• Nenhum resultado encontrado

A PRÁTICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LE

2.1 A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO REFLEXIVO

No início do século XX o filósofo e pedagogo John Dewey trouxe grandes contribuições para a educação no sentido de promover atitudes mais reflexivas. Na opinião de Zeichner e Liston (1996), ele foi um dos primeiros teóricos educacionais nos Estados Unidos a ver os professores como profissionais reflexivos, capazes de exercer papeis ativos no desenvolvimento curricular e na reforma educacional. Portanto, histórica e conceitualmente, Dewey fornece a base para a nossa compreensão do ensino reflexivo.

De acordo com Dewey (2009)12 o processo de reflexão de professores começa quando eles se deparam com uma dificuldade que não pode ser resolvida imediatamente. No seu livro How We Think, Dewey (2009) faz uma distinção entre a ação que é rotina e a ação que é uma atitude reflexiva, pontuando que a primeira é guiada por impulso, tradição e autoridade, enquanto a segunda envolve intuição, emoção, consideração cuidadosa de crenças e práticas e suas possíveis consequências. Para o autor, três atitudes se integram numa ação reflexiva: mente aberta, responsabilidade e sinceridade.

12 A obra de Dewey a que Zeichner e Liston fazem referência data de 1933 (Chicago:Henry Regnery). A obra usada como referência nessa pesquisa data de 2009 (U.S.A: BN Publishing).

Ter a mente aberta significa querer ouvir vários lados da história, dar atenção a diversas alternativas e reconhecer a possibilidade de erro até mesmo diante de crenças que nos são muito caras. Ter uma atitude responsável envolve considerar cuidadosamente as consequências que determinada ação conduzirá. Por sua vez, ser sincero na vida profissional implica examinar regularmente nossas concepções e crenças, os resultados de nossas ações, e encarar todas as situações com a atitude de que sempre podemos aprender algo novo (DEWEY, 2009).

A integração dessas três atitudes nos orienta para uma apreciação mais holística do nosso trabalho docente, conforme nos diz Zeichner e Liston (1996, p. 11): “Professores reflexivos avaliam seu ensino fazendo questionamentos amplos – „os resultados são bons, para quem e de que maneira‟, e não meramente „meus objetivos foram alcançados?‟”13

.

Entretanto, sair do centro do processo de aprendizagem é algo que ainda se constitui um desafio nos dias de hoje, talvez porque ainda nos falte alguma(s) dessa(s) atitude(s) apontada(s) por Dewey (2009): mente aberta, responsabilidade e sinceridade. Esse aspecto ficou evidenciado em determinado momento dessa pesquisa quando um dos sujeitos participantes respondeu à pergunta Como seria uma boa aula de Língua Inglesa (LI) para você?, da seguinte forma: “Uma aula em que os objetivos dos professores sejam alcançados”14

. Isso será discutido e analisado no capítulo 04.

Isso nos mostra a importância que um processo reflexivo exerce na formação docente, seja inicial ou continuada. O pensamento é, portanto, o elemento central quando falamos de ensino reflexivo. Para uma melhor compreensão de como nós pensamos, Dewey (2009) descreve quatro sentidos: I) No sentido mais amplo, pensamento é tudo que está dentro de nossas

cabeças ou que passa por nossas mentes. Pensamento reflexivo é consecutivo, ou seja, ele envolve não apenas uma sequência de ideias, mas uma consequência. As porções sucessivas do pensamento reflexivo se

13 “Reflective teachers evaluate their teaching by asking the broader questions, „are the results good, for whom and in what ways‟, not merely „have my objectives been met?‟” (tradução nossa).

14

originam umas das outras e ajudam umas às outras; elas não vêm misturadas. Cada fase de pensamento determina o passo que está por vir, se apoiando no passo anterior;

II) Mesmo quando o pensamento é usado no seu sentido mais amplo, ele geralmente se limita a problemas que não são, necessariamente, percebidos diretamente: aquilo que nós não vemos, não cheiramos, não ouvimos ou não tocamos. Crianças geralmente imaginam histórias com graus de coerência; algumas são articuladas, outras não. Quando conectadas, elas estimulam o pensamento reflexivo. Isso geralmente ocorre em mentes que apresentam capacidade lógica;

III) O pensamento induz crenças que podem se sustentar em um conhecimento real ou suposto, que vai além do que está diretamente apresentado. Isso é marcado pela aceitação ou rejeição de algo, razoavelmente considerado provável ou improvável. Essa fase de pensamento inclui dois tipos distintos de crença, que se diferenciam pelo grau, não pelo tipo. Ou seja, algumas crenças são aceitas quando suas premissas não são consideradas; outras são aceitas porque suas premissas são examinadas. Quando o pensamento significa uma suposição aceita sem referência às suas premissas reais, eles crescem inconscientemente e sem aderência à crença correta. Eles simplesmente são captados, se manifestam para serem aceitos e se tornam, inconscientemente, uma parte do nosso arcabouço mental. Tradição, instrução, imitação, ou seja, tudo que se relaciona à autoridade de alguma forma ou apela para nosso próprio benefício, são responsáveis por esses pensamentos. São, portanto, preconceitos e não julgamentos próprios que se apoiam em uma pesquisa de evidências;

IV) Pensamentos que resultam em crença têm uma importância atrelada a eles, que leva ao pensamento reflexivo, ao questionamento consciente da natureza, condições e significados da crença. Portanto, o pensamento, no seu melhor sentido, é aquele que considera a base e as consequências das crenças. Isso significa pensamento reflexivo, que é ativo, persistente, cuidadoso em considerar qualquer outra crença ou suposta forma de conhecimento à luz das premissas que o sustentam, bem como as conclusões a que chegar. Uma vez iniciado, se traduz em esforço

consciente e voluntário para estabilizar a crença apoiada em uma base firme de razões.

De acordo com Dewey (2009), uma operação reflexiva envolve subprocessos que ele divide em (a) um estado de perplexidade, hesitação ou dúvida e (b) um ato de investigação, a fim de elucidar fatos que servem para corroborar ou negar a crença sugerida. O pensamento começa a partir de uma situação que é ambígua, que apresenta um dilema, que propõe alternativas. Portanto, a demanda para a solução de alguma perplexidade, confusão ou dúvida é o fator condutor de todo o processo de reflexão.

Com base nisso, Dewey (2009) aponta para a necessidade do desenvolvimento de bons hábitos mentais, indicando a atitude de suspensão de conclusão como fator mais importante nesse processo. Em vez disso, devemos desenvolver métodos de pesquisa que nos ajudem a corroborar ou refutar as primeiras sugestões surgidas, a fim de treinar o pensar.

A linguagem (oral, escrita, gestual, visual) é uma ferramenta do pensamento. Entretanto, o pensamento está atrelado ao significado das coisas e para que esse significado seja apreendido, ele precisa estar envolvido em experiências particulares e sensatas, que estejam ancoradas em alguma existência física. As coisas não são nada sem significado, a não ser estímulos cegos. (DEWEY, 2009, p. 171). Tentar dar um significado através de uma palavra solta, sem nenhuma relação com algo, é destituir a palavra de um significado inteligente.

Dewey (2009) ainda afirma que o ser humano usa a linguagem, em primeiro lugar, para influenciar outros, como, por exemplo, através de expressões de desejo e emoções. Em segundo lugar, para estreitar as relações sociais. O seu uso como um veículo consciente de pensamento e conhecimento só se dá em um terceiro momento. A distinção entre esses diferentes usos da linguagem é claramente observada na fala e isso se reflete na sala de aula, muitas vezes originando uma grande lacuna entre as ideias e palavras em voga, fora e dentro do ambiente escolar. O grande desafio da escola é ajudar o aluno a usar a fala também como ferramenta consciente de transmissão e acesso ao conhecimento e ao pensamento mais direcionado.

Dewey (2009) aponta para algumas práticas de professores que tendem a prejudicar o fluxo natural da fala de alunos, na construção e organização de sentidos. Uma delas é a correção demasiada de erros, elevando o nível de ansiedade no aluno e comprometendo o fluxo natural de construção do pensamento. A outra é o hábito que alguns professores têm em monopolizar o discurso, limitando a conversação entre os alunos às respostas curtas ou sentenças simples isoladas.

Esse segundo aspecto, que mais uma vez toca na questão da centralidade do papel do professor em sala de aula, pôde ser observado durante a realização da pesquisa de campo, especialmente no semestre 2015.1. Nesse período, os participantes da pesquisa estavam realizando o Estágio de Regência no Ensino Fundamental II e suas ações mostraram como o ser humano tem a tendência a reproduzir padrões de comportamento, ainda que sejam criticados por eles mesmos, com base em crenças já estabilizadas (PAJARES, 1992). Esse aspecto também será analisado no capítulo IV.

Nesse sentido, Zeichner e Liston (1996) chamam atenção para o fato de que os professores trazem para a sala de aula as suas experiências pessoais, incluindo as educacionais ainda quando alunos, que podem influenciar seu trabalho presente. Todas essas experiências formam a base das teorias práticas dos professores que, segundo Handal e Lauvas (1987), se subdividem em três componentes: experiência pessoal; conhecimento e experiências transmitidas; valores.

Portanto, o papel da educação é fornecer condições que ajudem o indivíduo a cultivar e desenvolver atitudes e hábitos mentais, transformando, através de treinamento, as capacidades naturais de inferência em hábitos de questionamento e exame crítico. Isso minimiza a tendência natural que o pensamento tem de desviar- se, bem como as influências sociais que tendem a formar hábitos de pensamento que levam a crenças errôneas e inadequadas. Além disso, ajuda a minar e destruir preconceitos acumulados e perpetuados por um longo tempo. (DEWEY, 2009).

2.2 POR UMA ORGANIZAÇÃO CURRICULAR QUE VALORIZE A FORMAÇÃO