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1.4. CONCEITOS LIMÍTROFES: ECONOMIA POPULAR, ECONOMIA SOCIAL

1.4.4. Terceiro Setor e Economia Solidária

Em meados da década de 90, Jeremy Rifkin anunciou que não haveria empregos para todos no futuro. É claro que Marx já havia prognosticado isso havia mais de um século, mas pela primeira vez um economista conservador, em plena crista da onda neoliberal, admitia-o. Entretanto, longe das previsões sombrias dos socialistas ou das possibilidades

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emancipatórias apontadas por André Gorz em “Adeus ao Proletariado”63, Rifkin prognosticava uma saída “societária” que, sem aderir à idéia de superação do capitalismo apontada por Gorz, de alguma maneira seguia a idéia deste autor em relação ao quê as pessoas fariam/farão de seu tempo e de suas vidas no futuro.

“Nas próximas décadas, o papel cada vez mais contraído do mercado e dos setores públicos afetará a vida dos trabalhadores de dois modos significativos. Aqueles que permanecerem empregados provavelmente verão a redução da sua semana de trabalho, deixando-lhes mais tempo livre. [...] Em contraste, as pessoas desempregadas e subempregadas, em número cada vez maior, encontrar-se-ão afundando inexorável e permanentemente para a subclasse. Desesperadas, muitas recorrerão à economia informal para sobreviver. Algumas trocarão trabalho esporádico por comida e abrigo. Outras voltar-se-ão ao crime e aos furtos de pouca monta.” (RIFKIN: 1995, p. 262).

Entretanto, longe de previsões que ele considera “catastróficas” (a “barbárie do desemprego”) ou “ufanistas” (“o fim da alienação do trabalho”), na opinião desse autor aquilo que será capaz de salvar o futuro será a solidariedade social: o trabalho voluntário, organizado profissionalmente por alguns gestores, pagos por recursos públicos, por doações privadas (de pessoas físicas e/ou jurídicas) ou mesmo financiados pelos próprios contingentes de voluntários.

“O terceiro setor, também conhecido como setor independente ou voluntário, é o domínio no qual padrões de referência dão lugar a relações comunitárias, em que doar do próprio tempo a outros toma o lugar de relações de mercado impostas artificialmente, baseadas em vender-se a si mesmo ou seus serviços a outros. Este setor, outrora crítico para a construção do país, em anos recentes tem deslizado para as margens da vida pública, passado para trás pelo crescente domínio dos setores de mercado e público. Agora que os outros dois domínios estão diminuindo de importância [...] a possibilidade de ressuscitar e de transformar o terceiro setor e de torná-lo um veículo para a criação de uma vibrante era pós-mercado deve ser seriamente explorada.” (idem, p. 263).

Ele afirma que “os ativos do terceiro setor atualmente [1994] equiparam-se à quase metade daqueles do governo federal”, e cita um estudo de Gabriel Rudney (Yale University), no qual se estima que o somatório dos gastos das organizações voluntárias norte- americanas era menor que o PIB de apenas sete países.

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“A abolição do trabalho é um processo em curso e que parece acelerar-se. [...]. A alternativa está entre as duas formas de gerir a abolição do trabalho: a que leva a uma sociedade do desemprego e a que leva a uma sociedade do tempo liberado.” (GORZ: 1982, p. 12).

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Sem dúvida, na velha perspectiva de Charles Gide, esta noção de “terceiro setor” o coloca como parte da “economia social”, ou seja, a filantropia, ainda que de uma forma nova, afastada da noção de “caridade” e muito mais próxima da idéia de “cidadania” ou de “comunidade cívica”.

Lisboa, no já citado compêndio sobre “A Outra Economia”64, define o terceiro setor “pelo uso intensivo de trabalho, [compreendendo] qualquer forma de atuação de organizações privadas sem fins lucrativos dirigida a finalidades públicas.” (Lisboa: 2003, p. 253). Numa crítica parcial à maneira como muitos utilizam o conceito, o autor afirma ainda que “somam-se dentro dele atividades extremamente heterogêneas e até contraditórias: voluntariado, formas tradicionais de ajuda mútua, cooperativas, associações civis, ongs, ações de filantropia empresarial e movimentos sociais.” (idem).

A abordagem de Guerra (2002), é bastante similar: “al tercer sector lo podemos definir, en su versión restringida, como ‘el conjunto de organizaciones autónomas de la sociedad civil, con el objeto de producir bienestar, inspiradas en valores solidários, cuyas eventuales ganancias monetarias no se dividen entre los asociados’.” (p. 199). Gaiger, por sua vez, propõe alguns indicadores para a caracterização das instituições do terceiro setor:

“(a) não fazem parte do aparelho de Estado, sendo, portanto, não- governamentais; (b) são autogerenciáveis, possuindo, então, larga margem de autonomia institucional; (c) envolvem o voluntariado, em algum grau de suas atividades; (d) não possuem finalidade de lucro, sendo movidas pela benemerência e agindo em prol de causas de interesse público.” (GAIGER: 2001, p. 141)

Essa noção mais estrita do “terceiro setor” – utilizada ao mesmo tempo por Lisboa, por Guerra e por Gaiger, e que ultimamente vem predominando no debate - esvazia de alguma forma o sentido operado por Rifkin e muitos outros autores do terceiro setor como sendo qualquer atividade social e econômica que não faça parte do sistema privado-mercantil ou do sistema público-estatal, num sentido próximo ao de economia social proposto por Gide.

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Mesmo assim, como veremos mais adiante, esse “terceiro setor” assim compreendido, tem cumprido um papel fundamental no fomento às iniciativas de economia solidária, nas quatro cidades pesquisadas neste estudo.

Todavia, economia solidária e terceiro setor, portanto, não se confundem, a não ser também no caso em que se queira que uma noção abarque fenômenos díspares, originados e dinamizados a partir de estruturas de ação social distintas.