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Até aqui, buscou-se problematizar as teorias que não reconhe- cem a especificidade histórica, ou trabalham com a história como um laboratório de testes de formulações atemporais. Essas teorias,

27 Utilizam fontes “estruturalmente numéricas” ou “fontes não estruturalmente numéricas, mas que o historiador trata de utilizar de modo quantitativo, mediante um procedimento duplamente substitutivo; é necessário que ele lhes atribua uma significação unívoca, relativamente à questão colocada, mas, também que possa organizá-la em série, quer dizer, em unidades cronológicas comparáveis, à custa de um trabalho de padronização” (Cardoso & Brignoli, 1983, p.34-5).

28 Sobre a História Serial, Linhares (2001, p.17) ressalta que tal método “pro- curava discernir o social, sem perder o contexto histórico em que se desenrola a análise, e utilizar o arsenal da quantificação, mas atenta ao que é particu- lar, sem se descartar dos aspectos qualitativos, particulares, da sociedade em estudo, sabendo-se não ser possível matematizar o que não é matematizável”.

tão comuns no mainstream de relações internacionais, economia e sociologia, não são tão eficientes na compreensão de especificidade, desigualdade e contextualidade, entre outras questões. Percebeu- -se também que alguns métodos advindos dos historiadores, por desconsiderarem as teorias, são igualmente ineficientes. Feito isso, discorreu-se muito brevemente sobre algumas tentativas de apro- ximação entre teoria e história, versando sobre métodos que busca- vam sanar esse problema. Os autores da escola alemã antiga foram os precursores desse tipo de análise que perdura até nossos dias, embora em alguns momentos esses trabalhos possam ter sido igno- rados por não pertencerem ao mainstream.

Todos esses esforços, contudo, ainda deixam algumas outras questões em aberto. Reconhecer apenas a especificidade histórica e a importância dos instrumentos teóricos não é suficiente para a construção de um método. Enquanto alguns priorizam as análises estruturais, outros fazem o mesmo com as análises conjunturais ou factuais. Enquanto alguns trabalham com períodos longos, outros trabalham com períodos curtos. Enquanto para alguns as institui- ções são difíceis de mudar, outros entendem as instituições como objeto em constante movimento. Enquanto alguns ignoram os gru- pos domésticos ou o indivíduo, outros constroem análises inteiras baseados nessas unidades de análise. Enquanto uns explicam bem a continuidade, outros explicam bem a mudança. Enquanto alguns atribuem um caráter determinista para a história, outros imputam aos atores poder de agentes. Existe, portanto, um abismo enorme, por exemplo, entre o materialismo histórico de Marx e a lógica da situação de Popper.

Dentro dos limites deste trabalho, o foco recairá agora em duas dessas questões: a estrutura, como análise do longo prazo, e a dinâ- mica, como análise do curto prazo. O termo “estrutura” é extrema- mente amplo: tem impacto em diversos campos das Ciências Hu- manas, como na sociologia, na história, na economia e nas relações internacionais. Neste último campo de estudo, Waltz ganha desta- que, pois sua definição extremada tem como principal característica a reclusão dos agentes. Para Waltz (2002, p.79), estrutura “é o amplo

sistema componente que torna possível pensar em um sistema como um todo”; portanto, as unidades perdem importância nas análises explicativas.29 O autor também afirma que “o conceito de estrutura

é baseado no fato de que as unidades diferentemente justapostas e combinadas comportam-se diferentemente e em interação produ- zem resultados diferentes” (ibidem, p.81). Tal definição nos remete à noção de holismo de Popper (1980, p.17), quando ele afirma que “o grupo social é mais que a mera soma de seus elementos e é também mais do que a simples soma das relações puramente pessoais que, em dado momento, existem entre quaisquer de seus elementos”.30

para alguns historiadores, como François Dosse (1992, p.231), dá-se ênfase ao determinismo, como prioridade do status quo.31 Quando

se fala em estrutura, “o tempo imutável é assim privilegiado para destacar a estrutura inconsciente de cada instituição”.32

29 “Abstrair atributos das unidades significa deixar de lado questões sobre tipos de líderes políticos, instituições econômicas e sociais e acordos ideológicos que os Estados podem ter” (Waltz, 2002, p.80). Algumas páginas depois o autor afirma que “as três partes definidoras de estruturas incluem somente o que é requerido para mostrar como as unidades de um sistema são posicionadas ou arrumadas. Todo o resto é omitido. Preocupações com a tradição e a cultura, análises das características e personalidade dos atores, considerações de con- flitos e acomodações de processos políticos, descrição de formulação e exe- cução de políticas — tudo isso é deixado de lado. A omissão não implica sua falta de importância. Isso é omitido porque nós queremos descobrir os efeitos esperados da estrutura sobre os processos e dos processos sobre a estrutura. O que pode ser feito somente se a estrutura e os processos forem distintamente definidos” (ibidem, p.82).

30 “As personalidades dos membros exercem profunda influência sobre a his- tória e a estrutura do grupo, mas esse fato não impede o grupo de ter história e estrutura próprias, nem impede o grupo de influenciar poderosamente as personalidades de seus membros” (Popper, 1980, p.17).

31 “O estruturalismo é a ideologia do equilíbrio [...] é a ideologia do status quo” (Dosse, 1992, p.232).

32 A esse respeito, o autor diz que “uma série de regras combinatórias são empre- gadas como meio de inteligibilidade do real: a exclusão, a inversão de sinais, a pertinência, que permitem ao sistema instalado a autorregulação pela reab- sorção daquilo que se apresenta como novo ou contraditório, conforme as operações lógicas e internas. Então, a mudança, a ruptura não são mais signifi- cativas” (Dosse, 1992, p.231).

Como podemos notar, o termo possui múltiplas dimensões. Neste livro, estrutura será entendida apenas como “análise do longo prazo”, reconhecendo, entretanto, as limitações de tal signifi- cado.33 Tal definição nos aproxima de Duroselle (2002, p.357), pois

para ele estrutura “é uma das fases de evolução lenta que o mundo conheceu historicamente”. Bouvier34 e François Dosse35 parecem

concordar. Dinâmica é o extremo oposto, mais próxima da noção de movimento, muda com mais facilidade dentro de um período geralmente curto.

Desde os Analles de Lucien Febvre e Marc Bloch, e depois em sua segunda geração, com Braudel, dá-se destaque para a lenti- dão da duração.36 Segundo Burke (1980, p.22), essa escola buscava

“uma história que incluísse todas as actividades humanas e estives- se menos ligada à narrativa de acontecimentos e mais ligada à aná- lise de ‘estruturas’”. Nas palavras do próprio Braudel (1990, p.14), para nós, historiadores, uma estrutura é, indubitavelmente, um agrupamento, uma arquitectura; mais ainda, uma realidade que o tempo demora imenso a desgastar e a transportar. Certas estruturas são dotadas de uma vida tão longa que se convertem em elemen- tos estáveis de uma infinidade de gerações: obstruem a história, entorpecem-na e, portanto, determinam o seu decorrer. Outras, pelo contrário, desintegram-se mais rapidamente. Mas todas elas

33 Para saber mais sobre as diversas formas que este conceito tem sido utilizado, ver François Dosse (1994).

34 “As estruturas referem-se ao mesmo tempo às permanências econômicas, ou, mais exatamente, àquilo que muda com lentidão, e às proporções entre fenô- menos econômicos” (Bouvier, 1976, p.143-4).

35 “O tempo das estruturas não tem o mesmo ritmo que o tempo da história na escala humana, ele pertence à longa duração”. A regularidade ganha, portanto, mais destaque (Dosse, 1992, p.233).

36 “Um dos incidentes essenciais dessa orientação do discurso dos Annales para o econômico, para a vida material e para a geografia, é a lentidão da duração. O tempo breve dos regimes e dos reinos foi substituído pelo tempo longo. O historiador tende a privilegiar aquilo que dura, aquilo que se repete para poder estabelecer os ciclos longos, as tendências seculares” (Dosse, 1992, p.82).

constituem, ao mesmo tempo, apoios e obstáculos, apresentam- -se como limites (envolventes, no sentido matemático) dos quais o homem e as suas experiências não se podem emancipar.

No outro extremo, existe a história do curto prazo. Essa é muito mais dinâmica, entende a mudança com mais facilidade. Para Brau- del (ibidem, p.10), esse tipo de temporalidade é explosivo: “faz tanto fumo que enche a consciência dos contemporâneos; mas dura um momento apenas, apenas se vê a sua chama”. O tempo breve, o tempo do dia-a-dia, dos indivíduos, do cotidiano, das paixões, é o tempo, segundo Braudel (ibidem), “das nossas rápidas tomadas de consciência; o tempo, por excelência, do cronista, do jornalista”, afirma. Nesse nível temporal, o passado é a conjunção de infinitos pequenos fatos como esses.37

Popper reconhece a diferença entre esses dois tempos históricos. O primeiro, de longo prazo, é mais difícil de ser controlado. Falan- do sobre previsão, esse autor denomina esse tipo de temporalidade como “profecia”, ou seja, o que se extrai desse nível é algo determi- nado e não importa o que os homens façam, não deixará de ser. O segundo tipo, acontecimentos de curto prazo, recebem característi- cas diferentes. No campo da previsão, esse tipo é denominado “tec- nológico”, mais no nível do curto prazo e mais próximo do alcance da ação humana. Portanto, previsões nesse nível tornam-se mais difíceis. A esse respeito Popper (1980, p.32) afirma que, dentro das teses defendidas pelos historiadores naturalistas, as “previsões a curto prazo, em ciência social, são afetadas por grandes falhas. A falta de exatidão as atinge consideravelmente, pois, em razão de sua própria natureza, só podem referir-se a minúcias, a traços menores da vida social, de vez que são restritas a breves períodos”.

37 É importante destacar que este autor tem uma visão crítica sobre a concen- tração de esforços analíticos neste nível temporal, chamando estes aconteci- mentos por vezes de “medíocres”. Para ele, “A Ciência Social tem horror ao acontecimento. Não sem razão: o tempo breve é a mais caprichosa, a mais enganadora das durações” (Braudel, 1990, p.11).

Quadro 1 – Dois tipos ideais de métodos que trabalham com a especificidade histórica

Métodos estruturais Métodos dinâmicos

– Reconhecimento da especificidade histórica

– Ênfase nas análises estruturais – O ciclo temporal geralmente é longo

(longo prazo)

– As instituições são mais estáticas, difíceis de mudar

– Os indivíduos ou grupos de pressão ganham menos destaque

– Melhor explicação da continuidade (status quo)

– Reconhecimento da especificidade histórica

– Ênfase nas análises conjunturais ou factuais

– A temporalidade geralmente é de curto (médio ou curto prazo) – As instituições mudam com mais

facilidade

– Os indivíduos ou grupos ganham mais destaque

– Melhor explicação da mudança

O grande desafio parece ser a conjunção desses dois movimen- tos históricos: o de longa e o de curta duração ou, dentro da ter- minologia empregada neste livro, estrutura e dinâmica. Os ins- titucionalistas deparam com uma grande dificuldade de entrosar esses dois movimentos. Esse problema remete a outro, já bastan- te conhecido e debatido nas relações internacionais: o problema estrutura-agente,38 como já se referiu no capítulo precedente. Em

suma, o Institucionalismo Histórico, embora teoricamente nos tenha aproximado de uma solução para esse problema, metodolo- gicamente não propôs algo minimamente coerente. Para fins didá- ticos, o quadro 1 faz duas tipificações ideais dentro das escolas que trabalham com a conjunção entre teoria e história. Vale, contudo, fazer a ressalva padrão de todo processo de tipificação: a maioria dos autores não pode ser classificada integralmente em um desses

38 Wendt (1987, p.337-8) assim define esse problema: “o problema agente- -estrutura tem suas origens em dois truísmos sobre a vida social que estão na base da maioria das investigação científica sociais: 1) os seres humanos e suas organizações são atores cujas ações têm o propósito de ajudar a reproduzir ou transformar a sociedade em que vivem, e 2) a sociedade é composta de rela- ções sociais, que estruturam as interações entre esses atores propositais. Em conjunto, estes truísmos sugerem que agentes humanos e as estruturas sociais são, de uma forma ou de outra, teoricamente interdependentes ou entidades de mútua implicação” (ibidem).

grupos. Essa tipificação não tem, contudo, a função de rotular au- tores, mas agrupar ideias para facilitar a busca por um método para as análises de mudança institucional.