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ALGUMAS CLASSIFICAÇÕES DOS DIREITOS ESTRUTURADAS A PARTIR DO PAPEL DESEMPENHADO PELO ESTADO PARA LHES

2 O SURGIMENTO E A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

2.4 ALGUMAS CLASSIFICAÇÕES DOS DIREITOS ESTRUTURADAS A PARTIR DO PAPEL DESEMPENHADO PELO ESTADO PARA LHES

ASSEGURAR EFETIVIDADE

Os direitos, no que se refere ao papel desempenhado pelo Estado para lhes conceder efetividade30, são objeto de múltiplas classificações. Inicialmente, a mais difundida entre elas

divide os direitos com fundamento na necessidade ou não de intervenção estatal para assegurar a concretização deles.

Segundo essa metodologia classificatória, os direitos são divididos entre aqueles que demandam, para a sua concretização, somente a não interferência estatal na esfera privada dos cidadãos, contrapondo-se aos direitos que reclamam uma postura ativa do Estado focada na concessão direta de prestações jurídicas individuais. Na primeira matriz postam-se os direitos

28 “El modelo del discurso de la interpretación jurídica surge como reaccion a las debilidades o déficits de modelos

y concepciones alternativas. Los más importantes modelos alternativos son el modelo deductivo, el modelo decisório, el modelo hermenêutico y el modelo de coherencia (ALEXY, 1995, Pos. 220). Em tradução livre: “O modelo do discurso da interpretação jurídica surge como reação às debilidades e deficiências dos modelos e concepções alternativos. Os mais importantes modelos alternativos são o modelo dedutivo, o modelo decisório, o modelo hermenêutico e o modelo de coerência. ” É importante destacar, no entanto, que a argumentação jurídica, para ser legítima, deve ser persuasiva e não demonstrativa, consoante defende Maccormick (2008, p. 361), de forma que, se a base do argumento é questionada, o discurso jurídico erguido sobre ela perde sustentação.

29 Concorda-se com Appio (2007, p. 21), no sentido de que o debate democrático do conteúdo e dos valores

constitucionais é quem concede legitimidade às decisões judiciais. No entanto, defende-se que esse debate não pode utilizar a inconstância de conteúdo de alguns princípios para afastar aplicação de texto expresso da Constituição Federal.

30 Adota-se aqui o conceito de efetividade, que tem como parâmetro a materialização do direito assegurado na

esfera individual ou coletiva dos seus destinatários, diferindo-se, portanto, do que se entende por eficácia, compreendida como a validade meramente formal da norma jurídica, dissociada da produção de efeitos práticos, que integra o campo da efetividade.

de cunho civil e político, vinculados ao pensamento liberal, enquanto na outra ponta se localizam os direitos de cunho econômico, social e cultural, cujo usufruto dependeria do fomento financeiro do Estado.

Com isso, segundo essa divisão bastante difundida, os direitos classificados como civis e políticos, para serem usufruídos, demandam, apenas, a não interferência do Estado na esfera individual. Por outro lado, os direitos econômicos, sociais e culturais reclamam sempre a alocação de recursos do Estado para lhes conceder eficácia, uma vez que sem aporte financeiro tais direitos permanecem como singelas promessas.

Essa cisão dos direitos, de acordo com a necessidade de interferência ou não do Estado para a concretização deles, vem sendo bastante questionada. Isso se deve, principalmente, ao trabalho pioneiro de Stephen Holmes e Cass R. Sunstein31, que praticamente iniciam as suas

considerações teóricas defendendo a tese de que a proteção a todos os direitos demanda uma intervenção ativa do poder público. Segundo eles, é falsa a ideia de que os direitos civis e políticos são isentos de custos, uma vez que todos os direitos são positivos e reclamam dispêndios financeiros para a manutenção dos mecanismos de proteção “remedies” voltados à efetivação deles (HOLMES e SUNSTEIN, 1999, p. 43-48).

Apegados à tese de que não existem direitos isentos de custos financeiros, Holmes e Sunstein (1999, p. 55-58), criticam o posicionamento dos defensores da tese de que direitos vinculados às liberdades individuais demandam somente a não ingerência do Estado na esfera individual, dado o seu aspecto negativo. Segundo eles, tal categoria de direitos somente pode ser assegurada mediante a efetiva intervenção do poder público por meio de órgãos pré- constituídos, voltados à proteção desses direitos.

No Brasil, na mesma linha do pensamento de Holmes e Sunstein, Galdino (2002, p. 182), criticou a divisão dos direitos em positivos ou negativos, bem como em direitos de defesa e direitos a prestações. Segundo ele, todos os direitos presentes no ordenamento jurídico são positivos e necessitam de recursos financeiros para a sua implementação, de forma que todos os direitos, quanto ao aspecto econômico, possuem custos para o Estado.

De fato, a associação de todos os direitos a custos financeiros parece acertada. Não há como existir direitos civis e políticos sem que haja um dispendioso aparelho estatal montado para a proteção deles. Como se poderia sustentar seriamente a existência do direito à liberdade dos indivíduos sem os instrumentos jurídicos destinados a tutelá-la e sem a existência de um sistema judicial incumbido de receber os reclames dos indivíduos que considerem o seu direito

31 Trata-se de trabalho documentado no livro “The cost of rights: why liberty depends on taxes”, cuja edição

violado? Seria muito difícil a existência do direito à propriedade privada sem os mecanismos destinados a coagir e desestimular todos os potenciais violadores do bem jurídico.

A própria manifestação do direito à livre escolha dos governantes mediante o exercício do voto não teria como existir sem o dispêndio de vultosas quantias financeiras destinadas à manutenção das estruturas estatais incumbidas de organizar as eleições32.

Logo, fica evidente que a divisão bastante difundida na doutrina entre direitos positivos e negativos ou direitos de defesa e direitos a prestações não é satisfatória, pois todos eles demandam a participação financeira do Estado e possuem custos embutidos, de forma que, sem dispêndios financeiros, todos os direitos se tornam vulneráveis ou mesmo inexistentes.

Sem abdicar da clássica divisão entre direitos de defesa e direitos a prestações, Alexy (2015, p. 196-203), defende que eles são cindidos em direitos a ações estatais negativas e direitos a ações estatais positivas. No primeiro segmento, segundo o autor se acomodam os direitos dos cidadãos a “que o Estado não impeça ou não dificulte determinadas ações do titular do direito”, ou que “o Estado não afete determinadas características ou situações do titular do direito” ou ainda, a que “o Estado não elimine determinadas posições jurídicas do titular do direito”. Por outro lado, os direitos a ações estatais positivas seriam divididos entre aqueles cujo foco seja uma ação fática por parte do Estado ou cujo objeto seja uma ação normativa.

A classificação proposta por Alexy não infirma as conclusões de que todos os direitos possuem custos financeiros embutidos, que devem ser arcados pelo Estado, pois a defesa de qualquer direito, esteja ela em qualquer um dos segmentos propostos pelo autor, tem custos financeiros tanto ou mais elevados que os diretos a prestações, quer sejam elas voltadas a um objeto ou mesmo a uma ação normativa.

Assim, embora para fins didáticos e melhor compreensão do pensamento opte-se por utilizar a divisão já bastante difundida entre direitos de defesa e direitos a prestações do Estado, tem-se sempre, ao longo dessas considerações, um olhar voltado para os custos financeiros dos direitos, uma vez que se concorda com aqueles que defendem não existir direitos neutros em termos financeiros, de sorte que todos eles têm custos, os quais devem ser arcados pelo Estado e por consequência, pela sociedade, responsável por manter o aparelho estatal por meio dos tributos que dela são arrecadados.

32 No Brasil, por exemplo, para o ano de 2015, apenas com custeio da Justiça Eleitoral, que tem a incumbência de

organizar as eleições para a escolha dos dirigentes do país, bem como dos integrantes dos poderes legislativos nas três esferas de governo, a Lei nº 13.115, de 20 de abril de 2015 (Lei Orçamentária Anual), prevê um gasto de R$ 6.564.757.818,00 (seis bilhões, quinhentos e sessenta e quatro milhões, setecentos e cinquenta e sete mil, oitocentos e dezoito reais).

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