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Ser Egresso – Tentando novos recomeços

3 HISTÓRIAS NOSSAS HISTÓRIAS

3.2 A HISTÓRIA DE CECÍLIA

3.2.3 Ser Egresso – Tentando novos recomeços

Com a chave na mão/Quer abrir a porta/Não existe porta. (Carlos Drummond de Andrade, José).

O mundo do trabalho contemporâneo caracteriza-se fundamentalmente pelo desemprego estrutural, ampliação da desqualificação, precarização, part time, terceirização, informalidade, situações que geram insegurança e instabilidade. Assim, para Barros (2005), existem situações nas quais a possibilidade de constituição de uma identidade valorizada encontra-se bloqueada ou impedida de se efetivar e isso está associado às contradições geradas pelo mundo do trabalho na contemporaneidade.

Cecília tem vivido estas contradições em seu cotidiano, pois desde que saiu do programa jovem aprendiz, tem tentado uma nova inserção profissional, ainda sem sucesso. A mudança de Cecília para um lugar com menos oportunidades de trabalho foi significativa neste processo.

Assim, ela tem realizado pequenos trabalhos informais. Por morar próximo da praia, na temporada de verão ajuda nos restaurantes locais trabalhando como garçonete, também faz faxina e de vez em quando ajuda a mãe na pousada em que ela trabalha.“Porque era temporada e eles estavam precisando muito, aí fui lá dar uma ajudinha [...], mas nada com carteira assinada, com compromisso, só pra dar uma mãozinha mesmo, aí fui, mas até hoje não tive trabalho com carteira assinada. Semana passada minha mãe, como está trabalhando na pousada, a patroa dela falou: - A tua filha não podia vir como garçonete?, era só lavar prato, arrumar o salão pro café da manhã - Só assim né, aí eles me pagavam como freelancer, só sábado e domingo, agora esse sábado e domingo que vem eles querem que eu vá de novo, fazer o mesmo, ou montar salada, essas coisinhas assim, porque lá não é almoço, é só petisco e café da manhã [..] aí está assim, trabalho aqui, trabalho ali”, relata Cecília.

O que a história de Cecília nos conta é que os jovens buscam formas de burlar a inatividade enquanto esperam por um trabalho que corresponda às suas expectativas e qualificações, “trabalhar aqui e trabalhar ali”, para Cecília, é a forma encontrada no seu cotidiano para sobreviver dentro de uma realidade adversa. Segundo Sato (2013), há um mercado de trabalho que é invisível, e nele o mercado formal, mercado informal, emprego e desemprego convivem sem barreiras. Esses trabalhos são criados por pessoas que se vinculam a redes de relações interpessoais para dar conta de sua sobrevivência.

Coutinho, Borges, Graf & Silva (2013) ressaltam que a informalidade foi uma expressão cunhada no século XX, para designar trabalhos que eram distintos do emprego formal. No Brasil, historicamente, o emprego formal sempre conviveu com diferentes formas de trabalho. As autoras citam como exemplo a subcontratação, o trabalho por empreitada e o trabalho em domicílio.

Para Noronha (2003), a informalidade é interpretada do ponto de vista econômico formal x informal e do ponto de vista jurídico como legal x ilegal e há, ainda, a interpretação do ‘senso comum’, que considera um trabalho informal como sendo ‘justo’ ou ‘injusto’. O autor considera o uso do termo ‘trabalho atípico’ mais apropriado para expressar a informalidade, devido à grande pluralidade conceitual que o

abarca indo além da dicotomia emprego formal (com registro em carteira de trabalho) e informal (sem registro).

Embora Cecília faça ‘bicos’ para sobreviver, em diferentes momentos de seus relatos ela fala da importância de ter a carteira assinada e da frustração por não ter conseguido um emprego com registro formal: “ainda não tive trabalho de carteira assinada, como tive no banco”. Para Barros (2005), a carteira de trabalho assinada é sinônimo de emprego formal e se configura como um importante instrumento identitário. Ser trabalhador com carteira assinada, no senso comum, tem um significado social que confere ao trabalho um valor em si mesmo, como se apenas o fato de estar trabalhando criasse condições para uma vida digna.

Durante muito tempo funcionou (e marginalmente ainda funciona) como uma verdadeira carteira de identidade ou como comprovante para a garantia de crédito ao consumidor, prova de que o trabalhador esteve empregado em ‘boas empresas’, de que é ‘confiável’ ou capaz de permanecer por muitos anos no mesmo emprego. Hoje, seu significado popular é o compromisso moral do empregador de seguir a legislação do trabalho, embora, de fato, não haja garantia, pois os empregadores podem, na prática, desrespeitar parte da legislação e os que não assinam podem ser processados. De todo modo, a assinatura em carteira torna mais fácil ao empregado a comprovação da existência de vínculo empregatício. Enfim, popularmente no Brasil, ter ‘trabalho formal’ é ter a ‘carteira assinada’ (Noronha, 2003, p. 114).

Ao contrário dos outros jovens, Cecília não tinha fotos que contassem sua história pessoal e familiar de trabalho, sendo assim, ela tirou fotos que representassem sua vida e trabalho, ela tirou fotos da praia onde mora, do barco onde o sogro pescava, dos restaurantes onde trabalhou na temporada, do uniforme que usava para trabalhar e diz que gostaria de ter tirado uma foto dela no restaurante trabalhando, e que não tirou porque o restaurante estava fechado: “faltou eu ter tirado uma foto minha, sei lá, eu queria ter tirado uma foto minha no local de trabalho, entendesse, eu acho que isso faltou”. Quando solicitada a escolher uma foto como mais significativa, Cecília escolheu a foto do

seu uniforme e, olhando pare ele com certo tom de tristeza, relatou: “essa foto é do meu uniforme, que no caso, quando acabar tudo, eu vou ter que devolver ele”.

Figura 8 – Uniforme de Cecília

Fonte: arquivo pessoal da entrevistada.

Quando Cecília diz que quando acabasse tudo teria que devolver seu uniforme, ela referia-se ao final da temporada de verão, que se aproximava na época das entrevistas, assim que acabasse teria que devolvê-lo e recomeçar sua busca por trabalho, uma vez mais.