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Debruçamo-nos aqui sobre a dimensão coletiva e social dos processos de conceção (Bucciarelli, 1998, cit in Daniellou, 1996b), conduzindo uma leitura ancorada na vertente participativa da abordagem teórico-metodológica na qual nos situamos (Guélaud, Beauchesne, Gautrat & Roustang, 1975; Lacomblez, Santos & Vasconcelos, 1999). Esta abordagem considera, obviamente, os trabalhadores envolvidos no processo como sujeitos-agentes que constroem processos em inter-relação (Bifano, 2007), orientados por regulações individuais, coletivas, hierárquicas, inter-serviços e estruturais (Faverge, Olivier, Delahaut, Stephaneck & Falmagne, 1966).

Haines et al. (1998, cit in Fadier & De la Garza, 2006), define a conceção participativa como “o envolvimento de pessoas no planeamento e controle de um número significativo das suas atividades de trabalho, estas pessoas possuindo capacidade e conhecimento suficientes para exercer influência tanto nos processos como nos resultados, para atingir os objetivos pretendidos” (p. 66, tradução livre). Tanto a dinâmica de colaboração em si como as atividades a realizar, são os resultados possíveis dos processos de ação e de decisões dos sujeitos entre si, e destes em relação às disponibilidades de recursos técnicos e humanos que delimitam os seus campos de ação e decisão. A cooperação refere-se, assim, à coerência das atividades individuais dirigidas a um objetivo comum, visando a integração das produções individuais desde o início da conceção (Rabardel, 1995).

No entanto, como já foi discutido anteriormente, há o risco de os objetivos não serem comuns, em parte porque a representação da situação/do objetivo pode diferir. Num quadro participativo, cada membro contribui para a situação coletiva na medida da representação que cada um tem dos objetivos do grupo, assim como dos papéis e

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modos de intervenção que são esperados. Particularmente na dinâmica de um processo de conceção, as representações podem ser muito heterogéneas, envolvendo dimensões funcionais, mas também estruturais e físicas. Ora, há então uma necessidade de procurar soluções de compromisso, de negociar, de encontrar o conjunto de critérios subjacentes e a sua importância relativa (Falzon, 2007).

Daniellou (1992) reforça a questão da existência de diversas racionalidades e critérios, que coexistem e orientam a ação: “A ação para a transformação das situações de trabalho não pode escapar à consideração desta complexidade” (Daniellou, 1992, p. 2, tradução livre). Schön (1983, cit in Daniellou, 1996a) referiu igualmente que é necessário atentar a vários tipos de informação e representações que estão a todo o momento em jogo na equipa de conceção e que vão contribuir para as diferentes tomadas de posição, analisando por isso:

a) a maneira como os profissionais vão construir os termos do problema a partir de uma realidade que é um todo complexo;

b) os processos de acumulação de exemplos que estruturarão o raciocínio numa situação nova (o “repertório”);

c) as teorias espontâneas e os paradigmas implícitos que guiam a abordagem dos profissionais;

d) os processos de tomada de decisão na ação.

Segundo Garrigou (1992, cit in Daniellou, 1992), as análises revelam-se predominantemente “espontâneas” no início da intervenção, influenciadas nomeadamente pelo passado profissional. E Daniellou (2005b) completa, referindo que é através da análise da atividade real que são trazidas à luz as representações dos vários atores e também a sua possível discrepância e até incompatibilidade. Seria então essencial “(…) construir uma situação de interação tal que as representações construídas pelos diferentes participantes (…) permitam uma ação eficaz de uns e de outros sobre a definição do projeto” (Daniellou & Garrigou, cit in Daniellou, 1992, p. 25, tradução livre).

Um dos objetivos principais será, assim, promover a tomada de consciência do ponto de vista do outro e a importância relativa dos problemas enunciados por uns no conjunto dos problemas – pois em diferentes momentos do projeto, e ainda que possa haver um objetivo global, é muito possível que cada um acabe por perseguir objetivos

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secundários diferentes (Léchevin, Le Joliff & Lanöe, 1994, cit in Clot, 1995). As várias decisões são geralmente realizadas de modo gradual, tomadas entre vários atores da equipa de conceção, em que é frequente cada um possuir apenas uma visão parcial do sistema, num dado momento (Fadier et al., 2003, cit in De la Garza & Fadier, 2005). O processo de articulação, de integração, de trabalho em comum, exige que os seus atores partilhem conscientemente uma tarefa comum, numa relação de dependência mútua (Rabardel, 1995). Julgamos ser aqui que se centra a mais-valia essencial para os projetos de conceção, como iremos continuar a advogar no seguimento de de Terssac (1993) quando lembrou que a análise do trabalho “comporta um modelo de decisão e obriga a explicitar os processos de decisão; ela ajuda as partes em presença a colocarem-se de acordo sobre uma visão do trabalho e sobre um plano de ação elaborado em comum” (p. 185, tradução livre), cooperando face a uma situação particular e com um objetivo específico (Léchevin, Le Joliff & Lanöe, 1994, cit in Clot, 1995).

Não se trata aqui unicamente de integrar a informação de vários tipos de experts, embora, evidentemente, seja necessário confrontar as competências e negociar entre as diferentes lógicas (Thomas & Benoit, 2007). O objetivo a procurar, será, também, o de encontrar condições favoráveis para a realização de um trabalho prévio de cooperação, de convergência de contribuições e que permita que não só se conjuguem as qualidades, mas também que se compensem as falhas (Dejours, 2005). Mas a tarefa é difícil: para além das descontinuidades de lógicas que já aqui referimos, podemos também ter incompreensão entre as abordagens das diferentes disciplinas científicas convocadas (Dejean & Le Chapellier, 2008). Os projetos de conceção são constituídos por atores que manipulam conceitos dos quais “os outros” raramente têm conhecimento (Martin & Baradat, 2001), e nem sempre é fácil promover uma confrontação positiva entre os saberes de uns e de outros (Daniellou, 1992).

Por outro lado, muitas vezes as contribuições e modalidades de ação de cada um não são explicitamente definidas desde o início e nenhuma distribuição do trabalho é proposta (Dejean & Le Chapellier, 2008), o que não ajuda a clarificar o que é esperado de cada um.

Também o modo como se agilizará a dinâmica de comunicação no seio do coletivo parece ser essencial para o sucesso da atividade de conceção. Como iremos ter oportunidade de explorar num dos estudos de caso apresentados, uma departamentalização funcional distinguindo vários membros da equipa de conceção

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pode acabar por criar obstáculos na compreensão interindividual/interdepartamental, pelas discrepâncias entre as normas de funcionamento interno (Faverge et al., 1966). Concordamos com o que diz Vasconcelos (2005): o risco é haver um “défice de cooperação”, ou de “encontro” entre os diferentes atores, o que poderá ser prejudicial à eficácia dos processos de conceção.

A propósito de encontros e desencontros, Thomas e Benoit (2007) dedicaram parte dos seus estudos à perceção do “usage” (uso), remetendo para representações muitas vezes assíncronas entre os atores, embora se centrem em torno do mesmo: o utilizador. Exemplificando com o quadro que se segue, os autores dispõem as informações que, entre os atores, não se situam ao mesmo nível da escala – sendo parciais e revelando problemas locais em relação ao conjunto de representações do grupo.

Engenheiro Operador Arquiteto

Uso possível 1

Uso possível 2

Uso possível 3

Uso possível 4

Tabela 1 – Escala de usos. Fonte: adaptado de Thomas & Benoit, 2007.

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Já Dejours (2005) referia um “julgamento de utilidade” diferenciado (p. 54), referindo-se a quando cada profissional, integrado numa equipa de conceção, possui um ponto de vista, numa visão fragmentada, frequentemente agudizada por interesses concorrenciais entre profissões – dinâmica que, muitas vezes, acaba por ser subjacente à convicção da prevalência de uma visão do uso sobre as outras (Thomas & Benoit, 2007).

Dos quatro tipos de ação coletiva referidos por De la Garza (1999) - coordenação, cooperação, colaboração, concertação -, os trabalhos que já analisamos, reenviam sobretudo à coordenação: caraterizando-se especialmente por uma distribuição dos conhecimentos e competências, assim como do trabalho a realizar com tomadas de decisão repartidas, com unidades de trabalho específicas. No entanto, não convém negligenciar a questão da concertação/negociação, relacionada com o confronto de perspetivas, ajustes e contínuas renegociações, regulando a atividade de cada um e contribuindo para a fiabilidade do sistema, através da gestão de compromissos (de Tersac et al., 1994, cit in De la Garza, 1999). Na verdade, esta questão vai ao encontro de um dos pontos centrais da nossa análise, que acabou por debruçar- se sobre a importância da cooperação entre ergónomos e engenheiros para uma melhor eficácia do projeto de conceção no que diz respeito à consideração das preocupações do trabalho humano, gestão do risco e saúde dos trabalhadores.

Mas fica ainda outra discussão possível: será que os processos deverão caminhar no sentido de “organizar a polifonia para inscrever a diversidade de posições num mesmo foco ou trata-se de configurar saberes e procedimentos e caminhar na direção de um mundo policêntrico?” (Béguin & Duarte, 2008, p.13).