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2 APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA SOCIAL DO

3.3 DEBATES ACERCA DO OCCUPY WALL

O Occupy Wall Street foi iniciado em 2011 em resposta à desigualdade econômica e às influências indevidas das empresas na sociedade. Foi um episódio interessante do ponto de vista analítico, visto que trouxe uma série de debate acerca do assunto e da conjuntura política global do período. Esse subcapítulo tem como objetivo discutir alguns aspectos do movimento, e principalmente o posicionamento de alguns autores.

A principal causa apontada para o estopim desse movimento é a crise econômica, política e financeira que se arrastou desde 2008, causando, principalmente, o aumento do desemprego, como demonstrado no tópico anterior. Com isso, foi inevitável também um aumento da desigualdade social e de renda54. Em decorrência disso, ocorreu um forte questionamento sobre o sistema capitalista e também à falta de alternativas políticas organizadas.

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[...] nos Estados Unidos, de acordo com estudos do governo de 2008, 1% da população controla quase

25% da renda, 15 pontos percentuais a mais do que controlava em 1980. No Brasil, onde se comemora estar próximo da desigualdade estadunidense, a concentração de riqueza é ainda maior. (PESCHANSKI, 2013,

Debateu-se sobre um possível declínio do capitalismo, mas pouco se debateu sobre uma alternativa à esquerda para substituí-lo. Com isso, houve uma onda de crescimento de grupos políticos ligados à extrema-direita, principalmente na Europa. Políticas de austeridades foram tomadas, principalmente por influência da União Européia, do FMI e da Troika55. Ou seja, apesar dos debates, o sistema capitalista não apresentava sinais de declínio, mas demonstrava um campo de disputa muito forte no campo político, visto que tantos campos da esquerda quanto os da direita buscavam alternativas para um sistema que vivia uma crise cíclica de destruição criadora.

Uma das principais críticas feita por Slavoj Zizek (2013, posição 217) acerca do movimento foi a falta de um objetivo final para as ocupações, ou seja, segundo o autor, não basta saber o que não se quer, é preciso saber o que se quer. Para o autor, faltava para a esquerda realizar perguntas acerca do processo, e não apenas oferecer respostas. Apresentou também o risco dos manifestantes se apaixonarem por si mesmos, pelo momento agradável que estão tendo nos “lugares ocupados”. (2013, posição 161). Os manifestantes, segundo a visão do filósofo, deveriam não apenas levantar o problema, mas também pensar em alternativas (2013, posição 187).

No entanto, ele pareceu otimista muitas vezes acerca do movimento. Slavoj Zizek pontuou diversas críticas que os meios mais conservadores realizavam sobre as ocupações: 1) os protestos são antiamericanos - em referência a um possível posicionamento anticristão. 2) Os manifestantes são violentos. (2013, posição 217). Além disso, os manifestantes foram fortemente acusados de 3) comunistas - principalmente por não respeitarem a propriedade privada - e de 4) perdedores (Ibidem).

Slavoj Zizek demonstra um forte apreço pelos manifestantes ao responder essas questões: 1) São os manifestantes que encarnam o Espírito Santo, enquanto em Wall Street são todos pagãos adorando ídolos (Ibidem); 2) [...] mas o que é essa violência comparada àquela necessária para sustentar o suave funcionamento do sistema capitalista global? (Ibidem); 3) [...] não estariam os verdadeiros perdedores em Wall Street, e não teriam eles sido salvos por centenas de bilhões do nosso dinheiro (Ibidem); 4) O único sentido em que os manifestantes

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A troika é a junção de três entidades que estando alinhadas, se reunem para gerir uma missão. A troika é formada por 3 elementos que são a Comissão Europeia, o Banco Cental Europeu e o Fundo Monetário Europeu. É a estes 3 elementos que compete analisar com determinada frequência as contas do país e verificar as necessidades de financiamento desse mesmo país. No fundo a troika é responsável pela restruturação económica do país. S/A. O que é a Troika. Disponível em <http://osporques.com/o-que-e-a-

são comunistas é o de se preocuparem com os bens comuns - da natureza, do conhecimento - ameaçados pelo sistema (Ibidem).

Essas acusações e as respostas de Slavoj Zizek mostram que o Occupy Wall Street estava longe de mostrar um consenso. Sendo assim, não é correto afirmar que o sistema capitalista apresentava um forte declínio - pelo menos não utilizando esse movimento como exemplo56. Todavia, podemos afirmar que as ocupações reforçaram campos de disputas em relação ao debate entre direita e esquerda.

Como aponta João Alexandre Peschanski, a desigualdade econômica não era vista por alguns setores como algo necessariamente negativo. Um dos argumentos afirma que, ao existir a desigualdade, estimula os trabalhadores a trabalhar mais e incentivam a investirem. Ou seja, na lógica desse argumento, ao existir políticas de redistribuição econômica, diminui o incentivo ao trabalho, fazendo com que os pobres não se esforcem para melhorar sua condição de vida. A desigualdade econômica mantém o dinamismo do sistema produtivo (PESHANSKI, 2013, posição 385)

Em outro argumento que defende a desigualdade de renda e patrimonial como algo positivo, afirma-se que essa desigualdade não seria sinônimo de pobreza absoluta, já que esses índices podem indicar uma maioria das pessoas em bons apartamentos e uma minoria em castelos. A desigualdade social poderia existir sem carências materiais, desde que se dê o mínimo para toda população. (Ibidem)

De acordo com João Alexandre Peschanski, o primeiro argumento não leva em consideração o poder dos diferentes atores de mercado: é o mundo das fábulas dos manuais de economia, os mercados livres, em que ninguém exerce seu poder para enriquecer às custas dos outros e do dinamismo político. (Ibidem). Além disso, como o poder de influenciar investimentos é gerado por grupos minoritários, as políticas de redistribuição de renda são geralmente bloqueadas, ou seja, crescimento econômico não gera por si só a redução da desigualdade.

Em relação ao segundo ponto, o autor aponta que sociedades desiguais apresentam na maioria dos casos as piores taxas de expectativa de vida, mortalidade infantil, alfabetização, obesidade, gravidez precoce, transtorno mental, uso de drogas, violência, mobilidade social, participação política e autonomia econômica das mulheres (PESCHANSKI, 2013, posição 412).

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Para saber mais, ler: WOOD, Ellen Meiksins. O império do capital. Rio de Janeiro: Boitempo, 2014; e ANDERSON, Perry. A política externa norte-americana e seus respectivos teóricos. São Paulo: Boitempo, 2015.

Essas questões levantadas acima mostram que o Occupy Wall Street levantou debates acerca das conjunturas políticas dentro do capitalismo: sobre desigualdade social, distribuição de renda etc. Importante ressaltar também que essas discussões não apareceram somente no meio acadêmico. O campo artístico e midiático não ficou ausente desse debate. Frank Miller, autor de Batman: Ano Um e O Cavaleiro das trevas - filmes que inspiraram a criação da trilogia The Dark Knight, dirigido por Christopher Nolan e que será analisado no próximo capítulo -, postou críticas duras ao movimento, partindo do mesmo tipo de argumentos apontados por Zizek:

O 'Occupy' não passa de um bando de turrões, bandidos e estupradores, uma turba indisciplinada, vivendo da nostalgia de Woodstock e de fétida e falsa honradez. A única coisa que esses palhaços conseguem é fazer mal à América. [...] não é mais do que uma modinha criada por moleques mimados de iPhones e iPads na mão que deviam sair da frente de quem quer trabalhar e procurar emprego (...) Em nome da decência, voltem para casa do papai, seus medíocres. Vão para o porão da mamãe brincar de Lords Of Warcraft57.

Frank Miller ainda disse sugeriu que os manifestantes se alistassem no exército, pois o verdadeiro problema dos Estados Unidos era o islamismo e a Al Qaeda: talvez nossos militares consigam botar razão na sua cabeça. Só que talvez não deixem você ficar com o iPhone.58 Percebe-se que as críticas foram extremamente agressivas, sem qualquer tipo de problematização acerca do movimento.

O comentário de Frank Miller gerou opiniões controversas a do autor, entre elas, podemos citar Alan Moore, autor de Batman: a piada mortal - também foi uma das histórias em quadrinhos que inspirou a trilogia dirigida por Christopher Nolan. Para o autor:

Bem, Frank Miller é alguém cujo trabalho mal acompanhei nos últimos 20 anos. Acho que as coisas de Sin City são misoginia ultrapassada, 300 parecia ser incrivelmente anistórico, homofóbico

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HESSEL, Marcelo. Frank Miller: autor é criticado após atacar movimento Occupy Wall Street. disponível

em <https://omelete.uol.com.br/quadrinhos/noticia/frank-miller-autor-e-criticado-apos-atacar-movimento-

occupy-wall-street/>. Acesso em 24 dez 2016.

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e completamente equivocado", começou Moore. "Ouvi falarem do discurso dele contra o movimento Occupy. É o tipo de coisa que eu esperaria dele. Sempre me pareceu que o mundo dos quadrinhos, em sua maioria, se você tivesse que localizá-lo politicamente, seria de centro- direita. Essa posição seria a mais liberal que eles se permitiriam ir (...) Tenho falado isso desde o começo da minha carreira59.

Mais do que uma opinião divergente, Alan Moore demonstra um debate político, acusando Frank Miller de se posicionar à Direita no espectro político (centro-direita). Junto com o apontamento acima, Alan Moore também comentou sua opinião sobre o movimento, sem deixar de citar novamente o seu desagrado pela opinião de Frank Miller.

Do meu ponto de vista, o movimento Occupy são pessoas comuns exigindo direitos que eles sempre deveriam ter. Não consigo pensar em nenhuma razão para nós, como população, ficarmos assistindo à redução drástica dos nossos padrões de convívio e dos nossos filhos, possivelmente por gerações, enquanto as pessoas responsáveis por isso têm sido recompensadas. Eles certamente não têm recebido punição em nenhum sentido, porque são 'grandes demais para errar'. [O movimento] é um grito justificado de ultraje moral e parece que está sendo conduzido de um jeito pacífico e inteligente, o que provavelmente é outra razão para Frank Miller ficar tão desagradado. Tenho certeza de que se fossem uns jovens vigilantes sociopatas com maquiagem de Batman na cara ele seria bem favorável60.

Observamos um ponto interessante na citação de Alan Moore: a referência ao personagem Batman. Não somente pelo fato de Frank Miller ter escrito duas histórias que se tornaram grande referência para o público consumidor de quadrinhos, mas também por invocar um super- herói que muitas vezes foi associado como uma referência ao cidadão

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Hessel, Marcelo. Alan Moore reage à polêmica entre Frank Miller e o movimento Occupy. Disponíverl

em< https://omelete.uol.com.br/quadrinhos/noticia/alan-moore-reage-polemica-entre-frank-miller-e-o-

movimento-occupy/>. Acesso em: 24 dez 2016.

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empresário e liberal: milionário, dono de uma empresa, vigilante que defende a cidade dos bandidos e da violência, etc. Os personagens dos quadrinhos e do cinema são muitas vezes associados a situações que a própria sociedade presencia, criando determinadas representações sociais e políticas, como apresentamos no primeiro capítulo.

O objetivo desse capítulo foi apresentar alguns dos aspectos políticos que, de maneira direta ou indireta, apresentam alguma ligação com a construção da narrativa, produção e recepção da trilogia do Batman. Por isso a última citação se mostra muito importante para adentrarmos no debate sobre cinema e representação social. Faremos isso no próximo capítulo, utilizando os conceitos teóricos dos capítulos anteriores para guiar em nossa análise.

4. ENTRE LIBERALISMO, ANARQUISMO E SOCIALISMO: