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CAPÍTULO 2 – Nas tramas do paternalismo: Mulheres e menores como mão de obra

2.5 Algumas considerações

As mulheres e menores apresentaram-se como uma mão-de-obra desejável nas fábricas de tecidos e as principais companhias têxteis do Distrito Federal implementaram estratégias na tentativa de afixar esses segmentos da força de trabalho aos seus estabelecimentos fabris durante a Primeira República.

Entendemos aqui que o paternalismo se manifestava com o intuito de dar conta da ambiguidade exploração x proteção que se expressava na inserção de mulheres e crianças em fábricas. Posto que tais estratégias implantadas procuravam suavizar as

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Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Livro de Atas da Associação dos Operários da América Fabril. 1926-1929. 12/05/1926 / 02/02/1927. pp. 4/35-36.

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explorações sofridas por esses segmentos da mão de obra, explorações estas tão abordadas por militantes operários, como vimos no capítulo 1, e que justificavam a retirada da força de trabalho feminina e infantil dos estabelecimentos fabris. Ao oferecer creche e escola, os industriais demonstravam que propiciar serviços para que suas trabalhadoras mães e seus “aprendizes” tivessem incentivos para permanecer no trabalho era uma preocupação. Assim, essa estrutura de cuidados e educação contribuiu também para afastar da fábrica as imagens de “bastilha” e de ambiente hostil às mulheres, visto que proporcionava a elas emprego no mercado produtivo com a possibilidade de um espaço oferecido pela fábrica para cuidado de seus filhos e podendo amamentar durante o período de trabalho.

De modo geral, é possível afirmar que as implantações de creches por parte da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado e Companhia de Fiação e Tecidos Alliança antes do projeto de lei de Maurício de Lacerda (1917), dos debates parlamentares acerca do trabalho feminino (1919) e da criação Departamento Nacional de Saúde Pública (1920) representaram iniciativas pioneiras entre os estabelecimentos do setor têxtil no sentido de propiciar a permanência de mães trabalhadoras depois da chegada dos/as filhos/as.

Não foi possível encontrar vozes de operárias têxteis se posicionando acerca das creches, contudo, a partir das perspectivas apresentadas, podemos fazer uma leitura apesar dos silenciamentos das trabalhadoras. Assim, percebe-se que as creches nas fábricas de tecidos foram importantes espaços que apresentavam segurança, higiene e cuidados médicos, onde as operárias poderiam estar próximas de seus/suas filhos/as, podendo fazer visitas diárias para amamentar e zelar por seus cuidados. Ainda, as creches possibilitavam a não dependência por parte de parentas ou vizinhas para que cuidassem de suas crianças e até mesmo o não pagamento dessa atividade, visto que, segundo consta, as companhias não cobravam diretamente das mães que deixavam filhos/as nas creches.

Para os industriais, que procuraram se beneficiar do trabalho das mulheres e das crianças, o estabelecimento das creches representava, em um período que não havia legislação que estipulasse licença remunerada pré e pós-parto, uma melhor adesão das mães operárias ao trabalho dessas fábricas, visto que em um contexto de que quem não trabalhava, não ganhava, as mães, então, tinham que retornar logo após o parto ao

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trabalho. Assim, tais espaços proporcionaram maior assiduidade ao trabalho e dedicação ao processo produtivo, em virtude das trabalhadoras não precisarem mais levar seus filhos muito pequenos para o interior das fábricas, em caso de não terem com quem deixá-los, ou terem que faltar por conta de doenças das crianças. Nesse sentido, as companhias que ofereciam tal serviço se diferenciavam por oferecer um espaço para cuidado dos/as filhos/as de suas trabalhadoras, o que pode ter representado também maior oferta de mão de obra feminina para essas fábricas.

As baixas remunerações recebidas pelas mulheres e pelos/as menores/as, se comparados aos homens adultos, sustentava uma parte desses benefícios oferecidos pelos industriais e, até por conta disso, o serviço de creche não era descontado das trabalhadoras. Não exploramos tal questão, mas podemos conjecturar que a manutenção desses espaços de cuidado exclusivamente por parte dos empresários pode ter dificultado a possibilidade de aumento salarial por parte da mão de obra feminina e infantil.

Torna-se possível pensar também que a implementação das creches, nesses casos de fábricas com vilas operárias, possibilitava que a criança proletária fosse tutelada aos cuidados das companhias têxteis desde os primeiros meses de seu nascimento. Proteção esta que encaminharia a criança da creche para a escola e desta para o trabalho na fábrica.

Caso comparemos o projeto de lei de Maurício de Lacerda, que propunha o fornecimento de creches por parte de fábricas e oficinas que empregassem mão de obra feminina, e as creches que foram efetivamente criadas, destaca-se o fato de que, no planejamento de Lacerda, as fábricas não custeariam sozinhas as creches, tal custo seria dividido entre uma parcela dos/as trabalhadores/as e os estabelecimentos fabris. Ao que parece, Maurício de Lacerda não queria criar um ônus para as fábricas e oficinas que empregassem mulheres, mas propunha que tais espaços de trabalho oferecessem uma infraestrutura mais adequada à questão da maternidade.

Contudo, no caso das creches criadas pelas companhias têxteis, os custos foram bancados exclusivamente pelos estabelecimentos fabris e foi possível perceber nos relatórios dessas companhias que suas diretorias consideravam o fornecimento de creches uma estratégia vantajosa. A exclusividade pela manutenção das creches pode

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contribuir para reforçar o argumento de que essas companhias criaram tais espaços também com o intuito de cuidar desde cedo de uma futura mão de obra.

No tocante ao fornecimento de educação gratuita, entendemos que os industriais têxteis foram incentivados pelo decreto municipal nº 401 de 5 de maio de 1897 a criar escolas primárias para baixar os custos de manter menores no trabalho de suas fábricas. No entanto, é imprescindível mencionar que tais espaços de ensino representaram, muitas vezes, a única alternativa de acesso à educação para crianças e adultos/as da classe trabalhadora e possibilitaram o ingresso no mundo letrado dos jornais e livros.

Entretanto, não deve-se perder de vista que as vagas nas escolas das fábricas eram limitadas e que algumas famílias não poderiam abrir mão da remuneração recebida pelos menores no trabalho das fábricas. Assim, mesmo que as escolas tenham sido criadas, primordialmente, para educar os/as menores analfabetos/as, alguns/mas não poderiam gozar do acesso à educação por não poderem reduzir sua jornada de trabalho nas fábricas, porque receberiam remunerações menores. Nesse sentido, é possível pensar que dentro da classe trabalhadora alguns menores operários em fábricas de tecidos puderam usufruir das escolas das companhias, enquanto outros não puderam abrir mão do trabalho para contribuir na renda familiar.

Torna-se interessante destacar também que por meio desses benefícios sociais (creches e licenças remuneradas) tais companhias procuraram exercer controle sobre suas trabalhadoras com a ameaça da perda desses direitos conquistados, visto que as grevistas e as indisciplinadas corriam o risco de perder o emprego e, consequentemente, o acesso a esses serviços.

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CAPÍTULO 3: Dentro e fora das fábricas: dinâmicas do processo