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Alguns ruídos nas ondas comunitárias

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Capítulo II – Comunicação comunitária: suas trajetórias, complexidades e inovações

2. A Rádio Comunitária: quando a participação popular na mídia se faz

2.5. Alguns ruídos nas ondas comunitárias

Reconhece-se que algumas pessoas utilizam do espectro radiofônico comunitário segundo seus interesses particulares ou corporativos, sejam econômicos, políticos, religiosos, o que acaba distorcendo a finalidade pública destas emissoras. Quando isso acontece, reproduz-se o modelo da mídia convencional, corporativa, comercial, contradizendo o caráter popular e participativo.

Ao observar as diferentes motivações e interesses pelas rádios comunitárias, Peruzzo (1998, p. 9) propõe agrupá-las em cinco “tipos”, para diferenciá-las, conforme suas motivações e finalidades: a) as eminentemente comunitárias; b) as que estão sob controle de algumas pessoas; c) as comerciais; b) as de cunho político-eleitoral; e) as de cunho religioso. Nas palavras da autora (1998, p. 9), seriam:

1º.) Emissoras que se caracterizam como eminentemente comunitárias, uma vez que as organizações comunitárias são responsáveis por todo o processo comunicativo, desde a programação até a gestão do veículo [...]. 2º.) Aquelas que prestam alguns serviços comunitários, mas estão sob o controle de poucas pessoas e, em última instância, servem como meio de vida para seus idealizadores, os quais em geral também são seus donos [...]. 3º.) Há também aquelas mais estritamente comerciais, com programação similar às das emissoras convencionais, sem vínculos diretos com a comunidade local. 4º.) Existem também emissoras de cunho político-eleitoral, ligadas a candidatos a cargos eletivos e seus respectivos partidos políticos [...]. 5º.) Há ainda emissoras religiosas, vinculadas a setores das Igrejas Católica e Evangélicas. São sustentadas por suas mantenedoras e/ou pela venda de espaço publicitário [...].

Em outro momento, Peruzzo (2007a, p. 71) recorre a Alfonso Gumucio Dragon para discutir o desenvolvimento das rádios comunitárias:

Pequenas emissoras geralmente começam a transmitir música na maior parte do dia, tendo assim um impacto na identidade cultural e no orgulho da comunidade. O próximo passo, geralmente associado à programação musical, é transmitir anúncios e dedicatórias, que contribuem para o fortalecimento das relações sociais locais. Quando a emissora cresce em experiência e qualidade, começa a produção local de programas sobre saúde ou educação.

A autora (2007a, p. 71) ainda ressalta que “o contrário também acontece, ou seja, emissoras começam democráticas e acabam sofrendo a centralização do poder de decisão e da palavra em poucas lideranças impingindo um caráter “presidencialista” à gestão e à

programação”. Cabe registrar que existem ainda emissoras que já nasceram com motivações comerciais, religiosas e/ou políticas.

Já Gisele Ferreira (2006, p. 126-132), ao estudar 21 rádios comunitárias da região de São José do Rio Preto/SP, adota a seguinte classificação: a) motivação preponderantemente empresarial; b) motivação preponderantemente religiosa; c) motivação preponderantemente política; d) motivação preponderantemente comunitária. A autora encontrou ainda casos em que as motivações são empresariais e políticas, em iguais proporções.

Terezinha Silva (2008, p. 76-79), ao pesquisar as emissoras do Estado de Santa Catarina, preferiu categorizá-las da seguinte forma: a) comunitárias propriamente ditas: são emissoras geridas pela própria população local; b) mistas: são aquelas que nasceram com motivações mais individuais e que atualmente possuem pequenos níveis de participação popular, ou aquelas que fizeram o contrário. ; c) particulares: geralmente são motivadas por interesses comerciais ou políticos e não possuem iniciativas com base social; d) confessionais: geridas por igrejas ou com conteúdos predominantemente religiosos.

O próprio Relatório do GTI (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 2005, p. 12-13) reconhece que diversas estações de rádio utilizam do rótulo de comunitárias, mas que é possível dividir este universo em quatro tipos, conforme sua atuação: 1.1) autorizada comunitária: emissora que desenvolve um trabalho efetivamente comunitário e de prestação de serviço; 1.2) autorizada pseudocomunitária: a rádio possui outorga para funcionamento, mas não desenvolve em sua programação o escopo para o qual foi autorizada a operar; 2.1) não autorizada comunitária: mesmo sem autorização por parte das instâncias federais, configura-se como comunitária, pelo trabalho que desenvolve. Estas emissoras deveriam ser orientadas pela fiscalização a obter outorga de funcionamento, defende o relatório; 2.2) não autorizada não comunitária: são emissoras que não possuem outorga e que ainda operam em desacordo com a proposta comunitária, premissa fundamental deste modelo radiofônico.

Rafael Roncagliolo (apud LÓPEZ VIGIL, 2004, p. 505), por sua vez, propõe três lógicas de funcionamento para a mídia comunitária: a) lógica da rentabilidade econômica; b) lógica da rentabilidade política; c) lógica da rentabilidade sociocultural. As emissoras comerciais são instituições que colocam como finalidade principal o lucro particular. As rádios políticas procuram persuadir eleitores, visando a seus votos. As religiosas podem ter como finalidade angariar adeptos às suas igrejas, o chamado proselitismo. Por fim, a rádio comunitária é aquela que está a serviço da comunidade, na qual as organizações comunitárias, coletivamente, são as responsáveis pela sua gestão, desenvolvendo uma programação voltada à conscientização e mobilização do cidadão.

Diante das várias finalidades para as referidas emissoras, Peruzzo (2007a, p. 70) foi muito feliz ao resgatar a máxima de São Tomas de Aquino: “a vida transborda o conceito”, haja vista a necessidade de certa flexibilidade ao enquadrar as emissoras nos tipos acima, pois sabemos que todas as emissoras prestam serviços relevantes à localidade em que se inserem, no entanto, diante dessa diversidade, algumas distinções devem ser feitas. Há casos de emissoras que, mesmo vinculadas a alguma instituição religiosa, estão comprometidas com o local em que se inserem, em suas práticas e em seus princípios. Há também aquelas emissoras comerciais que desenvolvem trabalhos comunitários, de mobilização e promoção da cidadania. López Vigil (2004, p. 501) diz que não conhece uma emissora que possa ser considerada 100% comunitária. O que se observa são emissoras que se aproximam mais ou menos dos interesses comunitários. Os dizeres de Peruzzo (2007a, p. 70) apontam neste mesmo sentido, já que uma rádio comunitária não necessariamente abarca todas as características da mídia comunitária, “pois fazer comunicação comunitária implica um processo que tende ao aperfeiçoamento progressivo, principalmente, quando assumido coletivamente”.

Para Malerba (2008, p. 154), “o problema desse tipo de linha de análise é que o resultado é quase sempre binário: ou o veículo em questão se apresenta como um genuíno exemplar de mídia comunitária, ou deve ser banido ou condenado por representar sua apropriação abjeta”. Mais à frente, no mesmo texto, o autor (2008, p. 155) ressalta que “a utilização de critérios eliminatórios baseados no que seria um modelo de mídia comunitária, pouco ou nada contribui para essa questão, já que nos faz perder de vista a dimensão criativa e multifacetada que esses meios assumem”.

Sem dúvida alguma, não se deve criar um sistema automático de julgamento das mídias comunitárias, capaz de condená-las ao “fogo do inferno” ou elevá-las a “sete céus”. Contudo, há que se reconhecer a apropriação do espectro das rádios comunitárias, por algumas pessoas, com objetivos não condizentes com o caráter público e comunitário, intrínsecos desses processos comunicativos. Não é preciso seguir um mesmo padrão de produção, gerando os mesmos conteúdos nos mesmos formatos. Há que se criarem novos conteúdos e novos formatos. Mas, não se pode negar a existência de distorções, em alguns casos.

Cabe registrar a existência de dois guias, que podem ajudar na correção das distorções e, ainda, servir como uma ferramenta no desenvolvimento de políticas públicas que garantam o exercício de um serviço de radiodifusão comunitária democrático: “Princípios para um

marco regulatório democrático sobre rádio e TV comunitária”39

, aprovado em 3 de maio de 2008, pela Amarc e do próprio “Código de Ética da radiodifusão comunitária”40

, aprovado em 11 de dezembro de 1999, durante o I Congresso Estadual da Abraço/RS.

39 Disponível em: http://legislaciones.amarc.org. 40 Disponível em http://www.abracors.org.br/etica.php.

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