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Instabilidades territoriais e possibilidades políticas

Visualizamos até agora no decorrer do presente trabalho, o desdobramento de um processo de afirmação política e territorial do sudoeste do Paraná ao longo do século XX. Logo, de uma maneira geral, vimos os caminhos, a trajetória e os percalços de uma história marcada profundamente – com uma característica influência cultural sul-rio-grandense – pelos conflitos territoriais, os quais foram guiados pelas mais díspares intencionalidades. Ademais, olhando oportunamente na espécie de um microscópio, concentramos igualmente nossa atenção na formação específica de três municípios sudoestinos que guardando em comum inúmeras particularidades sociopolíticas, estabeleceram uma instigante coesão regional. Referimo-nos a Chopinzinho, São João e São Jorge D´Oeste.

Salientando principalmente as relações políticas, sociais e econômicas fomentadas entre as elites locais que deram autonomia aos referidos municípios, verificamos que, apesar

de oriundas de uma mesma visão de mundo e perspectivas de futuro, a atuação grupal dos personagens políticos é complexa e multifacetada. Mantendo uma dinâmica regional própria, a reciprocidade entre os contemporâneos das classes políticas não tendia a ser unívoca, ao contrário, estabelecia-se muitas vezes como conflituosa, outras vezes de maneira confluente, ou ainda, como conciliadora.

Nesse interim, a reciprocidade política das elites locais estimulou – à imagem e semelhança das contendas territoriais presenciadas desde os finais do século XIX e que margearam a primeira metade do XX em solo que hoje seria o sudoeste paranaense – disputas particulares pelo próprio espaço físico dos municípios. Com a presunção de que as emancipações políticas de São João (1960) e São Jorge D´Oeste (1963) deixaram em aberto muitos assuntos – inclusive territoriais – vê-se que rapidamente surgem agitações em ambos os municípios contestando e requerendo determinadas áreas (formado por distritos e comunidades) que pertencem juridicamente a municipalidades contrárias. Assim, até mesmo Chopinzinho, consolidado municipalmente na década anterior (1954), mas fracionado de modo territorial com a criação das duas outras municipalidades destacadas – se beneficiava com a instabilidade territorial da microrregião.

Com essa problemática na pauta do dia, inúmeras questões são elencadas: O que motivava as elites locais, enquanto administradoras e legisladoras municipais, a contestarem determinadas divisas intermunicipais? São interesses pessoais (e da classe) ou existe alguma pressão popular em jogo? Como legitimar esse movimento reivindicatório? E, aliás, como requerer, por meios legais, um território em posse da cidade vizinha?

Desse modo, no meio de um turbilhão de questões a serem pensadas e resolvidas, a ideia de plebiscito veio a calhar. É plausível que por uma influência do propalado plebiscito de 1963 – aquele que reinstituiu o presidencialismo no país – de um maior contato com as normas jurídicas, mas principalmente pelo alto índice de criação de municípios brasileiro no período228– herança indireta da Constituição Federal de 1946 – constatou-se que, ao realizar plebiscitos nas áreas em litígio, as situações se resolveriam legalmente e com um ar democrático. Com isso, neste bojo incitado ao longo da década de 1960 brotaram pedidos de plebiscitos. Qualquer desavença comunitária com a sede municipal ou aproximação com a sede do município vizinho era um bom motivo para desmembrar a localidade e anexá-la a outrem através de um pleito.

228 Ver gráfico 1 e tabela 1. Devemos notar igualmente que uma significativa parcela desses municípios recém- criados possivelmente passou por um plebiscito para validar o processo emancipatório.

Com isso, conforme os meios jurídicos, esses plebiscitos visavam, sobretudo, a anexação de porções territoriais. Quer dizer, era através do conceito de anexar que se amparava e se justificava também a idealização do plebiscito. Por isso, segundo Meirelles: “Anexação é a junção da parte desmembrada de um território a Município já existente, que continua com sua personalidade anterior”.229

Por outro lado, apesar da introdução do trabalho refletir sobre as ideais que cercam a noção de plebiscito, é oportuno ressaltar que atualmente nos estudos jurídicos considera-se o plebiscito como um mecanismo da chamada Democracia semidireta ou Democracia participativa. Já a sua definição, longe de ser unânime, é ponto de controvérsia de longa data nas ciências sociais e nos estudos de política. Isto ocorre porque a definição de plebiscito não estabelece na história uma diferença substancial do seu dispositivo análogo, o referendum.230 Gemma afirma que certos estudiosos defendem que existe plebiscito quando o povo decide sobre um assunto sem ato prévio dos órgãos estatais, cuja presença caracterizaria o referendum. Para ele, outros teóricos dizem que existe plebiscito quando o povo se pronuncia sobre determinados fatos ou acontecimentos (indicação de pessoas para cargos, anexações territoriais, escolha de formas de Governo) e não sobre atos normativos, para os quais existiria o referendo. E ainda há uma terceira via daqueles que apresentam o plebiscito como a escolha de um homem, vendo no referendum o voto relativo a um problema.231

Não podemos perder de vista igualmente que o plebiscito, por ser um dispositivo jurídico e político, só pode ser levado adiante se estiver contemplado e adequado às normas jurídicas de um Estado. Assim sendo, qualquer plebiscito realizado em território brasileiro na década de 1960 (mais especificamente até 1967) deveria estar em consonância com as disposições da Constituição Federal de 1946. Por outro lado, já depois da entrada dos militares no poder em 1964, é notável que a realização de um plebiscito necessitasse passar pelo crivo da Constituição Federal de 1967.

Nesse sentido, devemos consagrar que, das várias solicitações de plebiscito requeridas junto à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná no período, três foram efetivamente consideradas e nos interessam aqui. São as que se referem as comunidades em princípio

229

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 69. 230 GEMMA, Gladio. loc. cit, p. 927.

chopinzinhenses de Sede Sulina e Alto Mirim e uma determinada área sanjoanense não nomeada nas publicações do Diário Oficial do Estado do Paraná.232

Não obstante, torna-se significativo observar também que o município de São João era o único envolvido diretamente nas três solicitações, requerendo ou sendo requerido por um plebiscito. Das disputas elencadas acima, duas foram travadas com Chopinzinho (um pedido de plebiscito de cada municipalidade) e uma com São Jorge D´Oeste. Mas por que será? O que levava tal município a ser protagonista nestas discordâncias territoriais? E qual era o papel da elite local sanjoanense nestas discrepâncias?