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Algumas considerações sobre território e fronteira

Em 1963, com São Jorge D´Oeste alcançando a sua soberania política, a microrregião em análise completava um ciclo de emancipações municipais. Ou seja, a partir das autonomias políticas de Chopinzinho (1954) e São João (1960) a tríade de cidades atingia com a soberania sanjorgense, um teórico assentamento das fronteiras e, assim, uma possível coesão territorial. Os limites municipais e as divisas intermunicipais estavam estabelecidos. Mas até que ponto?

Nesse sentido, é válido pensar que a criação dos municípios e o estabelecimento das referidas municipalidades permitiam o ajustamento das questões político-administrativas referentes às fronteiras municipais. Isto é, com a formação de um município é necessário e indispensável que o mesmo apareça de fato “no mapa”. Porém, a questão não é tão simples assim. Envolve inúmeras ideias técnicas e elaborações jurídicas.

Dessa forma, partindo da premissa de que os municípios são “a circunscrição administrativa autônoma do estado [...]”218, formados através de porções territoriais definidas e estabelecidas por meio de recortes espaciais (levando em consideração concepções geográficas e físicas), algumas explicações sobre as noções de território e fronteira se fazem pertinentes.

No campo jurídico, dentro das interpretações delegadas à chamada Teoria Geral do Estado, Bonavides argumenta que várias são as teorias que tentam delimitar a natureza jurídica do território. As principais seriam: a teoria do Território-Patrimônio, a do Território- Objeto, a do Território-Espaço e a teoria do Território-Competência. Contudo, independentemente das especificações de cada corrente interpretativa, Bonavides compreende

que, constituindo a base geográfica do poder, certos autores se limitam a dizer que o território é simplesmente o espaço dentro do qual o Estado exerce a sua soberania.219 Já Dallari – lembrando que a ideia de território enquanto componente necessário do Estado só apareceu com o advento do Estado Moderno – afirma que não existe Estado sem território. Reforçando que o território estabelece a delimitação da ação soberana do Estado, o jurista aponta que o território é objeto de direitos de um Estado pleno.220 Ainda em outro prisma, referindo-se à concepção de Kelsen sobre o tema, Dallari lembra que “o território não chega a ser, portanto, um componente do Estado, mas é o espaço ao qual se circunscreve a validade da ordem jurídica estatal, pois, embora a eficácia de suas normas possa ir além dos limites territoriais, sua validade depende de um espaço certo, ocupado com exclusividade”.221

Quanto à ideia de fronteiras, Dallari sustenta que “[...] dava-se importância à diferenciação entre as naturais, estabelecidas por acidentes geográficos, e as artificiais, fixadas por meio de tratados, acrescentando-se ainda as chamadas fronteiras esboçadas, quando não estabelecidas com precisão”.222 Porém, atualmente com os modernos instrumentos e recursos técnicos, a situação adquire outra dimensão e não há, praticamente, fronteiras sem demarcações, segundo o jurista.223 Em outras palavras, vê-se com tais afirmativas que as interpretações jurídicas estão intrinsicamente ligadas às noções geográficas e físicas do território. Ou seja, a percepção jurídica do assunto trata de asseverar e legitimar a questão administrativa do espaço. Por isso, reforçam-se os estereótipos das fronteiras “naturais” e “artificiais”.

O contraponto a essa questão é que, como dissemos em outra parte do trabalho, pensar em um território (num município ou região, por exemplo) somente a partir de uma representação geográfica e física é um problema. É um problema porque as fronteiras e/ou as divisas são linhas imaginadas e por isto, são construções e idealizações humanas. Às vezes esquecemo-nos disso. E esquecemos porque tratamos as fronteiras, e as regiões, de um modo naturalizado. Como se elas sempre estivessem lá. Ignoramos que as mesmas são invenções humanas e que, como toda invenção humana, atende a um ou mais propósitos e interesses.

Da mesma maneira, concentramos tanto a atenção nas ideias a priori de “regiões”, “fronteiras” e “divisas”, pensando na formatação espacial do território em si, que quase

219 BONAVIDES, Paulo. op. cit. 220 DALLARI, Dalmo de Abreu. op. cit. 221

KELSEN, Hans. Teoría General del Estado apud DALLARI, Dalmo de Abreu. p. 87. 222 DALLARI, Dalmo de Abreu. op. cit, p. 91.

negligenciamos a presença e a atuação humana na elaboração do espaço. Sendo assim, ao validar uma visão e um discurso que evoque fronteiras estáticas e engessadas, como as ditas “naturais” e “artificiais”, corre-se o risco de obliterar a própria história.

Sobre esse debate, pensando na relação (problemática) entre a história e as idealizações geográficas, Hobsbawm é categórico ao afirmar: “É sempre perigoso usar termos geográficos no discurso histórico. É preciso ter muita cautela, pois a cartografia dá um ar de espúria objetividade a termos que com frequência, talvez geralmente, pertencem à política, ao reino dos programas, mais que à realidade”.224

Por outro lado, complementando essas interpretações sobre território, fronteira, e por consequência, região, Albuquerque Júnior enfatiza:

A região aparece como um dado prévio, como um recorte espacial naturalizado, a- histórico, como um referente identitário que existiria per si, ora como um recorte dado pela natureza, ora como um recorte político-administrativo, ora como um recorte cultural, mas que parece não ser fruto de um dado processo histórico. A história ocorreria na região, mas não existiria história da região. A história da região seria o que teria acontecido no interior de seus limites, não a história da constituição destes limites. A história regional seria aquela que aconteceria no interior das fronteiras regionais, não a história dos acontecimentos que produziram essas dadas fronteiras regionais.225

Isto é, verifica-se que Albuquerque quer dizer que normalmente estamos condicionados, inclusive e sobretudo os historiadores, a interpretar a história que acontece no interior das regiões e das fronteiras pré-estabelecidas, mas não somos habituados a pensar e analisar a constituição destes próprios limites. Nossa visão de espaço tem sido a daquela que nega o tempo. Espaço imóvel, fixo, estático, não conflitivo.226 Somos frutos de uma tradição historiográfica que cristaliza o espaço como garantia de uma dada perpetuação de memórias e que se filiam a suportes espaciais para garantirem sua permanência e monumentalização. 227

Nesse enredo proposto, entendemos que as regiões (como o sudoeste paranaense focado no trabalho) têm suas histórias internas de “conquista” e colonização e, por consequência, histórias de embates e imposições políticas, culturais e sociais. A questão é que

224 HOBSBAWM, Eric J. Destinos Mitteleuropeus. In: ______. Tempos Fraturados. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 109.

225

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. O Objeto em Fuga: algumas reflexões em torno do conceito de região. Revista Fronteiras, Dourados, MS, v. 10, n. 17, p. 55-67, jan./jun. 2008. p. 55. Disponível em: <http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/FRONTEIRAS/article/viewFile/62/72>. Acesso em: 10 ago. 2012.

226 Id, Ibid, p. 56. 227 Id, Ibid, p. 57.

paira concomitantemente uma “conquista das fronteiras”, isto é, com menor ou maior intensidade se estabelece a necessidade de forjar a própria ideia de sudoeste do Paraná. Fala- se da vinda dos sul-rio-grandenses ou da criação dos municípios, mas não se atenta que o sudoeste, enquanto objeto, não aparece do nada, a priori. O sudoeste paranaense na qualidade de recorte espacial é também a idealização de um projeto.

Da mesma maneira, mas em uma escala decrescente, compreende-se que o recorte espacial que delimita a soberania jurídica/territorial dos municípios de Chopinzinho, São João e São Jorge D´Oeste e, consequentemente, das fronteiras territoriais (chamadas juridicamente de “naturais” ou “artificiais”) que regulamentam as divisas intermunicipais entre as referidas municipalidades não são estabelecidas por acaso. Pelo contrário, são projetadas e instaladas levando em conta inúmeros interesses políticos, econômicos e sociais. O problema é que estes interesses nem sempre estarão em consonância com o desejo e as intenções políticas das elites locais.

Por causa disso, muitas vezes, em nome de um suposto interesse popular, os protagonistas políticos das cidades mencionadas procurarão alterar e diluir a rigidez das fronteiras (as quais delimitam certos distritos, comunidades e vilarejos) em beneficio próprio ou dos municípios que representam.