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CAPÍTULO 2 – Nas tramas do paternalismo: Mulheres e menores como mão de obra

2.2 Implementação de creches

No período de abrangência dessa dissertação, três estabelecimentos fabris forneceram o serviço de creche para os/as filhos/as de suas operárias: Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado, Companhia de Fiação e Tecidos Alliança e Fábrica Cruzeiro, de propriedade da Companhia América Fabril.

A creche da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado era considerada um exemplo para as demais fábricas no período. A denominada Creche Angelica foi inaugurada em 8 de dezembro de 1899, e é considerada a primeira creche para filhos de operários/as do Brasil. Tal iniciativa do administrador José da Cruz e dos demais companheiros de diretoria visava a permanência de mães operárias no trabalho dessa fábrica e a maior dedicação das trabalhadoras com filhos pequenos. Dias antes da inauguração do espaço, durante a visita do então presidente Campos Sales àcompanhia, a diretoria anunciou que a creche se destinaria a “trazer economia e tranquilidade ás mães, por saberem que seus filhos estão entregues a boa guarda e bem alimentados, por que muitas delas despendem parte de seus salarios para pagamento de pessoas que olhem em sua ausencia, pelos filhos”291. Destacando o perfil filantropo da companhia, os membros da diretoria revelavam para o Presidente da República o diferencial desse estabelecimento que prezava por fornecer benefícios sociaisàs suas operárias mães.

De acordo com informações encontradas nos periódicos Jornal do Brasil e

Gazeta de Notícias, D. Zulmira Coelho fora diretora do estabelecimento entre os anos

de 1900 e 1904 e contava com o apoio de 5 senhoras para cuidar das crianças. Segundo consta na Gazeta de Notícias:

As creanças são recolhidas pela manhã, ao começar o trabalho, sahindo quando este termina, e são alimentadas as expensas da companhia. Para ás que são alimentadas a leite a administração compra á vaccaria 10 litros de leite. É permittido ás mães empregadas na fabrica irem duas vezes por dia amamentar os filhos.

Após o almoço, ás 9 ½ da manhã, as crianças maiores são mandadas á escola, de onde regressam ás 3 ½ da tarde, hora do jantar.

A créche só admitte crianças vaccinadas292.

É preciso atentar que a administração da fábrica reconhecia a importância da amamentação para formação dos pequenos, pois mesmo que fornecesse leite às crianças, era permitido que as mães que desejassem amamentar fizessem pausas para alimentar seus filhos.

291

Jornal do Brasil. 06/12/1899.

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Ao apresentar as dependências do estabelecimento para a equipe do jornal, D. Zulmira mostrou:

...o pateo de recreio, a sala de amamentação, o refeitorio, a despensa, o dormitorio, a sala de banho, a arrecadação, a cozinha, a sala da directoria. Tudo limpo, asseiado, bom. [...] No dormitório existem 17 berços de molas, com cortinados e lençóes alvos. Esses berços foram fornecidos á créche por Mme. Helena Hampshire, Mlle. Cruz, D. Angelica Barreto da Cruz e os Srs. Eduardo Van Nyole e Joaquim da Cunha Freitas Sobrinho293.

O Jornal do Brasiltambém tratou de publicar elogiosà iniciativa de José da Cruz:

A creche dispondo de todo o necessario presta, optimissimos serviços aos operarios que alli, sem dispendio de um real sequer, deixam cheios de confiança os seus filhos os quaes hontem vestiam todos roupinhas de excellente flanella cinzenta294.

Os articulistas procuraram ressaltar que o serviço não era cobrado aos operários, e, de acordo com a Gazeta Operaria, a creche custava mensalmente para a companhia

“2:000$ não entrando nessa verba nem o leite, nem a roupa, nem o calçado”295. As crianças vestiam a mesma “flanella cinzenta” porque tiravam as roupas que chegavam, usavam um vestuário fornecido pela companhia e só colocavam suas roupas de volta na hora de ir embora.

Reconhecendo a importância da creche para possibilitar o trabalho de mães de crianças pequenas e a vanguarda da Companhia Corcovado na construção dessa creche para filhos de operárias, alguns trabalhadores de tal fábrica, ao prestarem apoio a outros operários em greve ressaltaram a relevância da creche: “que [outras administrações de fábricas] estabeleçam as créches, onde os filhos de nossos operarios encontrem durante ás horas do trabalho das suas mães, o carinho que os nossos encontram na Créche Angelica”296.

Em 1904, a companhia recebeu a visita de um ministro de Portugal, Carmelo Lampreia. O representante português visitou as dependências da Corcovado e ao passar pela Creche Angelica foi recebido por “trinta e duas criancinhas, formadas em alas, [que] deram passagem a duas companheiras, que offereceram a s. ex. dous bouquets de cravos e violetas entrelaçados com fitas azul, branca, verde e amarello”297. O ministro aproveitou a oportunidade e ofereceu como doação dois berços para a creche em nome

293 Gazeta de Noticias. 20/02/1904. 294 Jornal do Brasil. 04/06/1901. 295 Gazeta de Noticias.. 20/02/1904. 296 Jornal do Brasil. 22/08/1903. 297 Jornal do Brasil. 24/06/1904.

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de suas filhas. Percebemos assim, que as crianças que frequentavam a creche participavam da recepção de visitas ilustres que a companhia recebia e contribuíam para despertar a imagem de empresa filantrópica que a companhia procurava promover.

No relatório da Companhia Corcovado, publicado no Jornal do Commercio, referente ao ano de 1911, a diretoria declarava que a creche merecia “especiaes cuidados [...] pelos reaes serviços prestados aos operarios e seus filhos,...”298 e que 42 crianças tinham usufruído de tal serviço naquele ano. Merece destaque que a creche proporcionava também melhoria no trabalho de seus operários, informação observada pela diretoria da companhia e que foi registrada no relatório apresentado 3 anos depois. No parecer referente ao ano de 1914, consta que devido à creche, a administração notou maior assiduidade dos operários em seus trabalhos299. Provavelmente maior frequência das operárias no trabalho, visto que por possuírem um local seguro para deixar seus filhos e que, inclusive, contava com um consultório médico, as mães operárias reduziam consideravelmente seus motivos para faltas.

Em 1915, o doutor Moncorvo Filho escreveu uma carta acerca da mortalidade infantil no Rio de Janeiro e ressaltou o pioneirismo da Fábrica Corcovado, como empreendimento possuidor de creche:

As operarias deixam os seus filhos em casa entregues aos cuidados de outra pessoa, sujeitando a creança á alimentação artificial. Porque? Porque nas nossas fabricas não há créches onde as mães deixem seus filhos sob a vigilância de uma empregada especial e as procure de 3 em 3 horas para amamental-as.

Nenhuma fabrica entre nós, possue uma creche siquer, a não ser, (parece-me), a Fabrica Corcovado300.

É importante destacar que o pioneirismo da Fábrica Corcovado em fornecer uma creche para os/as filhos/as de suas operárias representava um diferencial da companhia, em relação às demais, que fora ressaltado por jornais no período, mas representou, sobretudo, um diferencial para a experiência das mulheres trabalhadoras, visto que proporcionava um contato ao longo do dia com os/as filhos/as, possibilitavaque as crianças fossem amamentadas com leite materno e, fornecia um espaço de cuidado e atendimento médico durante o período de trabalho nas fábricas de tecidos.

298

Jornal do Commercio. 18/03/1912.

299

Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro. Relatorio da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado. 1915. p. 14.

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Entretanto, ao que parece, doutor Moncorvo Filho desconhecia que, em 1915, outra grande companhia têxtil também fornecia tal serviço para seus operários/as. A Companhia de Fiação e Tecidos Alliança criara sua creche na primeira década do século XX. Não foi possível identificar a data exata de sua inauguração, contudo, segundo informações encontradas em jornais, em 1905, a companhia já havia determinado o espaço onde a creche seria estabelecida. De acordo com o jornal A União, o salão do edifício novo onde seria criada a creche da companhia estava sendo utilizado como capela onde eram realizadas conferências pelo Frei Raymundo, da Ordem Dominicana, nos horários de entrada e saída dos/as trabalhadores/as da fábrica301. E, em 1908, a creche constava entre os serviços oferecidos pela companhia aos trabalhadores/as e suas dependências: “[...] alem desses edifícios contam-se mais 160 casas para operarios, 56 annexos, theatro, cooperativa, escola e ‘creche’”302.

É possível pensar que, na ausência das creches, caso as mães não tivessem com que deixar seus filhos para trabalhar, as crianças eram levadas para as fábricas e permaneciam com suas mães durante o dia, situação que poderia acarretar acidentes. Visando evitar tais transtornos, constava entre os objetivos da criação dessa creche “recolher e cuidar das crianças durante o dia, emquanto as mães trabalham, livrando-as assim de desastres”303.

Em artigo que procurou tratar da grandiosidade da Companhia Alliança, o jornal

O Paiz descreveu tal empreendimento industrial como “uma cidade erguida dentro do

Rio de Janeiro, num dos seus mais bellos arrabaldes, as Laranjeiras”304 e apontou a localização da creche da fábrica: “Para o filhinho, tem a creche montada, carinhosamente, na esplanada do morro da Martha, que limita a fabrica. [O trabalhador acidentado recebe atendimento médico] na Santa Casa até que fique construído no mesmo morro, afastado da créche, o sanatório-hospital proprio”305.

Ao que parece, a creche não fora implantada no espaço previsto em 1905, em um dos salões do denominado edifício novo, ou mudara de lugar. Segundo publicado em 1913, a creche localizava-se no morro da Martha, em uma das extremidades do terreno da companhia. Também foi informado que havia ainda a intenção da construção de um “sanatório-hospital”, para tratamento dos acidentados e doentes, no mesmo

301 A União. 01/01/1905. 302 Jornal do Brasil. 02/10/1908. 303 O Paiz. 21/08/1903. 304 O Paiz. 14/08/1913. 305 O Paiz. 14/08/1913.

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morro, mas distante da creche. É possível perceber o propósito da companhia em ocupar as áreas mais longínquas de sua propriedade com edifícios que não se destinavam, necessariamente, à fábrica, ou seja, à produção, mas que ofereciam serviços ao trabalhador e à trabalhadora e possibilitavam uma melhor qualidade do trabalho, como no caso da creche e o projeto de construção de um hospital.

O relatório da Inspetoria Técnica de Proteção a Infância, produzido após visitas em 657 fábricas, nas quais trabalhavam 4.778 mulheres, chamou atenção para o fato de que, naquele ano, apenas a Companhia de Fiação e Tecidos Alliança possuía creche instalada em sua propriedade. Ao que parece, na década de 1920, o serviço pioneiro da Creche Angelica fornecido pela Companhia Corcovado, tão elogiado nos primeiros anos do século XX, não estava mais em vigor. Em uma visita realizada nas fábricas Carioca e Corcovado, localizadas no bairro do Jardim Botânico, em 1927, pelo juiz de menores Dr. Mello Mattos, pelo inspetor de higiene infantil Dr. Fernandes Figueira e pelo curador de menores Dr. Pio Duarte, foi registrado no Jornal do Brasil que os visitantes constataram que “nenhuma dessas fabricas tem créche para os filhos lactantes dos operarios”306.

Em uma conferência realizada, em 1923, na Fábrica Alliança, evento este que fora organizado pela Liga Brasileira contra a Tuberculose, o médico e professor Miguel Couto explicou sobre a doença e seus modos de prevenção para os/as trabalhadores/as do estabelecimento e demais visitantes. Após a conferência, os representantes da Liga visitaram as instalações da fábrica e os estabelecimentos de serviço aos operários, como, a maternidade e a creche. De acordo com a publicação no Jornal do Commercio, tais espaços “causaram excelente impressão e já contam valiosos serviços ás familias dos operarios”307.

Tal exemplo nos possibilita perceber, que tais serviços eram destacados na grande imprensa, principalmente, pelo perfil “filantropo” das companhias em ajudar as “famílias dos operários”, como se esses espaços não fossem importantes também para melhorar a qualidade do trabalho das operárias, visto que permitiam o retorno rápido das trabalhadoras após o parto e aumentavam a assiduidade delas na fábrica. Ainda, é relevante pensar tais espaços como resultados das pressões exercidas pelos/as operários/as que entendiam que as creches propiciavam um ambiente saudável e de cuidados para os pequenos cujas mães trabalhavam em fábricas e por órgãos de

306

Jornal do Brasil. 26/06/1927.

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proteção á infância, como a Inspetoria Técnica de Proteção a Infância mencionada anteriormente, e pelo Departamento Nacional de Saúde Pública, criado em 02 de janeiro de 1920, para ser o principal órgão federal da área da saúde, mas, que, em 1923, pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro, aumentou suas atribuições, dando-lhe novas responsabilidades, como regular a higiene infantil, higiene industrial e profissional308.

Segundo relatórios publicados no Jornal do Commercio, os valores destinados à creche por parte da Companhia Alliança foram os mesmos nos primeiros semestres dos anos de 1926 e 1931, com “donativos para a créche” a companhia desembolsou 2:800$000 em cada um dos anos309.À critério de comparação, esse valor daria para pagar, com remuneração máxima, os salários de cerca de 9 tecelões da Fábrica Corcovado em 1928310.

A ex-operária Alzira Luísa Gomes, que trabalhou na Fábrica Alliança a partir de 1927, quando perguntada sobre a creche, em entrevista realizada em 1987, afirmou que seus sobrinhos frequentaram-na enquanto sua irmã trabalhava no estabelecimento:

[Entrevistadora] A fábrica tinha creche? [Entrevistada] Tinha sim. Tinha uma creche lá. [Entrevistadora] E funcionava direitinho?

[Entrevistada] Funcionava direitinho. Inclusive eu tive... um casal, que é dessa minha irmã, que mora aqui em baixo, ficava na creche. E a minha irmã trabalhava.

[Entrevistadora] Quanto tempo ela trabalhou lá?

[Entrevistada] Minha irmã? Ela trabalhou também enquanto foi solteira... Essa também, depois que casou, saiu. Tornou a entrar, sabe como é? Não ficou assim como eu: eu nunca saí! Só saí na greve, só. Mas voltei depois. Só saí pra me casar. Agora, a minha irmã não: entrou, saiu, entrou, saiu...311

É possível perceber na fala de Alzira apontamentos interessantes acerca das especificidades do trabalho feminino. Enquanto ela trabalhou de forma regular na fábrica, só saindo por conta de uma greve que paralisou o trabalho em 1929, trabalhou por dois anos na Fábrica Bhering, retornou em 1931 para Alliança e só saiu para casar- se; sua irmã permaneceu na Fábrica Alliança mesmo depois de casada, seus filhos frequentaram a creche do estabelecimento, mas sua permanência no trabalho foi mais irregular. Ao que parece, a irmã de Alzira encontrava dificuldades em permanecer

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HOCHMAN, Gilberto. Verbete sobre o Departamento Nacional de Saúde Pública. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira- republica/DEPARTAMENTO%20NACIONAL%20DE%20SA%C3%9ADE%20P%C3%9ABLICA%20( DNSP).pdf . Acesso em 04/09/2017. 309 Jornal do Commercio. 13/07/1926 / 27/03/1932. 310

“Se um bom tecelão logra ganhar tresentos mil réis por mez, quanto poderá ganhar aquelle que principia e aquelles que são menos adestrados?”. In:A Noite. 10/09/1928.

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constantemente no trabalho da fábrica por ser casada e ter filhos e, assim, o emprego no estabelecimento era acionado em caso de necessidade. Torna-se possível conjecturar que apesar dos empecilhos para se manter na fábrica de forma regular, a creche representava uma facilidade para seu retorno, visto que seus filhos tinham onde passar o dia enquanto ela trabalhava.

O fato da irmã de Alzira largar e retornar ao emprego na fábrica com uma certa regularidade aponta para uma elevada rotatividade da mão de obra e nos permite pensar que o/a operário/a que já adquirira o aprendizado para desempenhar as funções do trabalho fabril tinha o que poderíamos chamar de “porta aberta” para retornar ao trabalho na fábrica, visto que este/a obtinha o saber requerido e já conhecia as dinâmicas da organização do trabalho.

O caso da irmã de Alzira nos possibilita ir além do que observou José Sérgio Leite Lopes, no caso do “sistema Paulista”, quando, por meio da análise das “aventuras de Severino”, conclui que o sair e o entrar do personagem na fábrica:

...ilustram como no “sistema Paulista” em sua plenitude, com suas múltiplas atividades, frentes e fontes de trabalho, há margem para que a parcela jovem, solteira e masculina da força de trabalho possa exercer dentro da mesma empresa a sua predisposição à mobilidade de empregos como que colocando- se num período liminar de socialização às regras do processo de produção fabril assim como da cooperação e da disciplina exigidas pela hierarquia da fábrica312.

Assim, a irmã de Alzira, mão de obra feminina, casada e com filhos, no período de plenitude da Fábrica Alliança, também encontrava disponibilidade de retorno à fábrica quando precisava de trabalho assalariado, pois já era experiente na dinâmica do trabalho, e a companhia oferecia o serviço de creche para que esse segmento da força de trabalho pudesse ter amparo para se manter na fábrica.

Deve-se ressaltar que Lopes considera que a mão de obra experiente e treinada, que se retirou do trabalho, era atraente para a Companhia de Tecidos Paulista, caso este das donas de casa e mães de família. Nesse sentido, o estabelecimento convocava um aliciamento dessas ex-operárias por meio do marido trabalhador, para diminuir os casos de evasão constantes da fábrica313. Contudo, o exemplo da irmã de Alzira nos permiteelucidar “o sair e entrar” da fábrica por parte da força de trabalho feminina, casada e com filhos, visto que ela já havia adquirido o saber fabril e, por conta disso, era

312

LOPES, José Sérgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na Cidade das Chaminés. São Paulo, Marco Zero e Universidade de Brasília em co-edição com MCT/CNPq, 1988. p. 79.

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interessante para a companhia mantê-la na fábrica, por considerá-la mão de obra qualificada.

Em 15 de setembro de 1923, era anunciada a inauguração de mais uma creche instalada em outra grande companhia de tecidos do Distrito Federal. Em notícia publicada no mesmo dia, O Jornal, assim informou:

A Fabrica Cruzeiro, da Companhia America Fabril, inaugura hoje ás 16 horas, á rua Barão de Mesquita, 872, uma “creche” destinada aos filhos das suas operariastornando-se assim a pioneira da creação dessa humanitaria instituição no nossos nucleos operarios314(grifos meus).

Ao veicular tal notícia, descrevendo a companhia como “a pioneira” na criação de creche para os filhos das operárias, é possível que o articulista estivesse querendo criar uma memória de pioneirsmo na defesa das causas da mulher operária associada à Fábrica Cruzeiro, pois, ao fazer tal afirmação ele apagava a existência das creches apresentadas anteriormente, a creche da Corcovado, criada 24 anos antes, mas que, provavelmente, se encontrava fechada, e a creche da Alliança, que permanecia em funcionamento.

A creche da Fábrica Cruzeiro foi estabelecida em uma casa reformada pelo engenheiro Rocha Faria Filho seguindo as exigências sanitárias. Esta moradia era ocupada, anteriormente, pelo chefe do operariado da Cruzeiro, José Coelho Junior. Segundo registrado no jornal Correio da Manhã, o estabelecimento contava com as seguintes dependências:

Além da secretaria, sala de banhos medicinaes com banheiros apropriados para as creanças e rouparia, tem a “créche”, consultório medico, isolamento para creanças portadoras de moléstias contagiosas, salas de esterilisação, amamentação, repouso, etc. Tem ainda o novo estabelecimento beneficente, camara photographyca, lavatorios modernos,...315

À festa de inauguração compareceram: “professoras das creancinhas e pessoas gradas os drs. Carlos Chagas, director da D.N.S.P. e Castlepoggi da Rocha Braga, director da ‘creche’ e medico da America Fabril”. Também foi apresentada a composição da primeira diretoria que administraria a creche: “Conde de Avellar, presidente; Antonio Mendes Campos, gerente; dr. Carlos da Rocha Faria, secretario;

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O Jornal. 15/09/1923.

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Democrito Seabra, thesoureiro; L. Andreson, technico e José Coelho Junior, chefe do operariado”316.

Com a presença do diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública na festa de inauguração e com a Inspetoria de Proteção Técnica de Proteção a Infância fazendo visitas e análises das infraestruturas das fábricas da Capital Federal, torna-se possível pensar que a creche da Fábrica Cruzeiro originou-se de pressões do DNSP, que tinha como atribuições fiscalizar higiene infantil e industrial.

Observando os ocupantes dos cargos de diretoria da creche da Fábrica Cruzeiro, nota-se que diferente do estabelecimento da Companhia Corcovado, cuja diretora, D. Zulmira Coelho, era uma mulher, apenas homens integraram tais posições na creche da Cruzeiro. As mulheres nesta creche somente ocuparam funções de cuidado direto com as crianças, como, professora.

Nesse estabelecimento, as crianças eram deixadas pelas operárias quando entravam para o trabalho pela manhã, as mães poderiam efetuar pausas de três em três horas para se dirigirem à creche e amamentarem seus filhos, para isso, usavam uma blusa apropriada para facilitar o processo317.

Apenas à critério de comparação com outras creches, sob a perspectiva dos próprios operários, destacamos que entre as reivindicações dos têxteis grevistas e associados à União dos Operários em Fábricas de Tecidos estava uma crítica a uma creche:

Casas arejadas, batidas de sol, limpas, com amas de leite e creadas que