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A PRÁTICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LE

2.3 ALGUMAS CRÍTICAS AO MOVIMENTO “PROFESSOR REFLEXIVO”

Diante do slogan “Profissional Reflexivo” que se expandiu rapidamente, inclusive na área educacional, a primeira crítica levantada foi em relação ao próprio termo. Por que esse nome, uma vez que se pressupõe que já é facultado ao ser humano a capacidade de pensar e de refletir no seu dia-a-dia e, consequentemente, ao profissional na sua prática? “Por que necessitaríamos dessa aprendizagem na formação dos professores se ela já existia?” (PERRENOUD, 2002, p. 47).

Segundo Pimenta (2002, p. 18), a expressão “professor reflexivo” tomou conta do cenário educacional desde os anos de 1990 no Brasil, “confundindo a reflexão enquanto adjetivo, como atributo próprio do ser humano, com um movimento teórico de compreensão do trabalho docente”, surgindo, assim, um conceito. Assim, ela defende a tese de que

A apropriação generalizada da perspectiva da reflexão, nas reformas educacionais dos governos neoliberais, transforma o conceito professor reflexivo em um mero termo, expressão de uma moda, à medida em que o despe de sua potencial dimensão político- epistemológica, que se traduziria em medidas para a efetiva elevação do estatuto da profissionalidade docente e para a melhoria das condições escolares, à semelhança do que ocorreu em outros países. No caso, a democratização social e política de países como Espanha e Portugal, que não apenas transformaram as condições de

formação de professores, mas também significativamente suas

condições de exercício profissional com jornada e salários

compatíveis com um exercício crítico e reflexivo e de pesquisa,

contribuindo para a elevação do estatuto da profissionalidade docente. Essa questão, como se vê, está “esquecida” nas políticas do governo brasileiro. (PIMENTA, 2002, p. 45)

A preocupação com o esvaziamento do sentido em torno do termo, sustentado pela incoerência em se identificar o conceito de professor reflexivo com

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[...] teachers have ideas, beliefs, and theories too, that can contribute to the betterment of teaching for all teachers. (ZEICHNER; LISTON, 1996, p. 5).

práticas ou treinamentos que podem ser consumidos, suscitou questionamentos a partir das ideias difundidas por SCHÖN (1983, 2000), relacionadas a todos os tipos de profissão.

Apesar de elas abrirem perspectivas para a valorização do professor pesquisador de sua prática, na medida em que a valorizaram como elemento de construção do conhecimento, através da reflexão, análise e problematização da mesma (reflexão sobre a reflexão-na-ação), algumas preocupações emergiram: [a] Como esse elemento deve ser considerado nos programas de formação profissionalizante e como o talento artístico deve ser integrado ao currículo? (ALARCÃO, 1996); [b] Que tipo de reflexão tem sido feita e quais condições os professores têm para refletir? (PIMENTA, 2002); [c] Por que formar professores para que possam refletir sobre sua prática e como agir com eficácia nessa busca durante a formação inicial? (PERRENOUD, 2002).

Para Pimenta (2002, p.26), o entendimento desse movimento envolve duas questões fundamentais: “o que se entende por teoria e o seu papel na reflexão e a compreensão de que a reflexão é necessariamente um processo coletivo”. Sob o seu ponto de vista, a teoria oferece aos professores perspectivas de análise para compreenderem os diversos contextos nos quais se inserem suas atividades docentes, possibilitando a articulação entre os saberes teóricos e os da prática, ressignificando-os e sendo por eles ressignificados.

Com isso, a autora aponta como limites das ideias de SCHÖN (1983, 2000) o individualismo da reflexão (é preciso empreender críticas coletivas e ampliadas para além do contexto escolar), a ausência de critérios externos potencializadores de uma reflexão crítica e a excessiva ênfase na prática (é necessário o suporte teórico para se problematizar sobre determinado assunto).

Corroborando Pimenta (2002), Alarcão (1996) afirma que frente a situações de incerteza, é possível que o aluno (futuro professor) procure, em vão, resposta em uma orientação linear e direta, por não ter desenvolvido as capacidades necessárias para operar em tais situações. Para descobrir as respostas “é preciso compreender bem o problema e reorganizar os saberes relevantes”, produzindo um novo saber que a reflexão ajuda a solidificar. “Todavia, esse novo saber só se produz, essa reflexão só se dá, se o sujeito tiver uma base de conhecimento sobre os quais possa refletir”. (ALARCÃO, 1996, p. 28). É preciso considerar, pois, a relação entre reflexão

e conhecimento – seja o conhecimento gerado pela reflexão, seja o conhecimento que sustenta a reflexão.

Nesse sentido, Perrenoud (2002) diz que para transformar um estudante em profissional reflexivo, na sua formação inicial, é necessário contar com a adesão dos interessados nesse tipo de professor, além de ter um programa orientado para a prática reflexiva. “Se os estudantes esperam respostas categóricas, receitas e rotinas, o empreendimento não poderá ser bem sucedido”. (PERRENOUD, 2002, p. 64).

A despeito das críticas levantadas, Pimenta (2002) considera que a análise e expansão das ideias de SCHÖN (1983, 2000), que foram rapidamente apropriadas em diferentes países, em um contexto de reformas curriculares, favoreceram o desenvolvimento de pesquisas sobre diversos temas na área de formação de professores, dentre eles os currículos necessários para a formação de professores reflexivos e pesquisadores, o local dessa formação e as condições de exercício de uma prática profissional reflexiva nas escolas. Nesse contexto, a formação continuada ganhou força, devido à explicitação das demandas da prática.

As discussões implementadas em torno do tema em questão também possibilitaram a elaboração de sugestões para superar esses limites, que são aqui sintetizadas por Pimenta (2002):

a) Da perspectiva do professor reflexivo ao intelectual crítico reflexivo (da dimensão individual da reflexão ao seu caráter público e ético);

b) Da epistemologia da prática à práxis (construção do conhecimento por parte dos professores a partir da análise crítica – teórica – das práticas e da ressignificação das teorias a partir dos conhecimentos da prática – práxis); c) Do professor pesquisador à realização da pesquisa no espaço escolar como

integrante da jornada de trabalho dos profissionais da escola, com a colaboração de pesquisadores da universidade (instaurar nas escolas uma cultura de análise das suas práticas, por meio de projetos coletivos de investigação, com a colaboração da universidade e reforçar nesta a sua importância na participação de processos formativos, que tomem a realidade como parte integrante e a pesquisa como eixo central);

d) Da formação inicial e dos programas de formação contínua, que podem significar um deslocamento da escola, aprimoramento individual e um

corporativismo, ao desenvolvimento profissional (o desenvolvimento profissional é resultante da combinação entre a formação inicial, o exercício profissional e as condições concretas que determinam a ambos);

e) Da formação contínua que investe na profissionalização individual ao reforço da escola e do coletivo no desenvolvimento profissional dos professores.

A partir das ideias aqui expostas sobre a importância da relação entre reflexão e conhecimento, seja ele gerado no contexto de ação, seja ele proveniente de discussões teóricas em sala de aula, considero que esta pesquisa oportunizou aos participantes visitar seus saberes teóricos (cognitivos) e conhecer/construir os seus saberes práticos (conhecimento na ação) por meio de uma prática reflexiva, em um processo de ressignificação mútua, no qual as crenças sobre o ensino de LI em escola pública ficaram evidenciadas.

Assim, dentro da classificação de tradições sobre prática reflexiva, proposta por Zeichner e Liston (1993), esta pesquisa se enquadra na tradição genérica porque buscou encorajar os futuros professores a refletir sobre suas práticas de ensino em geral, com base em crenças muitas vezes construídas desde as suas vivências na educação básica, assunto que será abordado no próximo capítulo teórico.

O trabalho de conscientização, autoconhecimento e prática da reflexão dos sujeitos envolvidos dialoga com a essência da pedagogia crítica, defendida por Rajagopalan (2003), Pennycook (1998) e Freire (1987) entre outros, e é essencial para a formação da identidade de futuros professores. Este processo poderá vir a contribuir para o empoderamento dessas pessoas, de forma que elas consigam realizar ações e mudanças na sua própria vida. (CAMERON, 1993).

Freire (1987) enfatiza a importância da educação pelo empoderamento, com foco na transformação cultural, mais do que na adaptação social, através de um processo construído de dentro para fora e não recebido, como se fosse herança. Uma pessoa empoderada será capaz de realizar ações e tomar decisões que venham ajudar no seu crescimento

CAPÍTULO III