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CAPÍTULO II CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM ADOTADA NO TRABALHO

2.3. Alguns apontamentos sobre o ensino da língua materna e a prática da produção

Desde a década de 1980 o texto tem sido discutido como base de ensino e aprendizagem de língua portuguesa no ensino fundamental. Porém, de acordo com Rojo e Cordeiro (2004), a partir de discussões iniciais o texto foi tomado como objeto empírico de uso, mas não de ensino e propiciava a leitura, a produção e análise linguística. Em um momento posterior, o texto começou a ser tomado como suporte para as habilidades de leitura e redação, sem ser considerado ainda um objeto de estudo. Até aqui as atividades com o texto giravam em torno das atividades meta e epilinguísticas, sem haver ainda a preocupação com o ensino propriamente dito das práticas de produção textual.

Ainda segundo as autoras, devido à necessidade de se estabelecerem procedimentos, algumas propriedades dos textos começaram a ser referenciadas no ensino, principalmente dos gêneros escolares por excelência, como a narração, a descrição e a dissertação.

Contudo, os textos que circulam na sociedade, em situações comunicativas reais, em nada se assemelham aos textos preconizados pela escola o que não contribui para a formação de leitores e escritores competentes.

Essas discussões tiveram um novo rumo com a concretização e a formalização de algumas propostas de trabalho principalmente nos programas curriculares oficiais brasileiros, é o que se pode dizer dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 2001), que enfatiza a necessidade de ensino dos gêneros do discurso, tanto com ênfase na oralidade, quanto na escrita.

Esse documento representa uma nova perspectiva de trabalho com o texto na sala de aula, pois deposita o enfoque no ensino de gêneros orais e escritos, bem como considera a situação de interlocução, enfatizando a importância dos contextos de uso e de circulação dos enunciados produzidos.

Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino (PCNs Língua Portuguesa, 3º e 4º ciclos do ensino fundamental, p.23).

Quanto à prática de produção de textos, o referido documento ressalta que um escritor competente é aquele que ao produzir um discurso, sabe selecionar o gênero no

qual seu discurso de realizará escolhendo aquele que for apropriado a seus objetivos e à circunstância enunciativa em questão (PCNs 1º e 2º ciclos do ensino fundamental, p.65).

A concepção de escritor que permeia os Parâmetros é daquele que deverá realizar a revisão, a reescrita e saber recorrer e utilizar outras fontes para sua própria produção.

Buscando incorporar os conhecimentos desenvolvidos nas últimas décadas, o documento ainda pontua:

Hoje já se sabe que aprender a escrever envolve dois processos paralelos: compreender a natureza do sistema de escrita da língua – os aspectos notacionais – e o funcionamento da linguagem que se usa para escrever – os aspectos discursivos (PCNs Língua Portuguesa,1º e 2º ciclos do ensino fundamental, p.66).

Ganham destaque também as funções e o funcionamento da escrita, bem como as condições nas quais é produzida: para que, para quem, onde e como se escreve.

No item relacionado ao tratamento didático para a implementação de uma prática continuada de produção de texto, observamos nos Parâmetros a apresentação de várias estratégias que podem ser planejadas pelo educador, como: o oferecimento de textos impressos de boa qualidade, proporcionar situações de produção textual, mesmo antes dos alunos saberem grafá-los, organizar as atividades de produção textual em pequenos grupos, facilitação de diálogos entre professores e alunos para a explicitação das dificuldades.

Algumas situações didáticas também são apresentadas como fundamentais: a realização de projetos, que situam a produção textual de forma contextualizada, além de envolver outras atividades, como a leitura, o estudo e a pesquisa; a prática da escrita de textos provisórios, permitindo o distanciamento e o olhar crítico do texto produzido; produções com apoio, atividade que envolve o trabalho com os procedimentos de escrita, dada a sua complexidade; e as situações de criação, que objetivam o oferecimento de oportunidades de criação e avaliação do percurso criador.

Apesar de valiosas, essas orientações não têm sido suficientes para guiar o trabalho do educador, ainda que coloque em prática tais aportes metodológicos não consegue visualizar uma prática consistente com a produção textual, que de fato contemple a proposta que é a de formar escritores competentes, capazes de produzir textos coerentes, coesos e eficazes.

Embora os PCNs de Língua Portuguesa tenham incorporado consideráveis avanços no tratamento do ensino da língua, a considerando como espaço de interação e portanto atividade discursiva, todas as discussões em torno de novos referenciais e novos objetos de ensino não vieram acompanhadas de reflexões e esclarecimentos aos educadores de como encaminharem o ensino:

[...] as orientações e os referenciais novos que os PCNs puseram em circulação nas escolas e nos programas de formação de professores – à medida que, como referenciais que são, não apresentaram propostas operacionalizadas – geraram inúmeras dúvidas quanto a como pensar o ensino dos gêneros escritos e orais e como encaminhá-lo de maneira satisfatória: dúvidas sobre o modo de pensar e o modo de fazer esse ensino de novos objetos (ROJO e CORDEIRO, 2004, p. 12).

Sendo assim, verificamos que os educadores buscam, de diversas maneiras, incorporar às suas práticas o trabalho de ensino da língua materna que privilegia os gêneros

do discurso, orais e escritos que circulam na sociedade, buscando a seleção de inúmeros gêneros para a contextualização das atividades de leitura e escrita, desde os primeiros anos do ensino fundamental de nove anos (CUNHA, 2004 e SILVA, 2008).

Contudo, sinalizamos que nem sempre essas práticas garantem que o educando se aproprie de um gênero do discurso escrito e de fato produza textualmente contemplando, não só as marcas do gênero proposto, mas considerando as circunstâncias de interlocução.

Segundo Alves (2007), muitos professores que atuam em salas do ensino fundamental não tiveram oportunidade de estudar, discutir e refletir sobre as teorias dos gêneros discursivos em seus cursos de formação. Para essa autora, não basta unicamente eleger um gênero para ser o objeto de estudo, mesmo porque essa opção a grande maioria dos educadores já fez, mas trata-se de saber como trabalhar diversos gêneros, analisando- os e explorando-os de acordo com a perspectiva apresentada pela teoria e que envolva os componentes de um texto: o conteúdo temático, estilo e construção composicional. Sendo assim, é essa teoria que tomamos como referente para a construção da proposta pedagógica: de ensino de um gênero do discurso escrito com base no desenvolvimento de uma sequência didática.

Diante da necessidade de clareza metodológica em torno da questão do ensino de um gênero oral e escrito, nos pautamos nos estudos e trabalhos de Bakhtin e Vygotsky e seus desdobramentos por meio das atuais pesquisas na área da educação e linguagem, representada, sobretudo pelos trabalhos dos pesquisadores do Grupo de Genebra. Tal abordagem será descrita a seguir, que busca oferecer aportes teóricos e metodológicos para o ensino de um gênero escrito.