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2 PERCURSO METODOLÓGICO

2.3 ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A PESQUISA COM

Não quero lhe falar meu grande amor das coisas que aprendi nos discos Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo, viver é melhor que sonhar e eu sei que o amor é uma coisa boa, mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa [...]. (Belchior. Como nossos pais).

A possibilidade de descobrir outros olhares e de conhecer como diferentes realidades são narradas e vividas, sempre me instigou. Contar histórias, de jovens, neste caso, é, em certa medida, desafiador, mas também importante no sentido de permitir que suas vozes sejam ouvidas, vozes essas, muitas vezes silenciadas e invisibilizadas no meio de tantas estatísticas que permeiam a vida dos jovens, como desemprego e violência, entre tantas outras. Contar suas traje(his)tórias foi um exercício de falar/escutar e fazer-se ouvir.

Desde os tempos remotos da história humana, homens e mulheres têm a necessidade de contar o vivido e conservar lembranças dos acontecimentos das suas vidas por meio de recitais míticos, narrativas, danças, pinturas, rituais etc. Essas formas simbólicas perpetuam memórias que, traduzidas em palavras, transmitem as experiências vividas. Por meio delas se pode acessar os momentos passados que permanecem, mesmo sem que deles se tome consciência como sendo motivos para o comportamento presente (Bosi, 2003).

Segundo Bosi (2003), a história como uma sucessão unilinear de diferentes acontecimentos, lutas de classes e tomadas de poder, como se aprende na escola, afasta, como se fossem de menor importância, os aspectos cotidianos, os microcomportamentos que são fundamentais para a psicologia social. A história liga-se apenas às continuidades temporais, às evoluções e às relações entre as coisas, já a memória, ela se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem e no objeto. Assim, a história dos velhos, negros, mulheres, trabalhadores manuais, jovens, camadas excluídas da história, ensinada nas escolas, tomam a

palavra, pois essa história que se aprende na escola não dá conta das vidas que se escondem atrás de episódios e acontecimentos (Bosi, 2003).

Nesta pesquisa, a história oral foi utilizada como um caminho para maior aproximação e aprofundamento do campo de estudo. Segundo Queiroz (1987, p. 275), relato oral, também chamado de história oral, é uma expressão ampla “que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou que, cuja documentação se quer completar”. A história oral pode ser colhida por meio de entrevistas e registra a experiência de um indivíduo ou de uma coletividade; tudo o que se narra oralmente é história, podendo ser a história de alguém ou de um grupo, podendo ser real ou mítica.

A história oral pode ser entendida como um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica, […] que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo. Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos etc. (Alberti, 1989, p. 52).

Neste sentido, para Portelli (1997), as fontes orais contam-nos não apenas sobre o que o povo fez, mas também sobre o que gostaria, acreditava e pensava fazer. A narrativa revela a estreita relação do narrador com sua história, buscando sentido no passado para dar forma às suas vidas dentro de um contexto histórico, sendo resultado de um projeto mútuo entre entrevistador e entrevistado.

A primeira coisa que torna a história oral diferente, portanto, é aquela que nos conta menos sobre eventos que sobre significados. Isso não implica que a história oral não tenha validade factual. Entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de eventos conhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da vida diária das classes não hegemônicas (Portelli, 1997, p. 31).

Para Matos e Senna (2011), a história oral, como método, reconhece que as trajetórias dos indivíduos e dos grupos merecem ser ouvidas, bem como devem ser conhecidas e respeitadas as especificidades de cada sociedade.

O trabalho com história oral exige do pesquisador um elevado respeito pelo outro, por suas opiniões, atitudes e posições, por sua visão de mundo, enfim. É essa visão de mundo que norteia seu depoimento e que imprime significados, aos fatos e acontecimentos narrados. (Alberti, 2013, p. 33). Antes de prosseguir, destaco que nesta dissertação a escolha da história oral como método foi se construindo ao longo do processo de pesquisa. Inicialmente pensei em trabalhar com histórias de vida, algo amplamente possível nesta investigação, pois a história de vida como método também pressupõe “uma produção de conhecimento a partir do discurso do sujeito, sobre sua situação concreta de vida e reconhecendo ao saber individual um valor sociológico” (Barros & Silva, 2008, p. 136). No entanto, ao longo do caminho, aprofundando algumas leituras, deparei-me a história oral e com o oralista italiano Alessandro Portelli e a historiadora brasileira Verena Alberti, entre outros, o que me permitiu compreender que, muito embora com diferenças em seus pressupostos teóricos, técnicos e metodológicos, os limites entre história oral e de vida são imprecisos, uma vez que ambas privilegiam o vínculo entre entrevistador e entrevistado, assim como também fazem a ponte entre o individual e o social, e trabalham com a produção dos sentidos atribuídos pelos sujeitos sobre suas narrativas. Desta forma, optei por utilizar a história oral neste estudo, compreendendo ser possível fazer uma pesquisa e utilizando-a como método a partir dos meus objetivos de pesquisa.

O escopo teórico que envolve as pesquisas com história oral é muito amplo e permite o uso de várias técnicas, sendo muitas as variações na forma de aplicá-la. Diferentes correntes epistemológicas têm se apropriado dessas variações para trabalhar com histórias orais de acordo com distintos referenciais teóricos. Nesta pesquisa, optei por trabalhar com histórias/relatos orais com foco na dimensão laboral dos jovens participantes do estudo. O relato oral buscou, assim, inscrever e narrar as trajetórias de trabalho dos jovens e de seus familiares, e fazer projeções laborais, apreendendo também as fugas e formas de singularização marcadas por condições sociais e históricas.

A história oral oferece menos uma grade de experiências-padrão do que um horizonte de possibilidades compartilhadas, reais ou imaginadas. O fato de que essas possibilidades raramente estejam organizadas em [...] padrões coerentes indica que cada pessoa entretém, a cada momento, múltiplos destinos possíveis, percebe diferentes possibilidades e faz escolhas diferentes de outras na mesma situação. Esta miríade de diferenças individuais [...] serve para lembrar que [...] o mundo real é mais semelhante a um mosaico ou patchwork de diferentes pedaços, que se tocam, superpõem e convergem, mas, igualmente acalentam uma irredutível individualidade. (Portelli, 1996, p. 88).

Esta miríade de possibilidades de que nos fala Portelli (1996), fez-se presente nas trajetórias narradas pelos jovens pesquisados. Esta multiplicidade de vivências, olhares e formas de ser e estar no mundo serão apresentadas nos capítulos de análise.