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3 HISTÓRIAS NOSSAS HISTÓRIAS

3.1 A HISTÓRIA DE MIGUEL

3.1.2 Experiência como Jovem Aprendiz

Para Miguel, a experiência como JA se tornou uma oportunidade para obter uma melhor inserção profissional com perspectivas de contratação e maiores ganhos financeiros no futuro. “Nos primeiros três meses eles não sabiam mais o que era viver sem o aprendiz lá do canto, dominei tudo naquela empresa, atendia ao telefone dobrado, tinha três telefones na minha mesa, foi uma fase que eu não vi o dia passar quando eu via já era meio dia, quando via já era sei horas, foquei bem no negócio, porque eu sabia que minha oportunidade era aquela, era minha única chance, vou mostrar o que eu sei fazer, porque meu amigo estava ganhando horrores lá no comercial e eu aqui como aprendiz, e eu queria estar lá, quero mostrar que eu sou bom nisso, porque eu quero estar lá também, sempre pensei nisso. No primeiro dia que eu entrei na empresa,

eu deixei bem claro isso para o gerente eu quero crescer, eu quero estar mais além, o foco é crescer é estar lá no comercial da empresa”.

Para Frigotto (2008, p. 525), a ideologia da empregabilidade, presente nas políticas de inserção dos trabalhadores, apaga a perspectiva do coletivo e realça a competição individual, onde cada indivíduo responde pelo seu próprio sucesso ou insucesso, a perspectiva de ter um emprego regulado por um contrato social, dilui-se na mera noção de empregabilidade. “A mensagem clara é que não há mais lugar para todos, mas apenas para aqueles que se adequarem ao conjunto de competências técnicas, científicas, culturais e afetivas que o mercado reconhece como desejáveis do ‘novo’ cidadão produtivo”.

A experiência de Miguel nos trabalhos anteriores, bem como a formação universitária, já lhe aferiam alguns saberes de como o mercado de trabalho funcionava, e ele introduziu em sua práxis, em sintonia com que Frigotto (2008) chamou de “novo cidadão produtivo”, a incorporação de uma gama de conhecimentos técnicos, culturais, científicos, entre outros. Miguel conta que: “Mesmo que o chefe não mandasse, tinha que chegar até a coisa antes de acontecer, sempre pensei nisso, se eu me der bem como aprendiz (maior-aprendiz) eu vou me dar bem em todo o resto, eu acordava cedo, focava no que tinha que fazer e eu trabalhava até as quatro, não sei se posso falar, mas eu trabalhava até as seis, mas por opção minha, eu sabia que precisava fazer. Às vezes não tinha muita coisa, mas eu ficava dando suporte, olhando, por opção minha”.A lógica do sucesso individual é reforçada em diferentes falas de Miguel, observa-se que sua trajetória como jovem aprendiz mostra algumas particularidades, pois ele já era um profissional com formação e experiências, o que poupou à empresa tempo de ensiná- lo e ele fazia o trabalho de um operador administrativo, no entanto, seu contrato e salário eram de aprendiz.

Miguel cumpriu seu contrato de dois anos como aprendiz, e deste período traz boas lembranças, sobretudo, em relação à turma de aprendizagem teórica com a qual se reunia uma vez por semana. Ele mostrou várias fotos de momentos de integração da turma em passeios e aulas: “Nesses dois anos que fiquei como aprendiz eu aprendi a ser uma pessoa mais sociável, a me relacionar com outras pessoas de uma forma melhor”.

Fonte: arquivo pessoal do entrevistado.

Miguel também trouxe fotos do trabalho, destacando uma que o mostrava dentro de uma caverna. Esta foto, segundo ele, foi tirada em uma viagem da empresa, sobre a qual ele diz que: “foi uma coisa emocionante, você entrar em um lugar que você não conhece, andar quatro ou cinco quilômetros com uma lanterninha, foi muito legal. Eu guardo até hoje, quando eu fecho os olhos eu penso em um lugar escuro e sinto aquele vento, daquele lugar estranho que você não conhece, dá um frio na barriga”.

Fonte: arquivo pessoal do entrevistado.

Como Jovem Aprendiz, Miguel construiu laços de amizade com seu gerente no banco. Este gerente o ajudou quando terminou seu contrato como jovem aprendiz. Na época o banco passava por uma situação difícil e não havia vaga disponível para contratá-lo. Miguel conta que: “Até que a empresa, em 2012, foi comprada metade pelo Banco do Brasil, aí veio mais burocracia [...] aí abriu uma vaga para o comercial, porque a filial ia ser fechada, não ia existir mais a parte física, o gerente ia ter um notebook pra lá e pra cá, aquela ali seria a filial dele, aí não precisava mais de pessoas lá dentro, ia extinguir, a sala era alugada e iam devolver a sala para cortar gastos, e nessa fase eu ia perder meu emprego, porque não tinha mais lugar pra mim”.

A situação que Miguel relata sobre o fechamento da filial física da empresa e os novos modos de produção onde agora “o gerente ia ter um notebook pra lá e pra cá”, nos conta muito sobre o processo de reestruturação produtiva e enxugamento empresarial que se acentuou no setor financeiro, sobretudo a partir da crise de 2008.

Para Rebêlo (2008), a crise de 2008 pode ser considerada como a maior desde a crise da bolsa de valores de Nova York de 1929. Diferentemente da crise de 1929, que teve como causas o excesso de produção agrícola e industrial, somado ao baixo salário, que gerou grande queda nos padrões de consumo, a crise de 2008 é a própria crise do modelo adotado pelo capitalismo neoliberal a partir dos anos 70, uma crise que teve como estopim a exagerada especulação nas ações da bolsa de valores e a desestruturação do sistema imobiliário norte americano e afetou toda a economia mundial.

Nesse contexto, Miguel relata que recebeu uma ajuda de seu ex- chefe para permanecer na empresa:“meu chefe [..] que era gerente naquela época, disse: - você não vai ficar na rua, vou te dar uma mão, vou te encaixar, mesmo que não tenha vaga, eu te contrato no comercial e você fica trabalhando aqui dentro pra mim enquanto tiver isso aqui. - Daí quando a filial fechou ele me contratou para o comercial, eu virei gerente de relacionamento, fiquei um mês ali dentro da empresa, pois não tinha rota pra mim, aí saiu uma operadora e eu fui nessa vaga, mas a vaga era meio enxuta, aí outras pessoas cobriram as lojas dela, aí precisava de uma pessoa pra cobrir as férias das outras, então hoje eu faço isso, o operador da nossa loja tem uma rota em uma cidade, sai de férias e eu vou cobrir as férias dele. Nos vinte ou trinta dias que ele não está, sou coringa”.

Ser ‘coringa’ na empresa foi a forma que Miguel encontrou para se manter trabalhando e, de certa forma, sobreviver em um contexto de profunda crise. O que ele conta sobre o fechamento da filial do banco, a nova organização do trabalho que passa a ser mais flexibilizado, em que o gerente não teria mais uma sala, mas um computador para trabalhar de qualquer lugar, evidencia claramente os processos de flexibilização e reestruturação produtiva do capital.