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É indispensável, neste âmbito, a referência ao estudo realizado por Pomian, Pradère e Gaillard (1997) sobre as especificidades das grelhas de análise dos engenheiros, de forma a definir melhor a sua articulação possível com projetos de outros profissionais.

Em primeiro lugar, constataram que, se a função atribuída de modo geral aos engenheiros é a de uma gestão dos sistemas de produção que permita um melhor controle e concretização dos vários objetivos da empresa, parece que nem sempre atendem a todos os fatores: “a identificação das funções, dos elementos da estrutura e a sua organização visa, de facto, prioritariamente, assegurar o controlo do funcionamento do sistema e não considera, na medida justa, as exigências do trabalho futuro e os novos constrangimentos que os operadores humanos deverão enfrentar” (Pomian, Pradère e Gaillard, 1997, p.9, tradução livre).

Analisaram, seguidamente, os procedimentos de conceção de sistemas mais comummente utilizados, realçando a variabilidade e diversidade de atividades de conceção, “mais ou menos intuitivas, empíricas, formalizadas”, embora verifiquem uma tendência geral de recurso às técnicas da “análise funcional” e da “análise do valor”. Estas técnicas baseiam-se de modo privilegiado na identificação de funções e, partindo destas, elaboram os procedimentos que irão ser seguidos no desenvolvimento da atividade futura. Ao fazê-lo, os engenheiros partem então de duas constatações subjacentes aos seus raciocínios:

a) uma premissa de simplicidade: o funcionamento da empresa é simples o suficiente para poder ser gerido de forma fiável;

b) uma premissa de estabilidade: as leis subjacentes ao funcionamento da empresa são estáveis e permitem avançar uma boa previsão do que vai acontecer em função das alterações propostas.

As escolhas, que irão suportar a definição da nova organização e a reformulação das normas, baseiam-se então nestas premissas, tidas como minimizando a margem de incerteza.

O estudo de Pomian, Pradère e Gaillard foi complementado pela sistematização que Dejours (2005) acabou por propor relativamente à tradição nomeada “Orientação

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Falhas Humanas”: assentar numa previsibilidade de condutas, supondo que é possível conhecer todos os condicionantes do trabalho e, logo, as falhas humanas (idem).

Trata-se, sem dúvida, de uma orientação essencialmente normativa, na qual a criação de normas resvala da necessidade de transmitir aos trabalhadores quais os procedimentos a realizar, para evitar falhas. A falha só surgirá, portanto, caso o trabalhador não cumpra o que está estabelecido. Quando a falha acontece, há que registar, analisar e tomar as medidas que impedirão a sua reprodução.

Como já vimos, partindo do princípio que a atividade correta pode ser conhecida, o erro, sendo humano, resulta da falta de formação/incompetência, talvez de negligência ou quiçá de falta de prescrição. A técnica é aqui considerada como prevalecente. Os requerimentos funcionais definem o que o sistema de trabalho resultante deve conseguir fazer e quão bem deve poder fazê-lo (eficácia, qualidade, disponibilidade, segurança e confiança) (Hollnagel, 2007).

Podemos perceber, então, que os profissionais da engenharia sejam vistos pelos operadores da produção como se debruçando sobre os modos operatórios futuros num elevado nível de abstração, sendo que depois os trabalhadores acabarão por ter que se preocupar com os modos operatórios exigidos pelos condicionalismos do dia-a-dia, num nível muito mais concreto (Belliès, 2002). Rogalski, no seu artigo mais recente, evidencia a mesma questão da difícil compatibilidade das representações operativas de atores com posições hierárquicas diferentes (Rogalski, 2016).

De la Garza e Fadier (2005) fizeram, aliás, uma análise comparativa interessante no que respeita à consideração do que é a segurança e sua integração desde uma fase inicial de conceção, entre engenheiros especializados e operadores envolvidos em processos de conceção. Baseando-se em entrevistas semi-diretivas, constataram que, para os operadores, a referência à segurança encontra-se sempre em articulação com uma visão dinâmica de apropriação do espaço – no caso concreto, associadas a fluxos de pessoas e máquinas, à manutenção que irão ter de fazer dentro do edifício, ao espaço necessário para montar e desmontar equipamentos, etc. Já para os engenheiros especializados, as questões da segurança são referidas de modo mais estrito, limitadas ao seu campo de ação específico, e relativas à norma das condições gerais de trabalho (espaços previstos, tamanhos a respeitar, WC’s, operações de manutenção a cumprir, etc.) (De la Garza, 2004). É curioso verificar ainda que, nesse

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estudo, quando questionados sobre a integração da segurança, o discurso dos engenheiros nunca referiu os trabalhadores nem as condições de trabalho destes.

Contudo, é de considerar, tal como Charriaux e Jean (1997), o quanto evoluíram as características do campo de atuação dos profissionais que, na empresa, asseguram funções técnicas, esperando-se deles, cada vez mais, prescrições de cariz organizacional – alargando-se deste modo a sua atividade para questões económicas e sociais. E Vasconcelos (2005) reflete sobre de que modo este alargamento de áreas de atuação poderá exigir novas competências.

Aliás, Lamonde e colegas (2008) relatam quanto os próprios engenheiros referem que necessitam de mobilizar competências ao nível da integração de trabalho interdisciplinar, da consideração das situações de trabalho, mas também de competências éticas – o que nos remete para certas considerações de Daniellou: “A escolha do concetor (…) é guiada por dados económicos e técnicos, assim como por normas ergonómicas. Mas em todos os casos em que nenhuma das soluções se impõe como evidente, são finalmente os valores pessoais que ajudam o engenheiro a decidir (…)” (Daniellou, 1992, p. 34, tradução livre).

Assim, talvez seja relevante dar outra visibilidade a estes processos que podemos talvez designar de ‘não-técnicos’ que estão na base das tomadas de decisões, e para além de os reconhecer, alargar a consideração dos benefícios que poderão advir, nomeadamente pela integração de conhecimentos e experiências de outro tipo (Dejean & Le Chapellier, 2008).

E se parece ser um fator central a promoção, aceitação e articulação de saberes, a literatura também aponta para a importância da consideração de que as diferentes profissões são orientadas por bases epistemológicas distintas (Alvarez, 2004; Wisner, 1996), pelo que a formação académica poderá ganhar em ser analisada com esta perspetiva.