science Literacy - The Big Ideas and Supporting Concepts of Earth Science” (2011), subscrito pela National Science Education Standards e pela American Association for the Advancement of Science Benchmarks for Science Literacy. Desde então, tal documento tem orientado o ensino e a divulgação das Geociências em várias partes do mundo.

Orion (2001, 2007, p.93) ressalta que a perspectiva holística que é dada pela Ciência do Sistema Terra constitui "autêntica plataforma para a Ciência integrada e potencial facilitador da compreensão do desenvolvimento do conhecimento ambiental".

King (2008), em seu texto "Geoscience Education: an overview" faz uma abordagem histórica sobre a concepção sistêmica adotada hoje por pesquisadores e professores dentro do contexto do ensino. O autor aponta que a iniciativa de adotar um currículo baseado no Sistema Terra emergiu como uma ideia revolucionária de unificação das ciências do nosso planeta e teve início na década de 1990, com os trabalhos de Mayer & Armstrong (1990) e Mayer (1991), sendo expandida para a alfabetização global em Ciências, perspectivas que foram adotadas por vários autores (MAYER, 1995, 1997; ORION et. al., 1996; MAYER; KUMANO, 2002; MAYER; TOKUYAMA, 2002).

As inovações no currículo de Ciências, a partir da visão sistêmica, focaram inicialmente em mudar o conceito reducionista da natureza das ciências, que está implícito nas Ciências Físicas, as quais não refletem suficientemente a abordagem do "sistema científico", importante para os esforços científicos de nações democráticas. Os autores argumentam ainda que os problemas ambientais e sociais do futuro serão abordados de forma mais eficaz pelas Ciências da Terra e Biológicas, e que esses devem se tornar os principais temas de investigação científica no futuro. Eles afirmam que: o conceito da Terra como um sistema, composto por vários subsistemas e sendo ela mesma um subsistema de um sistema maior, é um conceito que pode ser o tema das ciências nos currículos em todo o mundo.

King (2008) afirma que o estudo das Geociências, e o ensino em Geociências, requer um conjunto de pensamentos e habilidades de investigação que não são comumente encontrados em outras áreas do currículo de Ciências, ou mesmo dentro do currículo geral. Em particular, apresenta cinco atributos educacionais que desempenham um papel fundamental na educação em Ciências e em “educação para a vida”: (1) as metodologias de elaboração do pensar geocientífico; (2) a perspectiva holística; (3) a habilidade espacial; (4) a compreensão do tempo geológico; e (5) as metodologias de investigação de campo.

De acordo com Compiani & Gonçalves (1996), o conhecimento do Sistema Terra:  Contribui para a apropriação material do planeta, possibilitando a sobrevivência da humanidade;

 Discute e fundamenta valores – estéticos, éticos e ideológicos;  Analisa as consequências sociais e ambientais da alteração da Terra;

 Pressupõe a interferência social – agente geológico que atua sobre o processo de desenvolvimento histórico da Terra;

 Possibilita o desenvolvimento de atitudes nos alunos que os capacitem a valorizar os benefícios práticos e a tomar consciência das limitações e danos derivados das aplicações do conhecimento.

Tendo em vista a alfabetização científica e a alfabetização científica em Ciências da Terra, Pedrinaci et al. (2013) trazem contribuições importantes e muito recentes sobre o que entendem como uma pessoa alfabetizada em Ciências da Terra e quais os conhecimentos que os estudantes deveriam ter ao final da educação básica. Os autores propõem cerca de 10 ideias-chave sobre o funcionamento do Planeta. Estas ideiais se referem ao entendimento do Sistema Terra em suas diversas dimensões, quais sejam: tempo; espaço; dinâmicas internas e externas; surgimento/desenvolvimento da vida e suas interações com outras esferas terrestres; recursos naturais e minerais utilizados pelo ser humano, e a finitude destes; riscos dos

desastres naturais para os seres humanos; e construção da Ciência Geológica por meio da interpretação da Natureza. Os conhecimentos em torno do Sistema Terra constituem a base para um entendimento e funcionamento do Planeta, porém se espera desenvolver, além de conhecimentos, competências a partir desses temas. Ainda segundo os autores espanhóis, esses conhecimentos são “una base necesaria para el ejercicio de una ciudadanía responsable que debe estar en condiciones de intervenir, valorar y tomar decisiones sobre cuestiones que le afectan directamente 4” (PEDRINACI et. al., 2013, p. 129).

Bacci e Pataca (2008) ressaltam a importância da visão integrada do ambiente para a educação, que se dá a partir das dimensões espaço e tempo, muitas vezes não tratadas no ensino de ciências naturais, mas que apresentam uma relevância fundamental para a compreensão das questões relativas ao ambiente.

Segundo Oliveira (2012), o conteúdo de Geociências nas séries iniciais do ensino fundamental nas escolas brasileiras encontra-se disperso nos temas de Geografia, História e Ciências, e normalmente não é tratado em sua complexidade total. Isso resulta numa compreensão insatisfatória, por parte dos alunos, a respeito do funcionamento do planeta Terra, o que reflete na formulação de conceitos equivocados, já nas primeiras séries, quando se deparam com questões relacionadas ao meio físico, os quais podem ser denominados de senso comum.

O ensino de Ciências na educação básica deve proporcionar, mais que o acúmulo de conteúdos formais, a reflexão e a conexão de informações, a fim de que os alunos possam definir seus próprios posicionamentos a partir de argumentos formulados por eles mesmos (ALLCHIN, 2004). Um dos caminhos apontados pelas pesquisas em ensino de Braga et al. (2012) e Forato et al. (2012) para alcançar o objetivo destacado é a abordagem histórico- filosófica. A intenção do ensino focado em uma abordagem histórico-filosófica é promover um entendimento mais aprofundado do conteúdo estudado, bem como incentivar o interesse pela Ciência e oportunizar o aprofundamento nos fundamentos de natureza científica (ALLCHIN, 2004; MCCOMAS, 2008). A Ciência é apresentada como um processo de construção humana, um processo histórico, social e cultural, e está envolvida nos debates que concernem à sociedade do seu tempo, não sendo neutra nas observações dos fenômenos naturais (MCCOMAS, 2008; FORATO et al., 2012).

4 Uma base para o exercício de uma cidadania responsávelue deve ter condição de intervir, julgar e tomar decisões sobre questões que lhe afetam diretamente. (Tradução nossa).

Nesse sentido, percebemos que as contribuições epistemológicas das Geociências são fundamentais no ensino de Ciências Naturais. Mencionamos Duschl (1995), que aborda os marcos da aplicação da História e da Filosofia da Ciência no ensino de Ciências da Terra, e Figueirôa (2009), que escreve que outro papel relevante para a História e Filosofia da Ciência na educação científica tem sido o de localizar os conceitos estruturantes a serem ensinados. Esse caminho, também percorrido pela História das Ciências, tem muito a ensinar sobre como se desenvolveram alguns temas de relevância para o ensino das Geociências e para formação de professores por exemplo, tempo bíblico e tempo geológico. Ainda segundo Figueirôa (op.cit) que cita Mathews (1992) e afirma que, no caso do ensino, são corroborados os diversos papéis que a História das Ciências pode desempenhar, tais como: “humanizar as Ciências e aproximá-las mais dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos; tornar as aulas mais estimulantes e reflexivas, incrementando a capacidade do pensamento crítico (...)”

A História das Ciências e as visões que professores têm da Ciência aparecem em um grande número de publicações. Nessa linha, Aleixandre et al., (2001) também relatam as relações entre a Ciência e ensino destacam o quanto existe uma deficiência em História das Ciências no ensino de Ciências Naturais e na formação de professores de Ciências.

2.4.2 Problematização e ensino por investigação: formas para favorecer a