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A INTEGRAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS AOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS LOCAIS

2 O SURGIMENTO E A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

2.2 A INTEGRAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS AOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS LOCAIS

Os direitos sociais podem ser agregados aos ordenamentos jurídicos internos, de forma discriminada, assegurados detalhadamente no plano constitucional ou como uma garantia assistencial de cunho genérico, sem maiores detalhamentos no texto da constituição. Assim, é possível - tal como ocorre no Brasil - que cada um dos direitos sociais assegurados pelo constituinte seja introduzido no próprio texto constitucional. Por outro lado, seria possível a existência de uma formulação normativa genérica no plano constitucional, como por exemplo: o Estado, na forma da lei, prestará assistência aos necessitados, visando, dentro dos limites de suas possibilidades financeiras, assegurar o suprimento de suas necessidades básicas, envolvendo saúde, educação, moradia e proteção ao emprego.

Na primeira situação, cada um dos direitos sociais positivados na constituição é considerado direito fundamental dos súditos do Estado, pois como lembra Sarlet (2012, p. 29), “[...], o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado [...]20”.

Bonavides (1999, p. 514) defende que não existe uma diferenciação clara na doutrina entre direitos humanos e direitos fundamentais. Em suas palavras:

A primeira questão que se levanta com respeito à teoria dos direitos fundamentais é a seguinte: podem as expressões direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? Temos visto nesse tocante o uso promíscuo de tais denominações na literatura jurídica, ocorrendo porém o emprego mais frequente de direitos humanos e direitos do homem entre autores anglo- americanos e latinos, em coerência aliás com a tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamentais parece ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães.

Já em relação ao sistema constitucional que eventualmente tenha adotado uma forma genérica para fins de outorga de direitos sociais, não se pode dizer que eles tenham natureza de direitos fundamentais, uma vez que fundamental seria, apenas, o compromisso assistencial do Estado, que poderia ser amplo ou restrito, de acordo com a disciplina que venha a lhe conceder o legislador ordinário.

Nessa linha de entendimento, mais uma vez se invoca os ensinamentos de Sarlet (2012, p. 77):

[...], o direito à saúde (assim como os direitos sociais do art. 6º) é um direito fundamental na Constituição brasileira de 1988, mas não o é(a despeito de ninguém questionar a fundamentalidade da saúde para a vida e dignidade da pessoa) na Constituição Espanhola de 1988, pois naquela ordem constitucional não lhe é assegurado o regime jurídico equivalente aos direitos fundamentais (o que não impede que na esfera dos direitos fundamentais haja peculiaridades a considerar), ainda que haja importantes desenvolvimentos no que diz respeito com o reconhecimento de eficácia e aplicabilidade aos assim designados princípios diretivos da ordem social.

A conversão de um direito social, portanto, em direito fundamental, depende do ordenamento jurídico interno de cada país. Isso porque, a constitucionalização do direito é o que lhe oferece substrato de fundamentalidade dentro do sistema jurídico.

A outra possibilidade de caracterização de um direito social como fundamental ocorre quando é editada uma norma de integração autorizada por mandamento genérico previsto na constituição. Isso ocorre, por exemplo, no caso em que a constituição assegura que o Estado, na forma da lei, prestará assistência aos necessitados. A norma editada pelo legislador ordinário voltada a conceder eficácia ao mandamento constitucional adquire natureza de direito fundamental, passando a ser um direito invocável pelos cidadãos que possam vir a ser beneficiários dele.

O mesmo não ocorreria se não houvesse qualquer previsão de cunho genérico na constituição a respeito dos direitos sociais. Nesse caso, uma norma eventualmente editada pelo legislador infraconstitucional assegurando um determinando direito de cunho social poderia ser suprimida a qualquer momento, sem maiores espaços para questionamentos, pois ela não teria amparo constitucional.

Por outro lado, se a norma protetiva de um direito social fosse editada como elemento de integração de um mandamento genérico do constituinte, entende-se que ela - ainda que em termos legislativos tenha aspecto infraconstitucional - não mais pode ser objeto de supressão pura e simples pelo legislador ordinário.

É que, a partir do momento em que a proteção a um determinado direito social é introduzida no sistema jurídico em atendimento a um comando constitucional genérico, ele adquire a mesma natureza constitucional do comando genérico, somente podendo ser suprimido juntamente com o próprio texto constitucional ao qual se integrou.

Isso porque, na existência de um comando genérico, cabe ao legislador escolher os direitos sociais que serão objeto da assistência do Estado. Dessa forma, uma vez assumida a responsabilidade pela assistência de determinando direito social, com base nos parâmetros delineados na norma infraconstitucional, não é mais possível ao legislador retroceder do compromisso que assumiu perante a coletividade, pois agiu de acordo com uma diretriz geral presente no texto da constituição, que lhe concedeu a responsabilidade por definir os direitos sociais a serem tutelados, bem como a forma de efetivação da tutela21.

Em relação ao retrocesso na implementação de direitos sociais, ensina Barroso (2010, p. 333):

A vedação do retrocesso, por fim, é uma derivação da eficácia negativa legada aos princípios que envolvem os direitos fundamentais. Ela pressupõe que esses princípios sejam concretizados através de normas infraconstitucionais (isto é: frequentemente, os efeitos que pretendem produzir são especificados por meio da legislação ordinária) e que, com base no direito constitucional em vigor, um dos efeitos gerais pretendidos é a progressiva ampliação dos direitos fundamentais. Partindo desses pressupostos, o que a vedação do retrocesso pressupõe se possa exigir do Judiciário é a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente.

A respeito do princípio da proibição de retrocesso social, Canotilho (2003, p. 339-340), faz as seguintes considerações:

O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial (destaque no original).

Logo, se fundamentado no comando constitucional genérico, o legislador editou uma norma impondo ao Estado a obrigação de fornecer serviços educacionais gratuitos a todos os cidadãos a partir dos seis anos de idade, por exemplo, esse direito passa a integrar o arcabouço de direitos fundamentais daquele Estado, não sendo possível a supressão pura e simples de tal norma no futuro, a não ser que o próprio comando genérico presente no texto constitucional que lhe fornece fundamento venha a ser extirpado do sistema jurídico.

21 A respeito da vedação do retrocesso social, merece transcrição, pela clareza com que abordou o tema, as

considerações de Santos (2014, p. 80): “A execução das prestações sociais deve respeitar o princípio do não retrocesso social. Conquistado determinando nível de satisfatoriedade na promoção dos direitos sociais, a atuação do Estado não poderá implicar uma redução qualitativa do patamar alcançado com a implementação de políticas públicas. ” Merece, ainda, ser consultado, a respeito do tema, Branco, Coelho e Mendes (2002, p. 127-128).

Há, portanto, uma agregação do direito social ao comando genérico presente no texto constitucional, que passa, a partir de então, a compor uma norma única, sendo vedado qualquer retrocesso em termos de implementação do direito em favor da coletividade.

Quando o próprio direito social já se encontra incorporado diretamente ao texto constitucional, tal como ocorre no sistema jurídico brasileiro, não há muito espaço para controvérsia. O direito social incorporado assume a posição de fundamental desde a origem da própria constituição, não podendo ser considerado como inexistente pelo legislador ordinário. Cabe-lhe, apenas, definir as balizas necessárias para que tal direito goze do maior patamar possível de efetividade.

Se, por outro lado, não existe previsão protetiva de direitos sociais no sistema jurídico - o que é cada vez mais raro nos textos constitucionais da atualidade - a norma ordinária editada pelo legislador pode ser objeto de livre alteração ou mesmo de retirada da proteção ao direito, sem a necessidade de maiores formalidades, além daquelas reclamadas, de acordo com o sistema jurídico, para alteração ou revogação de leis ordinárias.

Com isso, entende-se que os direitos sociais podem assumir a natureza de direitos fundamentais nos ordenamentos jurídicos locais apenas em duas situações: quando se encontram expressamente elencados no texto da constituição ou quando são enunciados em normas ordinárias respaldadas em proteção genérica presente no texto constitucional. Fora dessas situações, mesmo que o legislador ordinário venha a ofertar tutela a algum deles, isso não lhes conferirá a natureza jurídica de direito fundamental no ordenamento jurídico em questão, o que viabilizará a alteração dos contornos de sua tutela ou mesmo a sua supressão, sem a necessidade de grandes formalidades.

2.3 A INFLUÊNCIA DOS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS

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