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OS DIREITOS SOCIAIS E SUA INTERNACIONALIZAÇÃO APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

2 O SURGIMENTO E A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

2.1 OS DIREITOS SOCIAIS E SUA INTERNACIONALIZAÇÃO APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A constitucionalização dos direitos sociais se encontra bastante vinculada ao desenvolvimento e consolidação do modelo de Estado assistencialista ou de bem-estar social. Inicialmente, os direitos sociais objeto de tutela pelo Estado foi limitado àqueles voltados aos trabalhadores, uma vez que se pretendia amortizar os focos de insatisfação existentes no seio da classe operária, a fim de conter os efeitos do discurso comunista18.

18 Holmes e Sunstein (1999, p. 208), defendem que as políticas de assistência social constituem uma espécie de

compensação destinadas a amortizar conflitos que poderiam surgir como decorrência das desigualdades econômicas existentes na sociedade.

É nesse contexto que Estado passa a intervir limitando a jornada de trabalho dos operários, vedando o labor infantil e criando mecanismos de proteção ao trabalho feminino, bem como organizando fundos previdenciários voltados à garantia de aposentadoria para os operários que, por razões de idade avançada ou invalidez, não mais se encontrassem em condições de prover a subsistência do seu grupo familiar por meio do trabalho.

Mas as demandas sociais iam além das questões laborais. A grande prova disso é que, já no ambiente de discussões do documento internacional que veio a lume em 1948, por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, procurou- se trazer para o interior do documento as questões vinculadas aos direitos sociais, em especial por pressão dos países integrantes do bloco comunista. No entanto, as divergências em torno do tema com as potências ocidentais impediram o avanço da discussão, somente vindo esse ponto a integrar um documento internacional com força vinculante em 1966, com a promulgação de dois pactos internacionais: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Discorrendo sobre os motivos que levaram a edição, em separado, de dois pactos internacionais voltados à defesa dos chamados direitos de primeira e de segunda geração, assinala Comparato (2008, p. 292):

A elaboração de dois tratados e não de um só́, compreendendo o conjunto dos direitos humanos segundo o modelo da Declaração Universal de 1948, foi o resultado de um compromisso diplomático. As potências ocidentais insistiam no reconhecimento, tão só́, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já́ os países do bloco comunista e os jovens países africanos preferiam pôr em destaque os direitos sociais e econômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais. Decidiu-se, por isso, separar essas duas séries de direitos em tratados distintos, limitando-se a atuação fiscalizadora do Comitê de Direitos Humanos unicamente aos direitos civis e políticos, e declarando-se que os direitos que têm por objeto programas de ação estatal seriam realizados progressivamente, ‘até́ o máximo dos recursos disponíveis’ de cada Estado (Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 2o, alínea 1).

Vê-se, pois, que a própria incorporação dos chamados direitos socais aos documentos internacionais de direitos humanos não foi realizada sem divergências. As discussões em torno da natureza do documento inicial da Organização das Nações Unidas voltado à abordagem dos direitos humanos refletiu esse conflito de posicionamentos em 1966. Enquanto os países capitalistas defendiam a edição de um documento que enfatizasse as liberdades individuais, os países do bloco comunista almejavam destacar os direitos voltados ao atendimento das necessidades materiais do indivíduo.

A controvérsia inviabilizou a edição de um documento vinculante19 em 1948, tendo o

tema ficado em aberto até 1966, quando os dois pactos internacionais de direitos humanos foram finalmente formalizados.

Mas, como a celeuma ainda persistia, a solução encontrada foi a edição de dois textos em separado, com a atuação de um Comitê fiscalizador destinado, apenas, à implementação dos direitos civis e políticos, uma vez que os direitos de cunho social seriam implementados de acordo com as disponibilidades financeiras de cada país.

Essa abertura prevista na primeira alínea, do artigo segundo, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, deixou sob a responsabilidade integral de cada signatário do Pacto a implementação dos direitos nele assegurados dentro dos limites de suas disponibilidades financeiras, praticamente transformando o documento, que deveria ter força vinculante, numa mera carta de compromissos não muito diferente, em termos jurídicos, do que ocorreu com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que, não obstante o seu simbolismo, não possui força coercitiva para se impor aos Estados-partes da Organização das Nações Unidades que não observem as suas diretrizes.

Apesar da crítica lançada, poder-se-ia, a esta altura, expor o seguinte questionamento: teria como ser diferente? Haveria possibilidade de se editar um documento internacional que concedesse eficácia plena aos direitos sociais, sem levar em consideração as limitações financeiras de cada Estado signatário? Nesse ponto, faz-se necessário discorrer a respeito da forma jurídica como os direitos sociais se instalam dentro dos mais diversos ordenamentos jurídicos.

19 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, não obstante a importância simbólica que possui no contexto de

proteção aos direitos humanos - que abarcam, principalmente as duas gerações iniciais de direitos, ou seja, os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais - não possui força vinculante, pois tendo sido aprovada pela Resolução nº 217-A, durante a 3ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas, não é dotada de força convencional, não vinculando juridicamente os seus signatários, tal como lembra Sorto (2008, p. 20-21). Assim, segundo ele, o fundamento de autoridade da Declaração Universal dos Direitos Humanos é apenas moral e “advém da própria dignidade da pessoa humana, a qual é comum a todos os seres em qualquer parte do mundo”. Com isso, pode-se dizer que os verdadeiros pactos internacionais de direitos humanos, juridicamente vinculantes na órbita do Direito Internacional e produzidos no âmbito da Organização das Nações Unidas, foram os Pactos de 1966 que, em decorrência das divergência ideológicas de um mundo então dividido no contexto da guerra fria, foram cindidos em dois documentos, a saber: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

2.2 A INTEGRAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS AOS ORDENAMENTOS

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