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4 ENTRE LIBERALISMO, ANARQUISMO E SOCIALISMO:

4.1 ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A PERSONAGEM

pelo roteirista Bill Finger, aparecendo pela primeira vez em 1939 na revista Detective Comics. Sua estreia na televisão ocorreu em 1945, mas foi em 1966, com Adam West interpretando o Homem-Morcego, que estreou a série mais conhecida até então. Somente em 1989, Batman, filme dirigido por Tim Burton, foi reproduzido nas telas do cinema. Depois desse, Burton ainda dirigiu o Batman Returns em 1992, e Jon Schummacher foi o responsável pela direção de Batman Eternamente (1995) e Batman e Robin (1997).

Sua figura já passou por diversas adaptações até chegar a versão consagrada da trilogia de Christopher Nolan. Nesse capítulo, analisaremos alguns aspectos presentes na personagem Batman e nos

vilões presentes no filme, a saber: algumas alegorias e representações construídas sobre a personagem.

Na trilogia de Christopher Nolan, Batman foi associado constantemente como uma alegoria representante de um modelo liberal de governo. Devemos lembrar que Batman é Bruce Wayne, um empresário filantrópico, essa informação aparece claramente nas narrativas dos filmes e também de alguns quadrinhos, mas normalmente as histórias não focam diretamente nesse detalhe.

No entanto, essa não é a única interpretação possível sobre o herói. As construções possíveis acerca do personagem podem surgir em decorrência de muitos fatores, sendo que vários deles influenciaram de diferentes formas. De acordo com Thiago Bernardo (2007, p. 5 apud MELLO, 2011, p. 9) as transformações do herói perpassam por diferentes contextos:

a propaganda de apoio ao esforço de guerra durante a segunda guerra mundial (1939-1945), as políticas de censuras prévias das HQ’s durante o macartismo; a ascensão da cultura pop e os diálogos entre as HQ’s e a famosa série de TV estrelada por Adam West; por fim, a interatividade promovida pela internet entre leitores, escritores, desenhistas e editores das revistas, que interferem no processo de identificação com o herói e, de certa forma, influencia o plano de novos enredos

Por isso, acreditamos ser mais sensato seguir a premissa de Will Brooker (2012, p. VII) ao afirmar que, na verdade, não existe apenas o Batman, mas múltiplos Batmen. O autor afirma que diversas representações foram incorporadas ao tratar do Batman. O Batman dos anos 1960, de Adam West apresenta características mais vivas e elementos caricatos. Durante a filmagem dos filmes de Tim Burton, a personagem apresentou uma atuação teatral, enquanto Gotham City se mostrou uma cidade bastante sombria. No entanto, nas produções de Joel Schummacher desenvolveram um retorno ao Batman caricato de Adam West. Essas são alguns exemplos cinematográficos, o número torna-se ainda maior se expandirmos à análise para as histórias em quadrinhos.

Não temos a pretensão de explicar todos esses elementos, mas esse trecho é importante para demonstrar que, mesmo que a personagem Batman agregue e incorpore diferentes características de produções

anteriores, o contexto social e político em que a obra está inserida ainda torna-se um dos fatores principais para entender os elementos presentes que nos permitem investigar as relações sociais e as práticas sociais, seja das HQ’s ou dos filmes. Podemos observar que múltiplas narrativas foram construídas ao longo desses cinquenta anos sobre uma mesma figura, apresentando também diversas opiniões sobre seu universo. Em decorrência disso, seria um equívoco afirmar que existe apenas uma interpretação de um mesmo personagem.

Em The Dark Knight Returns (1984), por exemplo, quadrinho roteirizado por Frank Miller, não é o Batman que aparece como uma representação do ideal estadunidense, mas o Superman. Embora hoje o autor tenha apresentado uma postura que beira ao liberalismo, como apresentamos na citação anterior, nessa HQ o autor apresentou uma forte crítica ao regime neoliberal, tendo Batman como o principal agente contrário a ele. De acordo com Everton Mello Rocha (2010, apud Krakhecke, 2009, p. 80), o neoliberalismo passa a ser a tônica dos discursos e políticas econômicas e sociais, junto com o aumento do desemprego, principalmente na primeira administração Reagan. A construção da personagem Superman de desenvolve da seguinte forma:

Superman representaria diversos ideais estadunidenses em uma única personagem, reforçando alguns mitos fundadores da nação norte-americana. Em seu plano de fundo, um garoto imigrante, que veio de outro planeta, criado no meio rural do estado do Kansas em uma pequena comunidade branca que parte para a grande metrópole para defender ―a verdade, a justiça e o modo de vida americano‖. Em Batman – O Cavaleiro das Trevas, Superman mantém seu papel de mantenedor das instituições. A diferença nesta HQ é que agora as instituições governamentais não mais defendem as tradicionais (MELLO, ano, p. 45-46).

Ou seja, tivemos diferentes interpretações em diferentes momentos da época. Devemos lembrar também que as HQ’s apresentaram ao longo do período uma postura mais crítica em relação à sociedade, tendo uma preocupação maior que o cinema em relação às minorias sociais, etc. Sendo assim, mesmo que os filmes apresentem alguma referência aos quadrinhos, torna-se necessário analisar as obras cinematográficas e acordo com o seu contexto.

The Dark Kngiht Returns foi uma obra das utilizadas pelos diretores como referência, e também é citada como referência para um modelo específico de herói. No ano de estreia do Batman Begins, Érico Assis (2005)61 escreveu uma reportagem especial sobre esse quadrinho, afirmando que Frank Miller havia modificado e revolucionado o conceito do Homem-Morcego. Nas palavras do autor:

E Batman mudou para sempre. Passou de mais um herói colorido do universo DC para uma figura das sombras, obcecado por sua guerra contra o crime, que fala só o estritamente necessário e pouco interage com outros heróis. Mesmo o desenho animado do início dos anos 90 adotou esta versão do personagem. A nova abordagem resultou em muitas histórias interessantes - quando nas mãos de roteiristas capazes -, mas nada que chegasse ao nível de Miller.

E mesmo com essa postura mais agressiva do Batman de Miller, o modelo proposto por Christopher Nolan ainda mostrou um Batman pautado em uma postura liberal, por isso que o contexto histórico e social deve ser trazido ao diálogo com essas referências, afinal, ambas dialogam com recortes temporais específicos. As referências não necessariamente aparecem em uma ideia ou conceito, mas em um plano ou quadro. Em determinados momentos, como iremos perceber na análise dos filmes, muitos enquadramentos foram inspirados em determinados quadros das HQ’s.

Isso fica claro quando observamos a cena do interrogatório de The Killing Joke. Na cena, Batman entra em uma cela escura, o feixe de luz ilumina apenas uma mesa com duas cadeiras, onde supostamente estaria o Coringa jogando cartas - após alguns quadros, descobrimos que se trata de um impostor. No segundo filme da trilogia, The Dark Knight, o cenário do interrogatório é semelhante, com a exceção de a sala inteira é iluminada assim que se acende a luz.

Embora tenham os mesmos cenários, os diálogos são diferentes. Na HQ, Batman foi conversar com o Coringa (sem saber que era um impostor) sobre a relação entre eles, questionando se no fim um teria que matar o outro. Já no filme, o diálogo se desenvolve após o Coringa planejar o sequestro de Rachel e Harvey Dent. No primeiro, o diálogo

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ASSIS, Érico. À sombra de Frank Miller. Disponível em

começa amigável, somente depois se torna mais agressivo. No segundo caso, a cena já apresenta certa tensão. Nesse caso, a inspiração surgiu mas no enquadramento da cena do que no próprio diálogo em si, embora alguns traços da personagem Coringa se apresentem no filme - o mesmo traço caótico, a mesma necessidade de provar que os seres humanos precisam apenas de um motivo para se destruírem e beirarem à loucura.

Outra cena que é aproveitada dos quadrinhos se refere à série Knight Fall (traduzido no Brasil como A queda do morcego). Na capa dessa HQ, o vilão Bane aparece quebrando a costela do Batman com o joelho, cena que também foi copiada para o filme. Novamente o cenário é diferente. Nos quadrinhos, Bane e Batman aparece em um museu, cercado por grandes cópias de dinossauro, enquanto no filme eles aparecem em algum lugar no subsolo. Os motivos que guiam as personagens também são diferentes, já que no filme a personagem Bane tem como objetivo tomar o poder de Gotham City.

Podemos apresentar outros elementos presentes em Batman: Year One, de Frank Miller. A cena do trem que liga Gotham City às empresas Wayne nos quadrinhos é semelhante à do filme. A trama do primeiro filme também é muito semelhante. Embora os vilões sejam diferentes, a característica do Batman detetive que aparece no primeiro filme apresenta traços muito parecidos com a HQ.

Pretendemos ao longo desse tópico mostrar com mais detalhes os elementos que guiaram a criação das histórias em quadrinhos. Importante ressaltar que nesse trabalho não faremos uma análise detalhada delas, apenas mostramos os elementos que influenciaram a criação do roteiro. Começaremos agora com a análise de Batman Begins.

4.2 ANÁLISES DOS FILMES