• Nenhum resultado encontrado

1.3. UMA TIPOLOGIA DAS INICIATIVAS NA DEFINIÇÃO DO OBJETO

1.3.2. Alguns elementos empíricos

Neste sentido, a pesquisa desenvolvida na região da “Metade Sul” do Rio Grande do Sul entre 2000 e 2001, por Cruz e Silva (2002), permitiu avançar, em alguma margem, na construção de um conceito, o qual será utilizado, em larga margem, neste trabalho.

A estrutura metodológica desta pesquisa procurou, em primeiro lugar, identificar os agentes sociais vinculados ou potencialmente vinculados a iniciativas econômicas não-convencionais e indagar especificamente desses agentes aquilo que eles considerariam iniciativas econômicas distinguíveis das iniciativas convencionais, bem como as características fundamentais destas “alternativas”. Foram consultados, em seis diferentes cidades do sul do Rio Grande do Sul (Pelotas, Rio Grande, Santa Maria, Livramento, Bagé e Uruguaiana) os sindicatos de trabalhadores, associações empresariais, órgãos públicos dos três níveis de governo, instituições de pesquisa tecnológica, universidades, bancos públicos, instituições religiosas assistenciais, organizações não-governamentais etc., num total de 121 (cento e vinte e uma) entrevistas. Um comitê de pesquisa foi formado para analisar os resultados das entrevistas e dele faziam parte as seguintes entidades: a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Católica de Pelotas, a ANTEAG, o CAMP – Centro de Assessoria Multiprofissional, a Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais do Governo do Estado e o Gabinete Especial para Desenvolvimento da Metade Sul, também do Governo do Estado.

47

60

A pesquisa catalogou um total de 143 (cento e quarenta e três) possíveis iniciativas de economia solidária, em dezessete diferentes tipologias. Após uma definição mais estreita de critérios e/ou indicadores, para cada uma das tipologias propostas, pôde-se estimar que quase a metade desse número não poderia ser considerada como uma iniciativa de economia solidária, bem como vários dos tipos encontrados. Um enquadramento mais preciso do total das iniciativas requereria um retorno ao campo, em cada uma das iniciativas, o que foi impedido pelo ingresso dos pesquisadores em seus respectivos programas de doutorado.

A tabela 1, abaixo, utiliza-se dos resultados encontrados nessa pesquisa, e de nossas observações de campo, realizadas durante o período de preparação da tese, para formular um esboço possível referente a diferentes formas de organização de iniciativas de economia solidária.

Tabela 1 – Uma tipologia das iniciativas de economia solidária (esboço propositivo)

Tipo Caracterização

(1) Associação de

produtores autônomos entre si.

Reunião constituída legalmente ou não, de produtores autônomos entre si. Os associados são donos de meios próprios de produção e se reúnem com o fim de comercializar conjuntamente o produto e/ou potencializar outras ações econômicas.

(2) Associação para

produção ou trabalho

Reunião constituída legalmente ou não, de produtores ou trabalhadores que compartilham entre si a propriedade dos meios de produção e do patrimônio do empreendimento. Em geral, são grupos que estão em vias de se tornar cooperativas ou que preferiram não adotar essa forma legal, embora funcionem de forma similar.

(3) Associação de crédito Fundo mútuo destinado ao financiamento de insumos, de bens de

produção, de capital de giro ou mesmo de consumo particular dos associados. Ao contrário das cooperativas de créditos, não tem legislação específica, regulando-se – a princípio – pelo direito civil, como associação privada.

(4) Associação para

consumo e habitação

Reunião constituída legalmente ou não, que objetiva reduzir custos de aquisição de bens ou serviços de qualquer natureza. É o caso das “associações de compras coletivas” ou de condomínios de pré- proprietários para a construção associada de casas próprias.

61

(5) Cooperativas de

produtores autônomos entre si

Reúnem produtores autônomos entre si, mas filiados à organização cooperativa, na condição de proprietários privados de seus meios de produção, compartilhando o patrimônio e os ganhos da cooperativa.

(6) Cooperativas de

produção ou trabalho

Reúnem produtores ou trabalhadores associados que compartilham a propriedade dos meios de produção e do patrimônio da cooperativa ao mesmo tempo.

(7) Cooperativa de

prestação de serviços de agentes autônomos

Formadas por profissionais de mesma capacitação (p.ex.: médicos, ou dentistas etc.) que prestam serviços de forma autônoma entre si, mas cuja cooperativa permite organizar a relação com o mercado através de convênios, consórcios e outras formas de articulação econômica.

(8) Cooperativas de crédito Fundos mútuos destinados ao financiamento de insumos, de bens de

produção, de capital de giro ou mesmo de consumo particular dos associados. São regidas por legislação específica.

(9) Cooperativas de

consumo e de habitação (convencionais)

Reunião de consumidores que objetiva reduzir custos de aquisição de bens ou serviços de qualquer natureza. Na classificação, optamos por incluir aí as cooperativas habitacionais que contratam terceiros para a construção de casas ou edifícios (embora sejam regidas por legislações específicas, o objetivo e o caráter têm a mesma delimitação).

(10) Cooperativas de habitação por mutirão ou ajuda mútua

Em que um conjunto de associados se reúne para dividir os custos de produção e o trabalho necessário à construção de suas próprias moradias.

(11) ONGs Organizações não-governamentais, sem fins lucrativos e com objetivo

específico, que eventualmente assumem papéis econômicos para a viabilização de iniciativas associativas.

(12) Empresas

autogestionadas por trabalhadores ou empresas recuperadas

Empresas em regime falimentar, cuja massa falida é arrendada por uma associação ou cooperativas de funcionários junto ao síndico legal, e cujos rendimentos são em parte destinados a saldar o passivo da antiga empresa.

(13) Clubes de trocas Associações de produtores autônomos e independentes que estabelecem

entre si relações extra-convencionais de mercado, estabelecendo regras específicas de troca a partir de compensações e moedas alternativas reguladas pelo próprio grupo.

Fonte: CRUZ e SILVA (2001) e observações de campo.

Obviamente, esta é uma classificação possível. Entretanto, alguns objetivos teórico-metodológicos da pesquisa, considerados alcançados, permitem apontar alguns elementos interessantes para as definições presentes na Tabela 1:

62

a) a busca de um “marco legal” para a economia solidária48 deve tomar em consideração a existência de diferenças “de fundo” entre tipos diferentes de iniciativas49. Iniciativas de crédito, por exemplo, têm uma estrutura muito diferente das cooperativas de trabalho;

b) a classificação legal tradicional (cooperativas de trabalho/produção, de consumo, habitacional e de crédito) é muito insuficiente, inclusive, para a legislação sobre cooperativismo – ao menos no Brasil – e o termo “cooperativa” é usado de forma distinta, na legislação de qualquer um dos países, dos princípios cooperativos defendidos pelo movimento cooperativista histórico (os princípios de Rochdale, por exemplo);

c) se por um lado a definição jurídica das iniciativas está longe de permitir caracterizá-las, ainda assim é importante que se distingam também a partir desse critério, pois as diferenças de possibilidades e limites de mercado de uma cooperativa para uma associação de produtores, por exemplo, estão intimamente ligadas à forma legal que adquiriram;

d) a melhor forma de definir as iniciativas de economia solidária é partir de sua referência contrária, isto é, caracterizar as iniciativas de economia convencionais, identificando os elementos “não-solidários” presentes em sua estrutura – só então é possível construir “indicadores de solidariedade” que permitam recortar um campo de iniciativas econômicas que possam ser consideradas “solidárias”.

É importante notar, porém, que esses atributos descritos no quadro são absolutamente insuficientes para definir uma iniciativa econômica como solidária. A própria

48

Um dos objetivos manifestos da pesquisa era contribuir com o Governo do Rio Grande do Sul (na época, mandato Olívio Dutra-PT) na construção de um marco jurídico que permitisse a formulação de políticas públicas de apoio à economia solidária. Alguns projetos já haviam sido apresentados e derrubados pela Assembléia Legislativa e um dos argumentos principais dos legisladores era a inexistência de estudos empíricos comprobatórios da alegada diferenciação entre iniciativas “solidárias” e “convecionais”.

49

A legislação sobre cooperativas no Uruguai, por exemplo, guarda esta especificidade e por conta disso é criticada, de maneira geral, pelos dirigentes do cooperativismo uruguaio, que reivindicavam uma legislação única para as cooperativas. Sempre que tive a oportunidade de discutir o tema, propus que fossem relativizadas tais críticas, uma vez que me pareciam cabíveis quanto ao conteúdo da legislação, mas não em relação à existência de legislação específica para cada tipo de associação.

63

pesquisa (Cruz e Silva, 2001) indicava a necessidade de construir indicadores confiáveis para tal classificação, já que há diferenças na forma de gestão dos empreendimentos que podem descaracterizar qualquer solidariedade em sua formação. Por exemplo: associações de produtores rurais cujo fundamento produtivo reside no uso extensivo da terra e no uso intensivo de trabalho assalariado. Mas, poder-se-ia considerar como “solidárias” iniciativas econômicas fundamentadas, em sua base produtiva, na exploração do trabalho assalariado?50