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CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Atividade Pesqueira

2.1.3 Alimentação dos pescadores artesanais: escolhas, hábitos alimentares e

manipulação de alimentos

Poucas são as publicações sobre a alimentação dos pescadores artesanais. Entretanto, as pesquisas de Cerdeira, Rufino e Isaac (1997); Walter (2000); Murrieta (2001); Araújo (2001); Cascudo (2002) demonstram que na alimentação diária destes pescadores os alimentos que se destacam são o peixe, carne de sol, farofa, mandioca, farinha de mandioca, farinha de milho, bolachas, rapadura, coco, caju e café.

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As verduras não são comumente consumidas por este grupo, agravadas pelo alto custo para a aquisição destes grupos alimentares. Dentre estes, destacam-se apenas a cebola e o coentro para temperar. As bebidas mais consumidas são as destiladas, dentre elas a cachaça e o conhaque. Estes não possuem o costume de beber líquido durante as refeições (CASCUDO, 2002).

O referido autor também retrata bem a alimentação destes pescadores quando cita o texto abaixo em sua obra jangadeiros: uma pesquisa etnográfica;

“Se mandarem que escolham a forma do peixe para o jantar indicarão sempre o cozido, na água e sal, com toda a sustança não roubada pelos condimentos. Pirão escaldado, o caldo derramado em cima da farinha seca, é legítimo. Os outros, fervidos, enfeitados, são enganos, mentiras e engordos para o paladar. Quando se termina o jantar bebe-se o caldo que sobrou do cozinhado. Aí estão todas as forças do peixe. Bebe-se então o que se tem para beber. Durante a comida o líquido perturbará tudo. Inclusive não deixa que o estômago receba as forças da alimentação” (Cascudo, 2002, pág. 21).

“(...)Fogão de trempe, as três pedras encardidas de fuligem, sustentam a panela bojuda do cozinhado. Nada frito senão em casas de recursos. Raros assados, exceto carne, lingüiça ou peixe na grelha ajeitada sobre o braseiro vermelho. Muita farinha. Rapadura para adoçar a boca e, raspada outrora, era o açúcar do café. Bebia-se muito café em tigelas. A única colher estanhada mexia a todos, eficazmente. Agora bebe-se muito pouco. (...) Pouca verdura e coco permanente para condimentar, o leite de coco para escabeche com cebola e coentro (...)”(Cascudo, 2002, pág. 50).

Uma pesquisa realizada por Murrieta (2001) sobre a dieta dos pescadores de uma comunidade ribeirinha da região de Santarém corrobora com os achados de Cascudo (2002). O autor demonstra em sua pesquisa que os hábitos alimentares dos pescadores são compostos predominantemente do peixe e da farinha de mandioca. Ressalta ainda o consumo de arroz, café com açúcar, bolacha e algumas frutas da época. O autor também afirma que uma característica marcante da dieta desta comunidade é a quase ausência do consumo de verduras e legumes.

Cerdeira, Rufino e Isaac (1997), ao realizar uma pesquisa sobre o consumo de pescado e outros alimentos em uma comunidade ribeirinha no Paraná, destacam a ausência do consumo de hortaliça nas comunidades pesquisadas. Estes encontraram o elevado consumo de peixes, farinha, arroz, batata, macaxeira, feijão e tapioca pela população.

Walter (2000) destaca em sua pesquisa o consumo elevado do peixe na alimentação dos pescadores artesanais de Brasília. O pescado proveniente do lago

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Paranoá é um fator importante de segurança alimentar, visto que esteve presente na alimentação de todas as famílias e “é consumido por 61,2% das famílias mais de três vezes por semana, em média”.

Araújo (2001) destaca, além do consumo do pescado, o consumo do caju, maxixe, jerimum com leite e rapadura nas comunidades jangadeiras do Ceará. A partir destes alimentos fazem-se diversas preparações merecendo destaque a utilização da farinha da castanha, que assim como a farinha de mandioca e a rapadura, oferece energia para o desenvolvimento da atividade. “(...) O peixe seco com farinha de castanha é uma comida forte, tem vitamina: não vê que pescador é forte e tem bastante filho (...), disse um informante”(ARAÚJO, 2001).

Pelo exposto, pode-se inferir que a alimentação dos pescadores artesanais é inadequada para o tipo de atividade altamente desgastante. O baixo consumo de frutas e verduras pode comprometer o fornecimento de vitaminas, em especial as vitaminas A, K, C, Ácido pantotênico e Ácido fólico, bem como o fornecimento dos minerais como Magnésio, Cobalto, Cobre, Zinco, Fósforo, Ferro, Manganês, Molibdênio, Níquel, sendo estes micronutrientes essenciais para as reações metabólicas e liberação de energia.

De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2006), elaborado pelo Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição (CGPAN), para fins de uma alimentação saudável, é recomendado o consumo diário de pelo menos três porções de legumes e verduras e três ou mais porções de frutas (RIBEIRO, 2008).

Quanto aos macronutrientes, em especial proteínas e carboidratos, os estudos mostram que a proteína fornecida através da dieta, é predominantemente advinda do pescado e os carboidratos são fornecidos ao organismo, principalmente, através do consumo de rapadura, farinha de milho, e farinha de mandioca. Uma análise mais detalhada sobre a constituição química da dieta possibilitará observar se o que está sendo consumido pelos jangadeiros atinge as necessidades recomendadas para a realização desta atividade preservando a saúde destes pescadores.

Sabe-se que a adoção de práticas alimentares inadequadas pode provocar, em médio e longo prazo, problemas de saúde comprometendo a qualidade e a produtividade

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no trabalho. Estas práticas ocorrem muitas vezes devido à dificuldade de acesso ao alimento, gerando fome e desnutrição, ou desequilíbrio alimentar, proporcionando o surgimento das doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, diabetes, câncer, hipertensão e dislipidemia.

A ausência de informação acerca dos malefícios ocasionados por hábitos alimentares inadequados ou até mesmo do que seria considerado uma alimentação saudável, podem contribuir para o surgimento dessas doenças, bem como a redução do desempenho no trabalho.

Estudos demonstram que uma alimentação hipocalórica compromete a capacidade e aprendizado no trabalho e favorece a instalação do quadro de hipoglicemia com surgimento de tremores, fadigas, baixa concentração e rendimento no trabalho. Segundo Grandjean (1998), quanto mais o trabalhador permanecer em jejum, ou seja, quanto maior for a distância entre duas refeições, maior é a probabilidade de surgirem acidentes no trabalho. Soma-se a isso a grande demanda de esforço físico intrínseca à atividade jangadeira, potencializando o risco de acidentes durante a atividade. Outro ponto importante envolvendo a alimentação dos jangadeiros, o qual interfere diretamente na atividade de trabalho, diz respeito às práticas de manipulação dos alimentos, cuja ausência de cuidados higiênicos sanitários aumenta as chances de desenvolvimento de doenças de origem alimentar. É comum o acondicionamento do alimento a ser consumido a bordo, em locais sem refrigeração, aumentando a probabilidade de deterioração do alimento e contaminação alimentar.

Pesquisa desenvolvida por Andrade (2000) compilou os principais atendimentos ambulatoriais a pronto-socorros em pescadores que realizam a pesca em superfície. As gastrenterites, devido à contaminação da água e alimentos aparecem em destaque. Rosa e Mattos (2007), também fazem menção à presença de doenças gastrintestinais em pescadores artesanais, sendo estas representadas por gastrite, úlcera e problemas no estômago. Estes problemas podem estar relacionados à realização de práticas inadequadas de higiene, acondicionamento e manipulação dos alimentos a serem consumidos, devendo-se ter um olhar crítico sobre essa situação.