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Algumas resenhas necessárias

CLASSES DE UNIDADES NARRATIVAS

3.3 Algumas resenhas necessárias

No campo dos estudos da análise da narrativa, inscrevem-se os trabalhos de Barthes (1971, 2008), que didatizam uma classificação que tenta ser aplicável às narrativas de forma bem geral, um clássico que trata do assunto e obra da qual selecionamos as categorias de análise que foram aplicadas ao nosso corpus, e trabalhos mais recentes como Tavares (2007), com a aplicabilidade da estrutura narrativa a gêneros como o banco de dados e o documentário; Martins (2008), que analisa a narrativa do romance contemporâneo de Wilson Bueno; e Freitas (2010) em sua investigação acerca de narrativas de viajantes da era do descobrimento do Brasil.

Tavares (2007) traz uma proposta muito interessante para o tratamento da narrativa na atualidade. Em sua pesquisa que propõe a criação de um documentário interativo, a autora inicia realizando um apanhado histórico sobre os estudos narrativos propostos até então. Seu objeto de análise consistiu no estudo da narrativa de duas obras diferentes: a primeira delas foi um documentário que, segundo a autora, foi montado segundo a narrativa cinematográfica clássica. Já a segunda, um documentário em hipermídia, obedecia ao modelo do banco de dados enquanto gênero. Tavares (2007) buscava identificar as especificidades de cada tipo de narrativa, com vistas à adequação a um determinado tipo de mídia. Para o estudo clássico da narrativa, a autora cita os estudos de Aristóteles, Barthes e sua Aventura semiológica e O discurso da narrativa proposto por Genette (1970). Vale salientar que, em ambos os casos, os autores citados trabalham com a narrativa que tem como suporte o texto escrito. Ainda assim, essa mudança de suporte não inviabilizou a pesquisa que a estudiosa buscou empreender.

Martins (2008), por sua vez, analisou a recriação de um romance do escritor Wilson Bueno. Sua análise estava focada nas tendências contemporâneas que vêm sendo incorporadas pelas narrativas, causadas pela pós-modernidade, com ênfase na narrativa literária. A autora

apresenta características que vêm compondo a narrativa contemporânea, como o uso da metalinguagem e a fragmentação textual. A pesquisa ressalta a novidade das construções realizadas por Bueno em Amar-te a ti nem sei se com carícias como um claro exemplo das mudanças ocorridas na estrutura narrativa proposta desde Aristóteles até antes dos movimentos modernistas.

Tanto Tavares (2007) como Martins (2008) estudam a narrativa a partir dos rompimentos que vêm acontecendo atualmente. É uma visão da narrativa na qual se permite a inversão da ordem aristotélica, a participação do leitor no rumo que essa narrativa vai tomar, a conexão com outros tipos de discursos e suportes, dentre outros. Seria, portanto, nesse momento que se apresenta a revolução na maneira de o homem organizar a narrativa? Esses dois trabalhos serviram-nos para a conceituação do estado da arte da narrativa moderna.

Assim como o que é proposto em nosso trabalho, Freitas (2010) estudou os textos escritos por viajantes trabalhando com a mesma noção de narrativa: um texto que conta uma história e que apresenta início, meio e fim. A autora, que tomou como corpus os textos escritos por viajantes que estiveram no Brasil entre os séculos XVI a XIX, buscando verificar a constituição da categoria da autoria nessas narrativas, utilizou parâmetros da análise do discurso, além do diagrama proposto por Cardoso e Maia-Vasconcelos (2009) para um entendimento mais amplo de textos autobiográficos. A relevância desse trabalho consistiu no conceito de narrativa como autoria circunstancial adotado pela autora e suas considerações sobre tal conceito.

Os estudos sobre autobiografia utilizados como embasamento teórico serão o de Nóvoa (1998), Dominicé (2006), Pineau (2006) Josso (2007), Passeggi (2008) e Bertaux (2010), por serem esses os teóricos que mais vêm tratando do assunto nos últimos anos, a fim de definir procedimentos teórico–metodológicos adequados e aplicáveis.

Pineau (2006) relata uma dificuldade já apresentada por nós: a definição de uma nomenclatura para o que ele chama de "tentativas de expressão". O autor considera que a força que o movimento biográfico adquiriu na atualidade é consequência da efervescência de sentidos que hoje são atribuídos à nossa trajetória, seja ela pessoal ou profissional, pública ou privada. Desse modo, cada ser humano é levado a lidar individualmente com cada uma dessas questões que são impostas e a repensar como se dá o impacto no todo.

Josso (2007) centra sua pesquisa na formação de professores, atribuindo à ação de narrar a própria vida um ato de refletir sobre essa formação, momento que a autora considera fundamental para um trabalho satisfatório de educação continuada. Seria uma situação que proporcionaria ao educador a percepção da identidade que forjou para si mesmo em seus anos

de atuação no magistério. A proposta é refletir sobre o percurso trilhado e, a partir daí, buscar soluções, propor mudanças de postura, elaborar projetos de vida. Seu trabalho busca uma interpretação dessas histórias de vida para trabalhar questões de identidade.

A coletânea de artigos organizada por Passeggi (2008) traz tendências de pesquisas de abordagem autobiográficas à tona, a partir dos mais diversos campos de estudos, com ênfase em frentes de estudo como as práticas formativas da narrativa pessoal, já amplamente debatido na Educação, e as práticas de intervenção baseadas em experiências de imigração, territórios ainda pouco explorados. É possível perceber o processo de biografização acontecendo e sendo registrado por outros domínios da ciência, como a Psicologia, figurando como salutar para a compreensão do indivíduo pós-moderno.

Bertaux (2010) apresenta uma proposta a ser aplicada em relatos orais. Estudioso de longa data sobre essa temática, o autor acredita que

a oferta de proposta de ação pelas diversas escolas teóricas é abundante. O diferencial das narrativas de vida é que elas nos dão a possibilidade de estudar não só o produto - a ação em si -, mas o processo, o percurso de ação situada. (p. 11).

Na busca por uma orientação precisa para sua pesquisa, o autor trabalhou seu corpus a partir da perspectiva etnossociológica, que estuda um fragmento particular da realidade sócio- histórica de modo objetivista, ou seja, com foco em uma atividade específica desenvolvida em um mundo social por um conjunto de pessoas que se encontram em uma determinada situação social. Ele passa a considerar a existência de uma narrativa de vida quando há uma descrição de um fragmento de experiência de vida sob forma narrativa.

O autor elenca diversas áreas da vida que podem permear a narração dos acontecimentos vividos pelo sujeito: as relações familiares e interpessoais, a experiência da escola, a inserção profissional, o emprego e descreve uma possível articulação desses domínios de existência. Depois de apresentar também funções das narrativas de vida, Bertaux sugere uma metodologia que visa a orientar a coleta e o tratamento de dados autobiográficos orais.

Para fins comparativos, serão utilizados variados trabalhos de orientação autobiográfica. Apesar das abordagens e dos propósitos serem bastante diversos, estudos como o de Signorini (2005) e Eckert-hoff (2008) nos permitem avaliar como as pesquisas acerca da autobiografia vêm sendo desenvolvidas, no que diz respeito à utilização e aplicação da teoria nas ferramentas destas pesquisas.

Signorini (2005) utilizou relatos autobiográficos orais e escritos produzidos por professores de ensino fundamental e médio. O objetivo de sua pesquisa foi perceber as

ressignificações que eram realizadas por uma professora em específico, no momento em que a autora do relato narrava acontecimentos ocorridos durante seu processo de escolarização/formação. Como o relato foi colhido por meio de entrevista, a autora compreende esse momento como um evento interacional, realizado em uma situação colaborativa, situada e dinâmica. Essas práticas formadoras seriam reconstruídas no momento em que o relato é doado ao entrevistador. Seria, então, uma possibilidade de sistematizar os saberes heterogêneos que são adquiridos ao longo da formação, e refletir sobre eles e seu impacto no ser profissional em que o sujeito se transformou.

Eckert-hoff (2006) busca compreender esse lugar social em que o sujeito professor se inscreve ao falar de si mesmo. O momento da narração é quando acontece o jogo de construção desse relato de si: o sujeito que narra se esconde e se mostra, exibe suas falhas ao mesmo tempo que tenta escondê-las.

A autora aponta que os trabalhos iniciais com histórias de vida na Educação já buscavam elucidar a imagem que o professor faz de si mesmo, apontando as dificuldades da profissão para tentar resolver esses problemas em grupos de autoaprendizagem. É nas histórias de vida que a formação acontece. Porém, ao narrar sua história, o indivíduo coloca- se não como é, pois há as lacunas causadas pelas falhas da memória e também a tentativa de esconder defeitos e fatos vergonhosos a seu ver; no decorrer dessa narrativa, o sujeito oscila sobre si mesmo.

4 Em busca de um método

A pesquisa ora proposta, a análise da organização narrativa dos récits de vie, é um trabalho de intervenção exploratória e documental, de abordagem qualitativa. Qualifica-se como exploratória pela pouca exploração tanto do tema – autobiográfico - como de uma parte do material empírico – os récits de vie - no campo da Linguística. Assim, foi necessário que passássemos por todo um processo de testagem e sondagem para que pudéssemos construir uma técnica com vistas à construção das hipóteses.

A pesquisa ora apresentada também se caracteriza como documental dado o material de análise ser constituído por documentos nunca antes analisados, no caso dos récits de vie. Pelo tratamento dos dados, consideramos essa análise qualitativa, dado ser caráter descritivo e a fundamental intervenção do pesquisador no momento de análise.

Considerando os procedimentos técnicos utilizados para levantamento dos dados, caracterizamos nosso estudo como uma pesquisa de campo. Lakatos (2009) define esse tipo de pesquisa como sendo aquela que envolve uma observação direta por meio, dentre outros, do preenchimento de formulários ou questionários.

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