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CRENÇAS SOBRE ENSINO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS

3.2 O QUE NOS DIZEM AS PESQUISAS SOBRE CRENÇAS

A partir da vasta quantidade de definições em torno do tema crenças, podemos observar que pesquisas têm sido desenvolvidas em diferentes áreas do conhecimento, ao longo dos tempos. Ainda que o interesse pelo assunto crenças sobre aprendizado de línguas, na área de Linguística Aplicada, tenha surgido no Brasil em período posterior (meados dos anos 1990) às pesquisas realizadas no exterior (meados dos anos 1980), como mostram os estudos de Barcelos (2001, 2007), é possível considerar que o volume de pesquisas sobre o tema já se encontra na fase de expansão há um bom tempo. (BARCELOS, 2007a).

Segundo a autora (2007a, p. 28), a produção bibliográfica sobre o tema já é bastante extensa, “colaborando assim, para um corpo teórico a respeito desse conceito que se desenvolve a passos muito rápidos no Brasil, talvez, mais até do que no exterior”.

O interesse pelo assunto crenças se deu devido à mudança de foco das pesquisas para os aprendizes de línguas e suas contribuições para o aprendizado de segunda língua ou língua estrangeira que, por sua vez, deu origem a outros aspectos sobre bons aprendizes de língua, tais como motivação, atitude, personalidade, estilos cognitivos, estratégias de aprendizagem. (Op. cit.).

O início das investigações provou-se difícil em virtude dos escassos estudos sobre o tema. Na fase inicial, não se dava o nome de crenças no Brasil, mas de mitos, representações e concepções. Almeida Filho (1993), por exemplo, abordou crenças nas suas pesquisas, adotando o conceito de cultura de aprender. Esse termo serviu de base para vários estudos no Brasil e no exterior, “que entendem crença como parte de um conceito maior, embasadas em uma cultura de aprender e ensinar do país, e crenças sobre avaliação como parte da cultura de avaliar”. (BARCELOS, 2007a, p. 34).

Os desenvolvimentos na área da cognição têm influenciado as visões a respeito da natureza das crenças. No início das pesquisas de crenças sobre ensino/aprendizagem de línguas (década de 70-80 no exterior e década de 90 no Brasil) acreditava-se que as mesmas eram estruturas mentais, estáveis, fixas e distintas do conhecimento. Os estudos se encaixavam na abordagem normativa de investigação (BARCELOS, 2001) e, portanto, era comum julgar as crenças entre certas e erradas. Havia uma relação de causa e efeito entre crenças e ação, isto é, justificava-se a ação de um aluno/um professor a partir das crenças que ele tinha.

Apesar do crescimento nas pesquisas de crenças sobre aquisição de segunda língua (SLA), poucos estudos têm feito uma revisão das metodologias comuns usadas nessas investigações, como afirma Barcelos (2006a, p. 07)25. Ela argumenta que “até então, as pesquisas têm feito, prioritariamente, a descrição de crenças, sem tentar entender porque alunos têm determinadas crenças e que papel elas exercem nas experiências de aprendizagem dos alunos”.

Barcelos (2001, 2006) reconhece três abordagens nos estudos atuais sobre crenças – a abordagem normativa, a abordagem metacognitiva e a abordagem contextual, a partir do agrupamento de estudos dentro dessas três abordagens, de

25

I argue that, so far, research has mainly described beliefs without trying to understand why students have certain beliefs and what role they play in students‟ learning experiences. (tradução nossa).

acordo com a definição de crenças, a metodologia, a relação entre crenças e ações, as vantagens e desvantagens. O quadro 03 sintetiza a sua proposta metodológica. Quadro 03 - Abordagens de pesquisa para investigação das crenças sobre aprendizagem de línguas.

NORMATIVA METACOGNITIVA CONTEXTUAL

Definição de crença

Noções pré-concebidas, mitos, equívocos. Concepção implícita de

que crenças de alunos são errôneas e contraproducentes.

Crenças são consideradas conhecimento metacognitivo. Concepção implícita de que o conhecimento metacognitivo

dos alunos constitue suas teorias em ação, que os ajuda a refletir sobre suas

ações e a desenvolver potencial para aprendizagem.

Crenças são contextuais, dinâmicas e sociais. Crenças fazem parte das experiências dos alunos e se inter-relacionam com o ambiente, não apenas

físico, mas qualquer possibilidade de interação

entre seres humanos.

Metodologia

A coleta de dados é feita, principalmente, através

de questionários (com escalas - LIKERT) e a análise dos dados é feita

através de estatística descritiva. Infere as crenças através de um conjunto pré-determinado

de afirmações.

A coleta de dados é feita através de relatos verbais

obtidos através de entrevistas semi- estruturadas. Poucos estudos usam questionários, mas não no formato LIKERT. A maioria dos estudos nessa

abordagem vê o conhecimento metacognitivo

como aspecto essencial na autonomia dos alunos.

Apresenta uma metodologia variada: observação etnográfica da

sala de aula, estudo de caso, fenomenografia, análise de metáforas, diários, análise do discurso. Em todos os estudos, o contexto é a noção crucial. Crenças e ações

A maioria dos estudos inseridos nessa abordagem tem feito

descrições e classificações de tipos de crenças sobre SLA e

feito sugestões sobre como as crenças podem

influenciar o comportamento, sem,

contudo, observar as ações dos alunos.

A função do conhecimento metacognitivo está relacionada à aprendizagem

da língua e estratégias do aprendiz. Dessa forma, a relação entre crenças e ações está intimamente relacionada a estratégias de

aprendizagem de línguas.

Diferentemente das outras abordagens, nessa abordagem considera-se

que o conhecimento (ou pensamento) é situado;

assim, é importante investigar o contexto onde

os alunos interagem.

Vantagens

Permite que as crenças sejam investigadas com amostras grandes, em épocas diferentes e em vários contextos ao mesmo tempo. Os alunos têm a oportunidade de elaborar e

refletir sobre suas experiências, através das

entrevistas; crenças são consideradas conhecimento e

isso implica em reconhecê- las como parte do processo

de raciocínio.

Oferece definição mais ampla de crenças sobre aprendizagem de línguas; permite que crenças sejam

investigadas levando em consideração as palavras dos alunos e suas ações.

Desvantagens

A relação entre crenças e ações não é investigada; o único método de investigação (questionário com escalas - LIKERT) dificulta interpretação e restringe as respostas dos participantes; não existe análise do

contexto.

Não infere as crenças através das ações, mas

somente através de intenções e declarações

verbais.

É mais adequada com pequeno número de participantes; consome

muito tempo.

As três abordagens representadas no quadro 03 têm concepções distintas de crenças, o que influencia na metodologia utilizada nas pesquisas. Tanto a abordagem normativa quanto a metacognitiva falham em levar em consideração a natureza experiencial das crenças, seja por não analisar as crenças dos alunos nos seus próprios termos, seja por tratá-las como um conceito fixo a priori, ou por não considerar o contexto do qual os alunos fazem parte. A abordagem contextual tem sido bastante usada nas pesquisas sobre crenças que consideram esse construto como parte da cultura de aprender, onde as investigações acontecem dentro de um determinado contexto de ação, permitindo às investigações irem além da análise e inferência daquilo que é dito, ou seja, das palavras. (BARCELOS, 2001, 2006).

Enquanto a primeira abordagem enquadra-se dentro de um paradigma positivista de pesquisa, voltado para a quantificação dos dados, as abordagens metacognitiva e contextual enquadram-se dentro de uma perspectiva qualitativa, compartilhando algumas características – são realizadas em contextos naturais, são descritivas, são processuais, são indutivas, buscam significados. (VIEIRA- ABRAHÃO, 2006).

A variedade de instrumentos e procedimentos para geração de dados, usados em pesquisas que se enquadram na abordagem contextual, fornecem uma riqueza de dados a respeito das crenças e do contexto onde elas se desenvolvem, permitindo análises mais apuradas. Nesse sentido, Barcelos (2006b, p. 152) cita alguns trabalhos desenvolvidos a partir da análise de narrativas.

... atualmente a narrativa, ou histórias de vida, já começou a fazer parte dos tipos de instrumentos utilizados para investigar as crenças de professores (Vieira-Abrahão, 2002; Lima, 2005; Coelho, 2005), as experiências e identidades de aprendizes de línguas (Leppanen e Kalaja, 2002), os processos de aprendizagem em relação à autonomia de aprendizes de línguas (Paiva, 2005) e as construções de identidades e comunidades imaginadas dos aprendizes (Murphey, Jin e Li-Chi, 2004). A experiência de aprender línguas também pode ser objeto de estudo do pesquisador que analisa sua própria experiência (Lim, 2002).

A análise de narrativas (seja falada ou escrita), de entrevistas e de observação, ou a combinação deles, dá todo um suporte para uma abordagem discursiva de pesquisa, ou seja, uma abordagem que se vale da análise do discurso para o estudo de crenças, conforme afirma Barcelos (2006). Segunda a

pesquisadora, isso indica que há um movimento de distanciamento do uso do questionário como primeiro instrumento de pesquisa a ser usado para geração de dados.

Cito como exemplo a pesquisa longitudinal desenvolvida por Woods (1996), acompanhando oito estudantes universitários no Canadá (prospective ESL teachers) com foco no planejamento e tomada de decisões. Para tanto, o pesquisador utilizou combinações de vários tipos de entrevista para geração de dados: entrevistas abertas para acessar a experiência prévia de cada um (background interviews); entrevistas realizadas durante a observação das aulas (on-going interviews); entrevistas baseadas em gravações de aulas (retrospective interviews).

O resultado do estudo realizado por Woods (1996) não sugere novos dogmas para o ensino de línguas; sugere “uma forma diferente de se pensar sobre o ensino”26

. (Ibid., p. 296), baseada na abordagem do profissional reflexivo (SCHÖN, 1983). Para ele, a diferença entre os componentes de crenças, suposições e conhecimento é tão sutil que se torna difícil perceber, em muitos casos, se a interpretação dos eventos se baseia naquilo que o professor acredita, naquilo que o professor conhece ou naquilo que o professor acredita que conhece. Assim, ele propôs o conceito BAK (beliefs, attitude, knowledge) para explicar sua visão. Mais do que serem conceitos distintos, são pontos em um espectro de significados.

Com base no exposto, Barcelos (2006a, p. 29) pontua que as pesquisas de crenças sobre SLA precisam deixar de ser simples mapeamentos de crenças como previsões para comportamento futuro e passar a investigá-las dentro do contexto de ação, para que possamos compreender a relação entre crenças e ação dos estudantes e como interferem nas suas experiências de aprendizagem, dentro e fora da sala de aula. Nesse sentido e com base na concepção de Dewey (2009), investigar crenças de alunos, envolve investigar (a) as experiências e ações dos alunos; (b) a interpretação dos alunos sobre suas experiências e (c) o contexto social e sua influência nas experiências dos alunos.

Observamos, então, que desde os primeiros estudos realizados sobre crenças em início dos anos 1980 no mundo, incluindo os estudos voltados para aquisição de segunda língua, quando se deu o início das pesquisas na área da Linguística Aplicada no Brasil, nos anos de 1990, houve uma expansão em relação à

compreensão dos procedimentos/instrumentos que podem ser usados para geração de dados em pesquisas dessa natureza.

Ou seja, o que inicialmente começou com a aplicação ou adaptação de questionário com escalas (LIKERT), baseado no inventário de crenças (BALLI - Beliefs about Language Learning Inventory), que conduziam análises estatísticas, descritivas e quantitativas com base em concepções pré-determinadas de análise (típicos das abordagens normativa e metacognitiva), se expandiu para uma noção de pesquisa que tem o contexto como elemento indissociável nas análises e o sujeito como um ser ímpar, que precisa ter voz e se colocar nas pesquisas, porque qualquer pesquisa só tem sentido se for realizada com ele e não sobre ele.

Segundo Kalaja (2006) esse processo denotou uma mudança do paradigma positivista para o construcionista, onde pesquisas voltadas para atributos como entidades cognitivas foram dando lugar a pesquisas voltadas para explicações causais, como realmente acontece no discurso, ou em trechos de conversa ou de escrita produzidos por uma pessoa em ocasiões relevantes, ao invés do pesquisador limitar-se a marcar ou circular respostas nos questionários, como nos métodos tradicionais. Com isso, ao final dos anos 1980, percebeu-se a introdução de abordagens discursivas na Psicologia Social. Entretanto, pesquisas discursivas em crenças sobre aquisição de segunda língua ainda estão na sua fase de infância, conforme pontua a pesquisadora. (KALAJA, 2006).

A compreensão da dimensão social das crenças e de sua natureza emergente, contextual e dinâmica, uma vez que são formadas nas relações de experiências e interações entre pessoas, trouxe importantes contribuições para pesquisas em crenças sobre aquisição de segunda língua (SLA), que será tratada na próxima sessão, cujo foco é o professor de LE.

Concluo essa parte, trazendo para reflexão uma observação feita por Barcelos e Kalaja (2006) em relação à metodologia a ser adotada nas pesquisas sobre crenças, a partir dessa compreensão. Para as pesquisadoras, os futuros estudos sobre o tema não podem negligenciar a natureza social das crenças. Isso implica dizer que, para o estudo de algo tão complexo, é necessário o emprego de uma variedade de métodos, isto é, de diferentes lentes que permitam ver diferentes ângulos de um sistema de crenças.

3.3 POR QUE O ESTUDO DE CRENÇAS É IMPORTANTE NA FORMAÇÃO DO