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CAPÍTULO 1: INJUSTIÇA, GÊNERO E EDUCAÇÃO

1.4 Discutindo algumas raízes das diferenças entre escolas particulares e

1.4.1 Alguns estudos sobre escolas particulares e públicas

Alguns teóricos têm se debruçado sobre essa temática, pensada a partir de diferentes enfoques, e que podem nos ajudar a entender melhor esse assunto pensando-o a partir das respostas de alunos(as) de diferentes escolas e níveis de escolaridade.

Shimizu (2002) realizou um estudo comparativo com amostras de alunos(as) brasileiros e argentinos, de escolas particulares e públicas objetivando analisar as representações sociais e julgamentos morais destes jovens, em relação a dois pressupostos da teoria de Kohlberg: o da prioridade do desenvolvimento cognitivo na formação de raciocínios e julgamentos morais; e o princípio da universalidade e o da não variação dos estágios do desenvolvimento do raciocínio moral em diferentes culturas. Fazendo um recorte deste estudo, que será apresentado mais detalhadamente no capítulo dois desta dissertação, e analisando, somente, as respostas da amostra brasileira e comparando essa amostra entre os diferentes tipos de escola, isso é, escolas particulares e públicas, Shimizu verificou que naquilo que se referiu à lei e à justiça, os alunos de escola pública, reforçam seu caráter impositivo e prescritivo, enfatizando a justiça em seu caráter institucional, enquanto os alunos de escola particular priorizaram relações sociais mais amplas enfatizando não apenas os deveres, mas os direitos de garantia de igualdade. Por outro lado, quando se tratou da

materialização das representações de moral e imoral, os(as) alunos(as) de escola pública direcionaram-se mais para uma moral pessoal, representando características de uma moralidade que se baseava nas relações entre eles e seus próximos e na eliminação das necessidades básicas inerentes a essas classes; e representaram nos protagonistas da imoralidade a falta de caráter. No que se referiu aos alunos de escola particular, ainda que representando a moral direcionada à formação de caráter, pensaram uma ética que ultrapassava os limites pessoais e materializaram a moral em pessoas da família através de relações sociais mais amplas e quanto à imoralidade relacionaram-na à falta de justiça e honestidade.

Aquino (1996) apresentou um estudo realizado por meio de 32 entrevistas em três escolas particulares e três escolas públicas de primeiro, segundo e terceiro graus da cidade de São Paulo (SP), que teve por objetivo circunscrever os mecanismos elementares que dão suporte às práticas e a seus vínculos no dia-a-dia dos contextos escolares, nos diferentes níveis e nos diversos discursos dos agentes e da clientela escolar. Aquino obteve resultados interessantes no que se referiu às estratégias e conteúdos adotados por professores(as) e alunos(as) dos diferentes tipos de escolas e séries para a legitimação de suas representações.

Segundo o autor a análise dos depoimentos pautou-se nos seguintes dispositivos: “os efeitos de reconhecimento do discurso; os efeitos do desconhecimento no discurso; os efeitos do posicionamento imaginário do sujeito” (AQUINO, 1996, p. 47).

Partindo de uma leitura das relações institucionais, Aquino encontrou neste estudo que o núcleo imaginário em torno do qual as representações institucionais se apresentaram, foi o teor normativo das condutas.

A educação atitudinal (disciplinar, moral e/ou psicológica) parece ocupar os principais territórios sobre os quais sedimentam-se os vínculos no âmbito escolar - o que não deixa de nos causar perplexidade uma vez que pouquíssimos foram os momentos em que se pôde entrever claramente a premissa de laicidade do ensino (AQUINO, 1996, p.147, grifo do autor).

Os dispositivos de controle e contra-controle variaram segundo o nível de escolaridade, o que demonstrou que a subjetividade construída nos contextos escolares carregou traços de caráter, fundamentalmente, normatizador tanto para professores(as) quanto para alunos(as). Descreveremos os resultados encontrados, apenas, nos primeiro e segundo graus. No primeiro ciclo do primeiro grau, tanto nas escolas particulares quanto nas públicas, a principal queixa docente foi a indisciplina dos(as) alunos(as). As professoras da escola pública utilizaram como estratégia pedagógica a pregação com o objetivo de imprimir a necessidade de se ter bom comportamento, o que indicou, portanto, seu caráter moralizante. Na escola particular, a estratégia normativa adotada foi a garantia da autoridade do professor que supôs respeito do aluno, bem como o senso dos limites do lugar que esse(a) aluno(a) ocupa. Tratou-se, assim, de uma estratégia com fundo psicologizante. De acordo com os professores, os alunos tentaram esquivar-se de diferentes modos na imposição da normatização: dissimulação, apatia, boicote ao desenvolvimento das atividades exigidas. Os(as) alunos(as) por sua vez, tanto de escolas particulares quanto de escolas públicas, homogeneizaram o perfil docente, interpretando o bom professor como sendo o professor austero, controlador e que ensina bem. Por outro lado, os(as) alunos(as) contra-controlaram a conduta docente por meio da simulação de uma conduta desejável, resistindo assim a normatização que foi operada.

No segundo ciclo do primeiro grau, apareceram novas estratégias de normatização e de resistência. Para os professores, de escolas particulares e públicas, a normatização deveria ocorrer por meio da formação de caráter, via conscientização, o que pôde acontecer até mesmo por meio de conteúdo específico. A tentativa aqui foi a de conscientização através dos movimentos internos do(a) aluno(a). Isso ocorreu através da exigência de participação dos alunos nas atividades propostas. Bom aluno era aquele que obedecia voluntariamente. O teor das estratégias pedagógicas adotadas foi essencialmente

moralizante, por isso o enfraquecimento do grupo de alunos(as) mostrou-se necessário na medida em que este grupo apresentava-se como uma imagem potente e extensa.

Para os alunos, houve uma dupla visão da figura do professor. Para eles(as) o professor dentro da sala de aula foi considerado autoritário, rígido e controlador. Fora da escola, tanto os alunos de escola particular quanto de escolas públicas, interpretaram o professor como amigo, com quem conversavam e que tinham suas relações intermediadas pela mutualidade. As estratégias de resistência a normatização por parte dos alunos se veicularam através da simulação de atitudes que eram consideradas desejáveis por parte do professor e do voluntariado ao projeto de normatização do professor desde que este professor carregasse características que correspondessem à imagem de professor amigo.

No segundo grau percebeu-se que houve uma nítida transformação dos lugares instituídos e um viés mais confrontativo nas relações. Para os professores de escolas particulares e públicas, o pré-requisito para a ocupação do lugar discente foi a imagem de aluno que tinha bom desempenho nas tarefas, bom comportamento e postura. As estratégias docentes giraram em torno da exigência de participação dos alunos, altruísmo e humildade. Isso se efetivou por meio da conscientização visando o desenvolvimento de atitudes moralizantes já que a intervenção docente esteve condicionada à formação postural/ moral do aluno.

Por sua vez os(as) alunos(as) desta etapa, mesmo se mostrando mais resistentes que os alunos das etapas anteriores, lançaram mão de diferentes estratégias que foram desde a repressão sutil até a sujeição às imposições. Assim sendo, os(as) alunos(as) desta etapa representaram seus professores de acordo com a avaliação que fizeram de suas competências de onde apareceram dois estilos diferentes de relação: um privilegiado, pautado na proximidade e outro pautado na distância e negação do outro. Com isso, pôde evidenciar-

se que houve uma progressão nos dispositivos imaginários pretendendo a maior proximidade e assimetria dos lugares.

Segundo Aquino (1996), a escola deve ser pensada por meio da superação da idéia de assepsia moral, considerando assim, outros elementos que escapam aos mecanismos de controle moral, intelectual e que mais se relacionam com as velhas práticas que se estabelecem e se perpetuam tornando a escola um lócus pouco produtivo de novas perspectivas.

Em certo sentido a escola imaginada por seus protagonistas e seus teóricos, teria como finalidade última a edificação de uma espécie de uma assepsia moral que, por sua vez capacitasse o sujeito para o conhecimento, para a profissão ou para a vida – o que afirmamos ser inverossímil e, portanto insustentável.

Entretanto, é possível atestar que, para além destes efeitos imaginários mediatos das práticas escolares, efeitos de outras ordens (desconhecidos e sempre inéditos) fazem-se valer nas rotações da vivência escolar, os quais se ignoram a maior parte das vezes e a maior parte do tempo (AQUINO, 1996, 157, grifo do autor).

Menin (2005), desenvolveu uma pesquisa sobre representações sociais de lei, crime, injustiça e imputabilidade penal em 480 adolescentes de escolas particulares e públicas de Presidente Prudente (SP). Através da aplicação de questionário a autora verificou diferenças importantes nas respostas dos alunos dos dois tipos de escolas. Com relação à lei, se percebeu duas tendências fortes; numa das tendências as leis foram percebidas como restrições e que por isso deveriam ser obedecidas enquanto fins em si mesmas, nunca podendo ser modificadas ou desobedecidas, e esta tendência foi mais predominante entre os alunos de escolas públicas, que foram considerados como sujeitos rígidos. A segunda tendência foi caracterizada pela percepção da lei como guias de atitudes que serviriam ao bem-estar de todos e que também poderiam ser mudadas caso isso fosse a necessidade da maioria e, em algumas situações poderiam ser desobedecidas. Esta segunda tendência foi a que predominou entre os adolescentes de escolas particulares, que foram considerados sujeitos tolerantes.

Numa escala de gravidade de situações em que foi solicitada a atribuição de notas que variaram nas freqüências alta, média e baixa; apareceu grande uso de notas altas para as infrações nas duas amostras, isto é, particulares e públicas. Entre as infrações que foram marcadas com maior número de notas médias e baixas para situações como vandalismo e furtos, e, notas altas para situações de risco de vida humana apareceram, mais fortemente, entre os meninos tolerantes. De outro lado, apareceram notas muito altas, às vezes entremeadas de notas muito baixas, que agravavam mais uma situação de furto do que os maus-tratos infantis, entre as meninas de escolas públicas.

Nas situações em que retratavam um rapaz roubando o patrão que lhe devia dinheiro e a da diretora de escola que chamava a polícia para alunos que estavam aprontando, a maioria dos alunos achou que era errado o rapaz roubar seu patrão, no entanto, entre as respostas que consideravam isso correto, a maioria delas esteve concentrada nas escolas públicas. No que se referiu à atitude da diretora que chamou a polícia, houve grande diferença entre os tipos de escolas, de modo que os alunos de escolas particulares desaprovaram a diretora argumentando que este era um problema da escola e não da polícia; já os alunos das escolas públicas avaliaram como correta a atitude da diretora.

Quanto às concepções de injustiça, casos e denúncias, a autora encontrou grande variedade de respostas. Porém, três definições de injustiças prevaleceram: a legal, a retributiva e muitas foram classificadas como outras. Este tipo de respostas, outras, foi mais comum entre alunos de escolas públicas, que também foram o que mais apontaram respostas do tipo não viu e apresentaram posturas, novamente, mais rígidas. Os alunos de escolas particulares foram os que mais apresentaram denúncias de injustiças, sendo estas denúncias compostas por categorias variadas.

Por fim, no que se referiu ao rebaixamento da menoridade penal, a maioria dos alunos afirmaram que eram favoráveis a esta medida, acreditando que um adolescente

deveria ser punido da mesma forma que um adulto. Todavia, foram os alunos de escolas públicas os que mais desconheciam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Estes estudos nos demonstram que a posição social dos indivíduos é um fator importante na construção de suas representações sobre injustiça e sobre as relações escolares. As vivências e as experiências construídas por diferentes grupos se apóiam em valores, ideologias, crenças e culturas peculiares ao contexto em que se formam e ajudar a moldar e preparar o indivíduo frente à determinadas situações.

Tais pesquisas contribuirão, também, nas análises que faremos nesta pesquisa permitindo que compreendamos os aspectos que mais marcam socialmente os julgamentos e as representações de meninos e meninas de escolas particular e pública; e por outro lado, favorecendo comparações ou aproximações dos resultados encontrados.